Depois da invenção da ultrassonografia não é difícil saber o que surgirá da barriga de uma grávida. A sofisticação das pesquisas eleitorais já nos permite, em alguns casos, prever resultados de urnas, mesmo que ocorram certas imperfeições e gerem sempre muita discórdia. Em situações específicas, da cabeça de um juiz, também já é possível imaginar como será a sentença. Mas isso é mais raro que os dois outros pressupostos da velha máxima de que de barriga de grávida, urnas eleitorais e cabeça de juiz ninguém consegue prever o que virá.
No julgamento que se inicia na manhã desta quarta-feira (24/01) no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), quando três desembargadores da 8ª Turma apreciarão a apelação da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sentença do juiz Sérgio Moro condenando-o a nove anos e meio de cadeia, muitos apostam que haverá uma confirmação da pena imposta pelo juiz de primeiro grau. Discordam do placar que varia entre o 3 x zero e o 2 x 1.
Em Porto Alegre, porém, há uma expectativa de que os deslizes da sentença de 238 páginas, a começar pelo fato de o próprio Moro ter admitido, posteriormente à condenação, a inexistência de relação direta do dinheiro aplicado na reforma do triplex com contratos da Petrobras, podem levar a um resultado surpreendente.
Ainda que ninguém arrisque admitir publicamente, há quem acredite que dois desembargadores poderão tomar decisões que, mesmo sem anular a sentença, livrarão Lula da condenação.
“Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”, admitiu Moro ao rejeitar um embargo de declarações (uma espécie de pedido de esclarecimento) feito pela defesa de Lula.
Isto, por si só, já permite questionar a competência do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba para analisar o caso, como fizeram os advogados de Lula no Memorial de Defesa distribuído aos membros da 8ª Turma. Nele, alegam:
“Da incompetência absoluta da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR: Restou evidenciada e comprovada a falta de competência da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, equivocadamente afirmada em violação à garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII, da CF88), ao artigo 14.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto nº 592/1992) e ao artigo 8.1 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Decreto nº 678/1992), bem como em violação às regras gerais e especiais de competência. Com efeito, o próprio Juiz a quo admitiu, na decisão de rejeição dos embargos de declaração opostos contra a sentença de primeiro grau, que não há qualquer vínculo entre os contratos firmados pela Petrobras que foram indicados na denúncia e o financiamento do empreendimento Solaris, o custeio da reforma e do mobiliário instalado na unidade 164-A, tampouco com a armazenagem de bens do acervo presidencial — as afirmadas vantagens indevidas atribuídas ao Apelante“.
O processo do triplex partiu da denúncia de que o ex-presidente se deixou corromper por ter aceitado um apartamento maior do que o apartamento que sua esposa, Marisa Letícia, se habilitara a comprar, e com benfeitorias pagas pela empreiteira OAS.
Ele só tramitou em Curitiba por ter o Ministério Público Federal (MPF) alegado que tais benesses ao presidente e sua mulher eram frutos da corrupção da OAS por favores que a empreiteira recebeu, através de contratos superfaturados com a Petrobras, graças à interferência do ex-presidente. Por decisão do Supremo Tribunal, Moro deveria cuidar dos casos relacionados às fraudes e rombos na Petrobras.
Na medida em que o próprio juiz diz que não havia esta ligação direta, o caso teria que ser analisado ou em São Paulo (local do prédio) ou em Brasília (jurisdição da Presidência da República), onde Lula teria proporcionado os benefícios à empreiteira.
Isso, porém, não é tudo nas críticas à decisão de Moro que podem justificar a revisão de sua decisão pelo TRF-4. Juristas de todos os vieses ideológicos, incluindo internacionais, têm apontado falhas graves que justificariam a absolvição do ex-presidente.
Aliás, no processo contra Lula, nem o Ministério Público, chefiado por Deltan Dallagnol, nem o juiz Moro foram capazes de indicar de forma clara o ato de ofício do ex-presidente que tenha gerado benefícios à OAS. Trata-se de uma exigência das leis brasileiras para a condenação. Mas na sua decisão, o juiz de primeira instância aponta apenas “atos de ofício indeterminados” (item 865 da sentença) e sustenta “o entendimento de que este não é exigido para a tipificação do crime”, como destaca a defesa no Memorial apresentado que reproduzimos abaixo.
Os juristas que criticam a sentença também recordam que os desembargadores Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, no caso da condenação do ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), João Vaccari Neto, absolveram o réu, modificando a decisão de Moro. Respaldaram esta absolvição na inexistência de provas que confirmassem a delação premiada na qual a sentença se fiou.
Também na condenação de Lula por conta do triplex o juiz fiou-se especificamente na delação premiada de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, réu no mesmo processo e já condenado em outros. Sua delação, inclusive, foi feita depois de ele ter negado a corrupção ao ex-presidente. Do que ele denunciou contra Lula com relação ao apartamento do Guarujá ao tentar obter benefícios na sentença, nada foi comprovado, seja por testemunhos, seja por documentos.
Antes pelo contrário. Como já mostramos na reportagem Bastidores do julgamento em que a Justiça será ré, documentalmente o imóvel pertence à OAS. Motivo pelo qual foi penhorado pela 2ª Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) para garantir dívidas da empreiteira com a Macife S/A Materiais de Construção.
Na impossibilidade de provar que a propriedade do imóvel é de Lula ou de sua falecida esposa, Moro adotou uma terminologia inexistente no Direito Civil: “propriedade atribuída”. Ao explica-la, recorreu a uma reportagem do jornal O Globo, o que não pode ser considerado prova em processos judiciais. Na sustentação das teses apresentadas a favor do ex-presidente, seus advogados no Memorial expõem:
“Ante o conjunto probatório quase inexistente, o juízo a quo tentou justificar a condenação imposta ao Apelante reputando como elemento relevante de prova uma reportagem veiculada pelo “Globo” no ano de 2010, atribuindo elevado valor probatório a uma reportagem jornalística, na contramão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Agravo Regimental na PET nº 2.805-8/DF, de Relatoria do Ministro Nelson Jobim)“.
Memorial apelação da sentença de Moro
Inanição intelectual – Por estas e outras falhas encontradas na decisão de Moro é que ela vem sendo criticada por incontáveis juristas brasileiros e do resto do mundo. Exemplo maior encontra-se no livro Comentários a uma Sentença Anunciada no qual 123 advogados, juristas, mestres e doutores em Direito em 103 artigos, ao longo das 540 páginas, analisam criticamente a sentença.
“O julgamento de Porto Alegre é mais um capitulo do arremedo de julgamento do presidente Lula. O objetivo é promover a derrubada da candidatura Lula da eleição presidencial de 2018. Todo o processo contra Lula tem uma motivação política. E para que prova, se o réu desde o começo já esta condenado? A sentença do juiz Moro é um monumento de inanição intelectual. De 238 paginas constrangedoras, tanto na redação quanto na acusação sem provas; chinfrim“.
São, porém, muito poucos os artigos em defesa de Moro. Surgiram sim algumas surpreendentes, como a do próprio presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, em reportagem ao Estado de S. Paulo – ‘Sentença que condenou Lula vai entrar para a história’, diz presidente do TRF-4. Motivo mais do que suficiente para que todos entendessem que se tratava de um jogo de carta marcadas. Nesse sentido também contribuiu o agendamento do julgamento para esta quarta-feira, atropelando casos que tramitam há mais tempo no TRF-4.
De olho no TRF-4 – As críticas internacionais não se limitaram às do italiano Ferrajoli. Ele foi apenas mais um. Como lembrou o cientista político Benedito Tadeu César, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na reunião de segunda-feira, as atenções do mundo jurídico internacional, nesta quarta-feira, estarão voltadas para a reunião da 8ª Turma do TRF-4.
Diante da enxurrada de críticas, inclusive internacionais, feitas a Moro e à sua decisão – as quais, nesta terça-feira (23/01), juntou-se o artigo publicado pelo New York Times – Brazil’s Democracy Pushed Into the Abyss (Democracia do Brasil empurrada para o abismo), cuja tradução pode ser lida na Revista Forum -, já há quem acredite que os dois desembargadores que já divergiram do desembargador João Pedro Gebran Neto, relator dos processos da Lava Jato e amigo pessoal de Moro, poderão surpreender em suas decisões. Fala-se que o passado dele permite prever que evitarão manchar a biografia.
Mas eles não deixarão de estar em uma encruzilhada. Caso confirmem a sentença, receberão críticas interna e externamente. No currículo dos três constará para sempre uma condenação injusta ou, no mínimo, duvidosa para muitos.
Uma absolvição, porém, poderá gerar críticas e mal estar interna corporis. Inevitavelmente estarão deixando o juiz Moro em maus lençóis. Daí a solução intermediária que alguns apostam: uma decisão que não decide.
Levantariam a questão da incompetência do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba para analisar um caso que não tem a devida ligação com a Petrobras. Se os dois decidirem nesse sentido, o processo paralisa, até que recursos que certamente serão interpostos pelo Ministério Público Federal subam ao Superior Tribunal de Justiça e, muito provavelmente, ao Supremo Tribunal Federal.
Não será definitivo – Caso apenas uma vote neste sentido, outro poderá pedir vista do caso, na expectativa de que os ânimos se acalmem, sem perspectivas de julgamento a curto prazo.
Em ambos os casos, a candidatura de Lula estaria mais próxima de se concretizar, pois os recursos a serem interpostos dificilmente impediriam seu registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral.
Ainda assim, ficaria o constrangimento ao juiz Moro e à Força Tarefa da Lava Jato. Mesmo sem a sentença ser anulada ,como pregam alguns, o desprestígio aconteceria.
Tudo, porém, são hipóteses. Como afirmado acima, ao contrário da ultrassonografia capaz de desvendar o mistério da barriga de uma grávida, ainda não existem meios científicos e perfeitos que antecipem uma decisão judicial.
Ao longo desta quarta-feira, tudo poderá acontecer. Mas, após a manifestação de ontem à tarde em Porto Alegre, dificilmente o PT e os partidos de esquerda que o apoiam no direito a se candidatar deixarão a bola baixar. O clima de campanha, oficialmente, instalou-se no país e nele permanecerá, independentemente do resultado do julgamento, como previu ao Blog o ex-governador petista do Rio Grande do Sul e ex-ministro das Cidades, Olívio Dutra.
10 Comentários
Ficaram todos ricos as custas da condenação do LULA, mas o que resta saber como foi a atuação do ””U$$ Army___Tabajara”’ neste episódio. Peço a DEUS que algum dia saberemos como foram as atuações dos ””””””samangos=meganhas_Tabajaras””””” nesta condenação.
O TRF4 preferiu entrar para o acordão do Jucá…
viva o Brasil que não tem medo de coministazinho, (zinho mesmo) de mais pataca, viva Moro, na 3º instancia vai chegar a30 anos de gaiola, rerere
Somente o início da queda da esquerda no Brasil.
Chega de privilégios para a classe política.
O servidor público, classe média, sobretaxado e esfolado, não é o estopim ou causa dessa crise.
Outros políticos devem ter o mesmo fim que o ex-Presidente, o qual desgraçadamente se corrompeu, frustrando muitos que elegem sem critérios pessoas que não correspondem no trato da res pública.
Chega de populismo, politicagem e canalhice.
Sou só eu ou Dirseu ai parece mais um bot do que uma pessoa?
Caro analfabeto político e geopolítico, se o país virar uma Venezuela, saímos ganhando. Aquele país, com todos os seus problemas, tem indicadores sociais bem melhores do que os nossos.
ps: A resposta é ao “brilhante” comentário do Sr. Dirseu, não à matéria.
O sr. LULA é uma entidade, como o próprio afirma ser uma filosofia, julga ter criado o lulismo, igual a tantos outros “ISMOS” políticos.Sendo assim não poderia ser julgado por simples juízes, somente pelo “Criador”.
Moro não é um simples juiz. Muitos consideram mesmo que ele se acha o Criador.
SE ABSOLVEREM LULA …O QUE VAI SER DESTE PAIS…VAI VIRAR UMA VENEZUELA…POBRE JUVENTUDE NOS JÁ ESTAMOS NA LADEIRA ABAIXO.