“Luís Nassif, jornalista com mais de 40 anos de atuação, ora se encontra amordaçado, e o referido agente econômico (BTG-Pactual), em suas relações com o poder público, imune à fiscalização que deve advir da esfera pública atenta e crítica.”
O alerta acima foi feito pelos advogados Cláudio Pereira de Souza Neto, Natáli Nunes da Silva e Fernando Luís Coelho Antunes, do escritório Souza Neto e Tartarini Advogados, no bojo da Reclamação protocolada na terça-feira (01/09) junto ao Supremo Tribunal Federal (RCL 43.131).
Distribuída ao ministro Marco Aurélio Mello, a Reclamação pede a revogação da censura imposta, na sexta-feira (28/08), pelo juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32º Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, ao Blog GGN O Jornal de Todos os Brasis, editado por Nassif. Ao atender ao pedido do banco BTG-Pactual, o juízo determinou a retirada de 11 reportagens do site, como noticiamos em Censura a Nassif, a pedido do BTG, desrespeita o STF.
Ao censurar o blog, “pequeno jornal” na visão do magistrado, ele registrou que o banco é “uma Instituição Financeira (sic) com capital aberto”, e concluiu: “a imagem do Banco (sic) constitui patrimônio sensível de seus acionistas”. As letras maiúsculas permitem interpretar “respeito” ao “senhor mercado”.
Da decisão do juiz haverá recursos ao magistrado (agravo) e ao Tribunal de Justiça do Rio. Na ação em que foi decretada a censura, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI já se apresentou na condição de amicus curiae.
A Reclamação é uma ação paralela. Uma queixa pelo desrespeito do juiz a decisões da suprema corte. Nela, desde 2009, quando julgada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130 na qual se entendeu que a antiga Lei de Imprensa é incompatível com Constituição, o Supremo deixa claro que não é possível nenhum tipo de censura. Nem a judicial, como a de agora. No recurso ao STF o Instituto Vladimir Herzog entrará na condição de amicus curiae insistindo na necessidade de a corte garantir a liberdade de imprensa.
A defesa de Nassif e da jornalista Patrícia Faermann, coautora das matérias censuradas, relacionou decisões do STF classificando a liberdade de imprensa como fundamental à democracia e rejeitando a censura. Como a Reclamação 28.747, ajuizada por Rogério Bueno, Advogados Associados, de Curitiba (PR), em favor do “Blog Marcelo Auler, repórter”, noticiada em STF cassa censura da DPF Érika ao Blog.
Os advogados dos jornalistas também apontaram que o magistrado de primeiro grau, ao censurar as reportagens – “levianas”, segundo interpretação do juiz, sem aparentemente analisá-las -, “desconsiderou que, com base nas informações noticiadas, o Ministério Público Estadual de São Paulo abriu ação para anular a licitação da Zona Azul”. Também não deu importância ao fato de que “as irregularidades noticiadas haviam sido identificadas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) de São Paulo, registradas em acórdãos”.
Ou seja, aquilo que o magistrado fluminense enxergou como “leviandade do Blog”, na visão das autoridades paulistas incumbidas de fiscalizar atos governamentais do prefeito serviu como sinal de alerta e provocou a abertura de ação judicial e a cobrança pelo TCM-SP. Isso apenas reforça todas as decisões do Supremo a favor da liberdade de imprensa. Nelas, com insistência é ressaltado o papel de fiscalização da imprensa sob os atos governamentais e/ou os agentes públicos.
Não apenas isso. A defesa lembra que o Supremo reafirma a todo instante o direito da crítica jornalística. Destaca até que se não for crítico, o jornalista não estará exercendo seu papel. Na demonstração desta tese, a Reclamação reproduz parte do voto do decano da Corte, ministro Celso de Mello, ao analisar, em 2015, a Reclamação 15.243. Nela, em março de 2013, o jornalista Paulo Henrique Amorim, que faleceria seis anos depois (junho de 2019), rebelou-se contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio determinando a censura de matérias que ele publicara sobre Daniel Dantas. No seu voto, Celso de Mello enfatizou:
“O réu na qualidade de jornalista cumpre a sua função social sempre que noticia fatos ocorridos no dia-a-dia e juntamente com a narrativa dos fatos revela a sua opinião crítica. A imprensa que se limita a noticiar sem, contudo, fazer avaliação crítica, sem emitir conclusões e, sobretudo, sem levar os leitores a pensar é uma imprensa desqualificada, que não informa, que não leva ao debate, que não auxilia no desenvolvimento da cidadania, que mantém os leitores na ignorância (…);
Não se nega o direito do BTG-Pactual e seus sócios discutirem o conteúdo das matérias jornalísticas. Isso pode até vir a gerar sanções aos jornalistas. Mas o que não é permitido, segundo a Constituição e, consequentemente, as decisões do próprio STF, é um juiz determinar a censura. O direito a sanções futuras é até admitido pelos advogados que em nome de Nassif entraram com a Reclamação, lembrando decisões daquela corte:
“O acórdão prolatado na ADPF n° 130 é inequívoco ao vedar veementemente a censura pelo Estado – inclusive pelo Poder Judiciário – de matérias de conteúdo jornalístico. Para a Corte, eventual responsabilização da imprensa por abusos cometidos no exercício da liberdade de expressão deve ser realizada posteriormente, por meio de fixação de indenização ou por intermédio da concessão de direito de resposta, proporcional ao agravo“.
Em seguida, a Reclamação mostra que a análise do conteúdo não foi feita pelo juízo:
“É inegável que a decisão da 32ª Vara Cível do RJ, de retirar as matérias jornalísticas do ar, não estão baseadas em indícios de erro de conteúdo ou na plausibilidade de difamação, mas sim no que “parece” ofensivo à honra da pessoa jurídica BANCO BTG PACTUAL S.A. A decisão reclamada, portanto, constitui uma medida prévia de censura, que obriga o jornalista e o órgão de imprensa ao silêncio.”
Os advogados insistem:
“É papel da imprensa livre a fiscalização constante e a crítica de tais agentes econômicos, sobretudo quando se relacionam com o poder público. Como se verifica por meio do exame das matérias anexas, os ora reclamantes denunciam irregularidades que teriam sido praticadas em contratos administrativos e certames públicos. Impedir a imprensa de manifestar-se livremente é alijar a sociedade do principal meio de fiscalização democrática existente; é privar a comunidade das informações sobre o desempenho dos agentes econômicos e do poder público.”
Ao pedirem a revogação da decisão que amordaça Nassif e deixa o banco imune à fiscalização do poder público, os advogados falam do risco que a demora na decisão pode trazer aos cidadãos de uma maneira em geral:
“Enquanto persiste a situação narrada, os reclamantes se veem impedidos de exercer o jornalismo, e o público fica privado de acesso a informações importantes sobre um dos temas que desperta atenção da opinião pública nacional. “