Desde sexta-feira (31/01), cinco diretores da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Química do Estado do Paraná (Sindiquímica/PR) – Deyvid Bacelar, Cibele Vieira, Tadeu Porto, José Genivaldo da Silva, Ademir Jacinto -, que constituem a Comissão Permanente de Negociação da FUP, aguardam, sentados à mesa onde se reuniram momentos antes com o gerente de Recursos Humanos da empresa, Fabricio Pereira Gomes, a negociação ser retomada. Nestas 48 horas ocupando a sala do quarto andar do edifício sede, na Avenida Chile, centro do Rio, foram ameaçados, tiveram a luz cortada e ficaram sem água nos banheiros por aproximadamente 12 horas. Mas não arredaram pé do local em que os negociadores da empresa os deixaram. É uma resistência pacífica e até mesmo quixotesca.
O sinal de que nem tudo se deteriorou na democracia em vertigem brasileira não está apenas na iniciativa dos sindicalistas. Evidencia-se ainda na sentença da juíza Rosane Ribeiro Catrib, de plantão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), ao rejeitar o pedido de reintegração de posse feito pela empresa. Uma tentativa, da Petrobras, de livrar-se do “estorvo” que a presença daqueles cinco em seu prédio lhe causa, pois caracteriza a sua falta de interesse em negociar.
Prefaciando sua decisão com uma frase da jornalista Eliane Brum – “A tragédia brasileira é que as palavras existem, mas já não dizem” -, ela explica:
“o Brasil sofre de um esvaziamento de significado das palavras e que, destituídas de significado, as palavras não agem, não materializam a ideia nelas contida. Quando a palavra já não diz, resta o gesto. Gesto simbólico: estão na mesa para negociar“.
Após receber relatório do oficial de justiça que esteve no local e constatou que os cinco não ameaçavam a segurança da empresa, tampouco dificultavam o funcionamento da estatal, a juíza Rosane registrou:
“O que se vê é a legítima atuação do Sindicato no sentido de persuadir a empresa à negociação. Negociação frustrada após uma reunião para a qual foram convidados e não saíram porque, como já dito, permanecem em mesa para negociar. É um sinal de resistência, próprio do jogo democrático.”
A juíza respaldou-se em decisão pretérita, do seu colega de TRT-TJ o desembargador Gustavo Tadeu Alkmim. O acórdão surgiu de uma greve de bancários em que empregadores tentaram proibir piquetes. Ao rejeitar o pedido, o desembargador, em tom crítico, relembrou que a greve é um direito constitucional dos trabalhadores:
“O empregador (…) Almeja, quem sabe, retroagir ao tempo em que, no Brasil, a greve era considerada “caso de polícia”. A norma processual exige um justo receio para a concessão de mandado proibitório (CPC, art. 932); e não se concebe receio “justo” contra expresso texto de lei que assegura aos grevistas “o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve” (inciso I do art. 6° da Lei 7783/89) – em suma, o uso do piquete pacífico“. Agravo regimental improvido.” (Proc. Nº 01614-2005-000-01-00-6 (MS), (AGRAVO REGIMENTAL), SEDI, publicado em 26.04.2006).
Mesmo considerando que não se tratar de um piquete especificamente, a juíza Rosane citou a falta de resultado na negociação de sexta-feira para garantir o direito de permanência dos cinco sindicalistas na sala de reunião. Na decisão assinada às 10:22hs, ela explica:
“E é exatamente da negociação frustrada que surge o direito da cessação coletiva do trabalho (Lei 7783/89, art. 3°). Assim, temos que permanecer, pacificamente, em uma mesa de negociação aguardando o interlocutor, é instrumento válido para forçar uma negociação ou a ela dar continuidade (…) Sob nenhum aspecto, a permanência dos ocupantes nesse espaço restrito indica risco ou ameaça à PETROBRÁS. Estamos diante de nada mais que cinco dirigentes sindicais, número que, muito provavelmente, não supera o quantitativo de integrantes da equipe de segurança do prédio sede da Petrobrás, mesmo em um final de semana (…) Afastada a alegada ameaça, temos que a controvérsia está centrada em direito coletivo do trabalho, que possui regulação específica, inclusive processual.”
A decisão da juíza certamente desagradou à diretoria da Petrobras. Impedida de expulsar os sindicalistas, a empresa decidiu partir para o confronto. Em outras palavras, ao contrário da magistrada, não reconhecer a “legítima atuação do Sindicato no sentido de persuadir a empresa à negociação”.
A energia e a água do quarto andar do prédio foram cortadas, deixando os cinco no escuro, sem ar refrigerado, sem recarregarem os celulares e os banheiros sem descarga. Uma demonstração de desespero e falta de preparo para uma negociação sindical. Tentativa de resolver o problema à força, sem diálogo.
A juíza não gostou. Ao ser informada dos cortes, voltou aos autos do processo às 19:39 hs de sábado. Após relembrar que a greve foi decidida em assembleia da categoria e citar sua decisão anterior reconhecendo a legitimidade de atuação do sindicato, classificou a atitude da empresa como “conduta antissindical da Requerente, que deve ser reprimida, em respeito às disposições constitucionais, especialmente , art. 8º da CF, à Convenção 98 da OIT e ao art. 513 da CLT.”
Relembrando a legislação – Decreto Legislativo n. 49, de 27.8.52, do Congresso Nacional e Decreto n. 33.196, de 29.6.53 – entendeu necessário garantir “a proteção contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical“. E explicou, quase que didaticamente, as regras do jogo em regime democrático:
“E nessa liberdade se inclui um direito fundamental, o de greve que traz, em si, a possibilidade de atos de antijuridicidade, que são necessários para obrigar a parte contrária a aderir à negociação. Esse o intento dos dirigentes, por isso “permanecem em mesa para negociar”, repetimos (…) Caracterizada a conduta antissindical e clara afronta à decisão que indeferiu a liminar, impõe-se sejam mantidas as condições de habitabilidade do prédio sede, com o imediato restabelecimento da luz e da água, em especial nas instalações ocupadas pelos dirigentes sindicais nomeados na presente ação”.
Sob a ameaça de ser multada em R$ 100 mil por hora que demorasse a religar a energia e a água do quarto andar, a estatal se viu obrigada a, usando a expressão da magistrada, manter “as condições de habitabilidade do prédio”. Por volta de 23:00 hs a “habitalidade” foi restituída aos cinco sindicalistas, que registram o momento em vídeo.
Mas a Petrobras não se rendeu. Impediu que companheiros dos sindicalistas levassem para eles alimentos e água mineral. Quem tentou foi barrado na portaria do edifício sede, como também registrado em vídeo, na tarde de domingo (02/02). Em consequência, os cinco se alimentaram dos biscoitos que, precavidamente tinham na bagagem quando chegaram para a reunião de negociação.
Uma das putas de reivindicação da FUP – e por isso o envolvimento do Sindiquímica do Paraná – é o plano do governo de fechar a subsidiária da estatal em Araucária.
Ali funciona a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen), empresa pertencente à Araucária Nitrogenados S/A (Ansa), subsidiária da Petrobras. Há toda uma preocupação em tentarem separar aquela fábrica da estatal. Mas não apenas as placas de rua indicativas da empresa registram a ligação direta ao anunciarem Fafen/Petrobras. Também os uniformes dos empregados são os mesmos dos trabalhadores da estatal. Na hora de qualquer negociação, porém, os administradores tentam diferenciar as duas empresas.
Como já anunciado, aquela planta industrial será desativada, ou hibernada, termo usados pelos representantes patronais. Essa decisão gerará a demissão – programada para acontecer dia 14 próximo – de cerca de mil trabalhadores, entre empregados diretos e terceirizados.
Por isso, embora ligados ao Sindicatos dos Trabalhadores na Indústria Químicas do Paraná – também filiado à FUP -, os empregados da empresa aderiram à greve dos petroleiros. Sua representante “permanece em mesa para negociar” no edifício sede da Petrobras, desde sexta-feira.
As ameaças aos 143 mil habitantes do município vizinho a Curitiba não se resumem às perdas econômicas dos trabalhadores, seus familiares, da própria prefeitura e do governo do Estado, que já se manifestaram contra o fechamento e tentaram negociar com a estatal, sem nenhum resultado concreto.
Há ainda o risco de, na ausência dos empregados – os últimos a aderirem à greve foram os do turno que se encerrou às 15:00 hs de sábado – ocorrerem vazamentos de produtos químicos ali estocados, como o gás de amônia, comprometendo a saúde dos habitantes da região e ao meio ambiente.
Uma intercorrência dessas aconteceu sexta-feira à noite, fazendo soar sirenes de alarme e apavorando os que estavam próximos dali. A empresa diz que está tudo sob controle, mas não parece ser isso o que acontece.
Tanto que a pressão pelo retorno à negociação não parte apenas dos sindicalistas e empregados, mas também da vice procuradora chefe do Ministério Público do Trabalho, Cristiane Sbalqueiro Lopes, encarregada do processo que acompanha a “hibernação” desta planta industrial.
Em pleno sábado (01/02), ela vistoriou as instalações da indústria que já se encontra paralisada, para avaliar os riscos de vazamento de amônia, tal como aconteceu na noite de sexta-feira. Foi com uma equipe do Ministério Público do Trabalho, entre eles o engenheiro de Segurança do Trabalho, Joaquim José Barão Perez Júnior, autor do laudo cuja conclusão reproduzimos na ilustração.
Ao sair da vistoria, Cristiane revelou o risco da situação e conclamou à reabertura das negociações estre as duas partes:
“Vejo com muita preocupação o que foi observado aqui pela equipe do Ministério Público do Trabalho. Estamos buscando uma fórmula de solucionar este conflito o mais rápido possível. O que deu para ver aqui é que existe urgência, de verdade. Então, ambas as partes precisam conversar para que a gente não tenha aumentado este risco de catástrofe que percebemos agora. Por isso eu faço um apelo também à Petrobras, para que converse com os trabalhadores. E aos trabalhadores para que se sensibilizem com respeito à necessidade de prosseguir acompanhando o funcionamento das máquinas“, expôs em vídeo que a FUP veicula pelas redes sociais.
Novamente, porém, o impasse reside na falta de disposição para a negociação por parte da Petrobras. Em documento encaminhado ao MPT, a Fafen rechaça qualquer possibilidade de acordo. Nessa documentação, entregue na sexta-feira (31/01), alega que as reuniões que realizou com o MPT e o sindicato foram suficientes para cumprir a cláusula legal que obriga a discussão entre as partes sobre as dispensas.
Reafirma que a decisão da “hibernação” já está tomada e que não será suspensa. Insiste que não foi incorporada à estatal, tem uma personalidade jurídica diferente, por isso rechaça a proposta dos trabalhadores de transferência dos empregados para a Petrobras. Quanto aos terceirizados diz não poder interferir na gestão das empresas que contrata.
Diz, sem explicar direito o que significa, que “a segurança ambiental da hibernação da Ansa” é garantida pelo envolvimento do órgão ambiental competente no processo e que a segurança operacional para a eliminação do risco não impede a continuidade do plano de hibernação e de escoamento dos estoques hoje presentes na fábrica. Informou ainda que, a cada dia, tem sido reduzido os estoques “com a continuidade do processo de expedição para os clientes da Ansa”.
No entanto, no sábado, ela recorreu à Justiça e o juiz Pedro Celso Carmona, da 2ª Vara do Trabalho em Araucária, atendeu, liminarmente, ao pedido da empresa. Determinou ao Sindiquímica que encaminhe nomes de 16 trabalhadores, por turnos ininterruptos, durante o período da greve, para ajudar na manutenção dos equipamentos e garantir a segurança. O não atendimento corresponderá para o sindicato uma multa de R$ 10 mil por empregado que não aparecer, além de R$ 500, ao empregado que descumprir o turno.
Em Araucária o impasse está justamente no fato de as demissões já terem sido comunicadas. Sem que a empresa reabra as negociações – o que ela nega ser possível -, os trabalhadores se recusam a voltar à fábrica, até para atender a decisão judicial, já que estarão demitidos do mesmo jeito.
“Seria importante alguma sinalização da Gestão da Petrobrás de que vai suspender as demissões em massa e negociar com a Comissão de Negociação Permanente da FUP a situação da FAFEN-PR e seus trabalhadores, pelo prazo mínimo de 30 dias”, dizem os membros da Comissão Permanente de Negociação da FUP/Sindiquimica.
A intransigência é de ambas as partes, concluiu ao Blog a procuradora Cristiane. Para ela, “a Petrobras está bem equivocada ao dizer que não está acontecendo nada (vazamento de amônia), porque está”. Na vistoria, ela constatou o vazamento que foi até fotografado.
“Um trabalhador mediu 76 partículas por milhão, no local, ao ar livre, próximo ao local onde ocorria o vazamento. É bastante. A NR-9 diz que tem que ser, no máximo, 10 partículas por milhão. O trabalhador que fez essa medição, eu vi pessoalmente que estava com os olhos vermelhos e o rosto inchado. Eu estive lá no momento em que houve dissipação de amônia e é realmente irritante. Fiquei uma hora lá e à noite ainda tinha um gosto estranho na boca”, explicou.
Segundo ela, “os trabalhadores têm razão de que o vazamento não irá acabar se eles entrarem, porém, como eles não estão na sala de máquinas, pode ser que outros elementos acabem levando outras máquinas a uma mudança na configuração. Então tem razão a empresa quando diz – e eles também sabem – que é como se tivéssemos um avião voando sem piloto. Foi realmente o que constatamos na inspeção. Esse avião está voando sem piloto e qualquer intercorrência nesse voo, ele vai simplesmente acabar, por não ter ninguém pilotando”
No sábado, após a vistoria, ela recorreu ao colega Lincoln Roberto Nobrega Cordeiro, especialista em meio ambiente de trabalho, para analisar os achados da inspeção. Juntos, apresentaram em juízo uma requisição para que imediatamente a Petrobras passe a monitorar a quantidade de amônia que está vazando. Ela conclui:
“Pelo que vimos, é importante que alguém esteja lá operando a casa de máquinas para que o pior não aconteça E também tem razão o sindicato quando diz que não é só isso que vai evitar o problema. Mas isso pode evitar que fique pior”.
Resta esperar pela reação da empresa na segunda-feira (03/02) quando, certamente, pressão de outros setores da sociedade e, possivelmente, de outros petroleiros – sem falar no do município do Rio de Janeiro, filiado à Frente Nacional dos Petroleiros – poderá força-la a retornar à mesa de negociação. Onde os sindicalistas continuam esperando.
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1 Comentário
HABEMUS JUÍZA, AINDA, NESSE BRASIL ONDE JUÍZES ESTÃO SE DESMORALIZANDO COMPLETAMENTE.
. É necessário neste momento que o povo se una, o pessoal da Casa da Moeda, dos Correios, os estudantes e professores contra esse ministro que está destruindo o ENEM E O SISU. A hora é agora minha gente, contra a venda da PETROBRAS e contra as DEMISSÕES EM MASSA. Famílias inteiras no desespero. Chegou a HORA, A HORA É AGORA. TODOS PRA RUA CONTRA ESSE GOVERNO FASCISTA.
Parabéns Marcelo Auler, grande jornalista, dos poucos a noticiar o início da derrocada dos vendilhões da PETROBRAS.