“A Portaria foi editada em surdina e veio ao conhecimento público – estrategicamente – às vésperas de a Câmara decidir o futuro da denúncia contra o presidente. Ela atende os anseios da bancada ruralista. Quem garante que, após obter os votos destes deputados, o governo golpista não irá, invocando a pressão popular e possivelmente externa, dar o feito por não feito?” (em:Insubordinação no trabalho? Pode não ser o que parece!)
Bem antes do imaginado, na última sexta-feira (20/10), apenas quatro dias após ter vindo a público a natimorta Portaria nº 1.129/MTb, de 13 de outubro de 2017, do ministério do Trabalho, o presidente golpista Michel Temer, em entrevista ao site Poder 360 anunciou a reedição das normas que modificaram o conceito do trabalho escravo/trabalho degradante.
Ele até pode insistir em reeditar e modificar a malfadada portaria, mas a pressão continuará – como aconteceu na Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca) – até ceder e extingui-la de vez. Não apenas a 1.129/MTb, mas também a ideia de mexer nos conceitos de trabalho escravo.
É óbvio que nada acontecerá antes da próxima quarta-feira (25/10), data prevista para o plenário da Câmara dos Deputados apreciar o pedido do Supremo Tribunal Federal (STF) para processar criminalmente o presidente acusado, entre outros crimes, de corrupção. A Portaria faz parte da garimpagem de votos que Temer vem realizando para permanecer a qualquer custo no cargo ao qual chegou mediante o golpe do impeachment.
Nos motivos jamais revelados pelo presidente e seu ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, como afirmamos na reportagem citada acima, a mudança nas regras de como atestar o trabalho semelhante à escravidão tinha o objetivo claro e inconfessável de agradar aos deputados da bancada ruralista. Agradá-los para conquistar seus votos.
Esta bancada, calculada em torno de 200 parlamentares, tem apetite voraz. Sempre quer mais. Em agosto, ela garantiu ao presidente 130 dos 255 votos que negaram autorização para prosseguimento de um processo criminal. Era a primeira denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente.
Em troca dos votos, os ruralistas receberam a redução da alíquota paga por produtores rurais ao Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) e o perdão do pagamento de juros de dívidas atrasadas.
Baixar a alíquota significará uma redução de R$ 1,07 bilhão, em 2018, na arrecadação. O perdão de juros, multas e encargos das dívidas emagrecerá o cofre do Tesouro Nacional em R$ 7,6 bilhões.
Mas, o apetite voraz exige mais. Esses deputados sempre se debateram contra a atuação, séria, competente e digna de aplausos, dos auditores fiscais da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT/MTb) no combate à exploração da mão de obra no campo. Ou, na linguagem mais direta, no combate ao trabalho análogo à escravidão.
Surgiu assim, às vésperas da Câmara apreciar o segundo pedido do Supremo para processar criminalmente Temer, a Portaria 1.129 O pretexto foi de regulamentar o pagamento do seguro desemprego “ao trabalhador identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido à condição análoga à de escravos“.
A partir disso, o ministro do Trabalho simplesmente atropelou a Constituição e a legislação vigente e criou uma nova conceituação para, por exemplo, trabalho degradante.
Passou a ser “atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador , consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação de sua dignidade”.
O “consubstanciados no cerceamento de ir e vir” simplesmente limitou a caracterização do trabalho degradante, ou mesmo das condições análogas ao trabalho escravo àqueles que, comprovadamente, estiverem impedidos de se locomover.
Ao que demonstrou na entrevista ao Poder 360, o presidente nem conhecia ao certo a portaria que seu ministro assinou. Ou então se fez de esquecido. Muito dificilmente este texto seria preparado à revelia da Presidência da República. Até por ter sido algo que, segundo o noticiado, atende aos interesses – mais uma vez – do todo poderoso ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Seu desconhecimento/esquecimento fica patente ao negar a restrição que a Portaria criou ao entendimento de trabalho degradante/trabalho escravo, a partir do cerceamento do ir e vir. O Poder 360 insistiu nesse assunto:
“(…) a configuração do trabalho escravo ficou agora restrita a casos em que não há o direito de ir e vir. Fora isso, nada mais poderia ser considerado trabalho escravo, como por exemplo jornada exaustiva ou coisa dessa ordem…”
O presidente deu sua demonstração de desconhecimento/esquecimento:
“Não me pareceu. Não é isso que está na portaria. A portaria que ele (o ministro do Trabalho) me mandou, pelo menos, tem várias hipóteses, agora não me recordo de todas, mas reveladoras de que o trabalho degradante, o trabalho que impõe condições desumanas de vida é trabalho escravo. Não é só o direito de ir e vir, não. Direito de ir e vir está assegurado amplamente. Acho que nem tem sentido usar esse argumento. Não estou nem defendendo a portaria e nem condenando a portaria. Estou dizendo que ela está sofrendo objeções que estão sendo analisadas.”
O que Temer esqueceu – Ao levar pessoalmente a Nogueira a recomendação dos Ministérios Públicos do Trabalho (MPT) e Federal (MPF) pela revogação da Portaria, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge entregou um ofício, disponível na página do MPF. Nele evidencia-se o erro/esquecimento de Temer:
“Acrescento que o trabalho escravo viola a dignidade e não apenas a liberdade da pessoa humana. É por essa razão que, ao adotar um conceito de trabalho escravo restrito à proteção da liberdade e não da dignidade humana, a Portaria nº 1.129 fere a Constituição, que a garante em seus artigos 1º – III (ao estabelecer que a República tem por fundamento a dignidade da pessoa humana) e 170 – caput (ao estabelecer que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna e é fundada na valorização do trabalho humano). Por isto, esta Portaria implica retrocesso nas garantias básicas da dignidade humana estabelecidas na política pública anterior (princípio da proibição de retrocessos).” (grifo nosso)
Outra desinformação do presidente é com relação ao papel da Polícia Federal. Pela portaria, os auditores fiscais do trabalho passam a depender de Boletins de Ocorrência policial para a autuação do empregador.
Atualmente, os agentes federais acompanham a fiscalização para garantir a integridade dos mesmos. Só depois da autuação dos infratores é que copias das mesmas são encaminhadas à Polícia para os respectivos inquéritos. Em alguns casos, aproveita-se a situação e se tomam os depoimentos (auditores e policia) no local da infração.
Mas, a presença dos agentes federais é na condição de apoio aos auditores. Até por uma questão básica: o policial federal não pode acessar os locais de trabalho sem mandados judiciais. Já os auditores, por força de convenções internacionais assinadas pelo Brasil, têm livre acesso. Relacionar o trabalho de um ao desempenho do outro é, no mínimo, retrocesso, se não for má fé para criar dificuldades.
Lista suja do trabalho escravo – A Portaria também modifica a publicidade da conhecida Lista Suja do Trabalho Escravo. Atualmente, a divulgação da mesma cabe à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT/MTB) e pode ser atualizada “a qualquer tempo, não podendo tal providência ocorrer em periodicidade superior a 6 (seis) meses“.
Com a mudança, a SIT permanecerá responsável pela elaboração do Cadastro, mas sua divulgação “será realizada por determinação expressa do Ministro do Trabalho“. Ao mesmo tempo, a portaria determina que “a atualização do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo será publicada no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho duas vezes ao ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro“.
Como explica o Blog do Sakamoto na postagem “Conheça a “lista suja” do trabalho escravo que o governo não divulgou“, uma nova atualização deste Cadastro deveria ter ocorrido em setembro, mas com a edição da Portaria, o governo federal não publicizou oficialmente a lista. No Fantástico deste domingo (22/10) a TV Globo divulgou a nova lista.
Segundo Sakamoto, “a nova atualização do cadastro de empregados flagrados por mão de obra análoga à de escravo contém 49 novos nomes. Somando aos que já estavam na relação, totalizam 131 nomes na chamada ”lista suja” e um em uma lista de observação”.
Quem será engambelado? – Ao admitir que seu ministro do Trabalho revisará a portaria, o presidente golpista – e, pelo jeito, mal informado ou esquecido – anunciou que serão incorporadas no novo texto as sugestões da procuradora Raquel.
Para atendê-la, ele não pode apenas rever. Tem que extinguir o que foi feito e manter o status anterior.
Este será um dilema a Temer. Certamente, não tomará nenhuma providência nas próximas 48Hs. Ou seja, e a Câmara rejeitar o processo, Caso contrário, automaticamente estará afastado do cargo.
Revogar, significará dar as costas ao pleito da bancada ruralista. Mas, a esta altura, quem tinha que dar voto já terá dado.
Manter a Portaria, apenas fazendo revisão de texto, ao que parece é ignorar as recomendações do MPT/MPF e, por consequência, da procuradora-geral.
No final, ele terá que se posicionar. A quem Temer engambelará?
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4 Comentários
É preciso dizer também que a PGR Raquel Dodge, como a imprensa golpista e agora chapa-branca publicou, em vez de pedir a IMEDIATA REVOGAÇÃO dessa medida criminosa desse governo de bandidos DEU DEZ (10) DIAS DE PRAZO para isso. E dez dias são também, coincidentemente, PRAZO SUFICIENTE para Michel Temer – denunciado por corrupção, formação de quadrilha e obstrução da justiça – se livrar, mais uma vez, de ser processado e afastado da função em que comete crimes em série.
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E a tal atitude da PGR Raquel Dodge se soma o seu comportamento de humorista ao insinuar que o bandido Geddel Vieira Lima era o chefe da organização criminosa, mais uma vez apontando para o livramento de cara de Michel Temer na justiça, como relatou Jânio de Freitas recentemente.
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Não bastasse o encontro furtivo da senhora Dodge com Michel Temer, no horário Joesley do Jaburu, sob a desculpa ridícula de marcar um horário para uma solenidade, esses dois novos passos da PGR certamente deveriam ser melhor explicados à sociedade, que está com a pulga atrás da orelha desde o criminoso enunciado “com STF, com tudo”, de um dos membros da quadrilha que assaltou o Brasil e os brasileiros, dando um golpe de estado.
E o comportamento indevido da PGR Raquel Dodge prossegue, nesta segunda-feira 23/10/2017, chegando às raias do absurdo e ao nível da esculhambação total das instituições, quando recebe das mãos de Michel Temer uma Comenda da Ordem do Mérito Aeronáutico. Para uma instituição – a PGR – que DENUNCIOU o sujeito por CORRUPÇÃO, CHEFE DE UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA e OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA, é difícil ao cidadão comum não ver nisso uma esculhambação total, quando a chefe desta mesma instituição vai a um beija-mão exatamente de quem denunciou, e ÁS VÉSPERAS (2 dias) de um julgamento no congresso a RESPEITO do prosseguimento das referidas denúncias na justiça. Independente do mérito neste tipo de homenagem – muito usado para bajular e afagar egos sem merecimento, muitas vezes com segundas intenções -, não poderia a doutora Raquel, pelo menos, mandar um representante no lugar?
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Pode ser difícil para um cidadão comum entender tal comportamento, mas na Assembleia Geral de Bandidos (como disse a imprensa internacional), muitos dos seus componentes vão compreender perfeitamente tal gesto como mais um salvo-conduto para praticar mais um crime contra o país e o seu povo.
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[1] https://oglobo.globo.com/brasil/a-dois-dias-da-votacao-da-denuncia-temer-homenageia-raquel-dodge-21980282
E nesta terça-feira, 24/10/2017, a ministra do STF Rosa Weber, agindo DE IMEDIATO e corretamente, deu liminar suspendendo a portaria criminosa de um governo dos bandidos escravocratas. No entanto, a liminar foi dada em ação movida por um partido político, a Rede.
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A liminar NÃO FOI DADA em ação MOVIDA pela senhora RAQUEL DODGE, como deveria ter acontecido, pois não se tem notícia de que a doutora tenha movido uma tal ação, apenas se sabe que deu prazo de 10 dias para o governo, que assim pode agir politicamente da forma mais conveniente para se salvar na Assembleia Geral de Bandidos (como diz a imprensa internacional) do Congresso.
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E por acaso NÃO É FUNÇÃO da PGR defender a constituição, mais ainda quando um governo criminoso tenta legalizar a escravidão no país? Não é função da PGR atuar para IMPEDIR DE IMEDIATO o cometimento de um tal crime contra a humanidade, como disse o jornalista Xico Sá?
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Totalmente lastimável o comportamento pusilânime da Procuradoria Geral da República neste episódio infame de um governo criminoso. Espera-se pelo menos que a ministra Rosa Weber tenha solicitado parecer da PGR na ação da Rede e que tal parecer tenha sido favorável à concessão da liminar, o que seria um atenuante para a PGR. mas será que isso ocorreu de fato? Espera-se notícia a respeito para confirmar ou não.
Se tivermos um novo/nova presidente da Republica compromissado com o Pais, ele ou ela vai ter muito trabalho para remendar, desfazer, refazer, reformular, anular etc o que Temer em um ano conseguiu fazer com o Brasil. Eh inacreditavel como essa escoria esta roendo as alicerces duramente erguidos das instituições brasileiras. Uau! Se contassem antes poucos acreditariam.