Marcelo Auler
Aos poucos as instituições estão sendo testadas. Diante das omissões e tergiversações do Procurador-Geral da República (PGR), Antônio Augusto Brandão Aras, perante possíveis crimes e irregularidades cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro ou por pessoas no seu entorno, o ex-PGR, Cláudio Lemos Fonteles, ao lado de três outros Subprocuradores-Geral aposentados – Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Paulo de Tarso Braz Lucas e Wagner Gonçalves – e do juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Manoel Lauro Volkemer de Castilho, submeteram ao vice presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), o Subprocurador-geral José Bonifácio Borges de Andrada, o estudo da possibilidade de abertura de uma ação penal contra Aras.
Bonifácio de Andrada, conforme relatou Aguirre Talento, em O Globo – Conselho da PGR recebe pedido para investigar Aras por prevaricação em inquéritos contra bolsonaristas – dará prosseguimento ao pedido, sorteando um relator para o caso entre os oito conselheiros existentes. Ao Conselho caberá dar andamento ao caso a partir do relato a ser feito pelo sorteado.
O CSMPF é formado por dez membros, tendo assento nato o Procurador-Geral, no caso Aras, e o Vice-Procurador-Geral, Humberto Jacques de Medeiros. Como os dois são citados na Representação, a relatoria terá que ser sorteada entre os demais membros. Destes, três se alinham com Aras, segundo todos os comentários internos no MPF. São Carlos Frederico Santos, Hindemburgo Chateaubriand (secretario de cooperação internacional, por indicação do PGR) e Maria Caetana Cintra Santos. Os demais são críticos ao comportamento do atual PGR, ainda que nem sempre se manifestem publicamente, como acontece com o próprio Bonifácio de Andrada. São eles: José Adonis Callou de Araújo Sá, Mário Bonsaglia, Nicolao Dino e Nívio de Freitas. Aliás, as críticas ao comportamento do Procurador-Geral têm sido endossadas por grande parte dos quase mil membros do MPF.
Entendem os cinco autores da Representação entregue a Bonifácio de Andrada na segunda-feira, 9 de agosto, que o documento abrirá chances para que o Conselho se posicione a respeito das omissões da Procuradoria Geral da República diante do comportamento, no mínimo excêntrico, mas por muitos considerado ilegal, do presidente Bolsonaro e de seus correlegionários e/ou auxiliares.
No próprio CSMPF, recentemente (13/07) cinco de seus então membros – Araújo Sá, Bonsaglia, Dino, Luiza Frischeisen e José Elaeres (os dois últimos já substituídos) – encaminharam Representação à presidência do órgão cobrando uma investigação de Bolsonaro por abuso de poder. “As declarações do sr. presidente da República parecem ultrapassar os limites do mero [e intangível] exercício do direito constitucional à liberdade de expressão (…) Têm-se aí indicativos da necessidade de pronta atuação do procurador-Geral da República, na condição de procurador-Geral Eleitoral, ante seu papel constitucional de defesa do regime democrático e do livre exercício do direito de sufrágio”, afirmaram. O caso foi tratado burocraticamente, sem resultados práticos.
Nesta nova Representação, escolhido o relator por sorteio, não havendo um indeferimento de pleno (imediato), ao mesmo caberá analisá-la, até mesmo através de provas e/ou depoimentos, para depois levar sua conclusão ao plenário. Ali, independentemente da posição do relator, a maioria decidirá a questão.
Ainda que não resulte em Ação Penal contra o chefe do MPF – apesar de existirem motivações para tal – a simples apresentação do pedido e o debate em torno dele já criaram dificuldades para Aras. Recorde-se que ele será sabatinado no Senado Federal para que possa ser reconduzido ao cargo por mais dois anos, como proposto pelo presidente da República. Em todo este processo também terá peso fundamental a pressão da sociedade que já vem tecendo críticas ao comportamento do Procurador-Geral.
Para Fonteles e os demais signatários do documento, o atual PGR “não cumpre com a relevante missão constitucional” do Ministério Público Federal (MPF), “deixando de agir, ou agindo com deliberada tibieza e tergiversação em determinados casos”. Exemplificando, citam, especificamente, fatos em que o atual titular da PGR, diretamente ou através de Jacques, o Vice-Procurador-Geral, deixou de exercitar o papel do MPF.
Por isso, cobram que o CSMPF, seguindo o previsto no inciso X do artigo 57 da Lei nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, designe um Subprocurador-Geral para “conhecer do inquérito, peças de informação ou representação sobre crime comum atribuível ao Procurador-Geral da República e, sendo o caso, promover a ação penal”. Ou seja, para dar andamento internamente no pedido.
O documento, sucintamente, descreve três omissões flagrantes. Envolvem o senador Flávio Bolsonaro (Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – 6529-DF); o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles e o presidente afastado do IBAMA, Eduardo Bin (Petição nº 9975-DF); além do próprio presidente Bolsonaro em relação ao enfrentamento da pandemia do Covid-19 (Petição nº 9760/DF). São fatos nos quais os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) questionaram a passividade da Procuradoria Geral da República.
A Representação não inclui outros episódios como, por exemplo, a tardia manifestação da PGR, através da Subprocuradora-Geral Lindora Araújo, no pedido da Polícia Federal de prisão do ex-deputado Roberto Jefferson. Ele está sendo investigado por suposta participação em uma organização criminosa digital responsável por atacar os ministros da Corte e as instituições da República.
Instada pelo ministro Alexandre de Moraes, em 5 de agosto, a se manifestar em um prazo de 24 horas, a PGR só apresentou seu posicionamento – contrário à prisão – na noite de 12 de agosto, após o ministro ter assinado o mandado de prisão e autorizado também a busca e apreensão nos endereços do presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
A omissão repetiu-se em outros casos recentes. Na mesma quinta-feira (12/08), como relatou a revista eletrônica Conjur, o ministro Dias Toffoli também cobrou a PGR ao abrir prazo de cinco dias para manifestação sobre as acusações de Bolsonaro de fraudes nas eleições. Novamente, neste caso, os autos foram à PGR em 27/7/2021, retornando em 04/08/2021, com a ciência do procurador-geral, mas sem parecer.
“Considerando a alusão na inicial a crimes em que a Procuradoria-Geral da República atua como dominus litis e como custos legis, entendo imprescindível colher sua manifestação“, afirmou Toffoli.
Na ADI-6529, a Rede Sustentabilidade (Rede) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) recorreram ao STF questionando mudanças na legislação que ampliou o poder da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) em requisitar informações de outros órgãos de informação. Após decisão cautelar do plenário da corte, foi levado ao conhecimento da ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI, que a ABIN e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República produziram relatórios para auxiliar a defesa do senador Bolsonaro nas investigações em torno das rachadinhas, ocorridas quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. No entendimento da Rede, tais relatórios “mostram uma inequívoca confusão entre esferas pública e particular”.
Ao despachar, em 17 de dezembro de 2020, sobre as informações prestadas pela Rede, Cármen Lúcia destacou que naquele procedimento não havia como fazer provas sobre o relatado, mas lembrou que como juíza não poderia desconhecer os fatos. Então expôs:
“Como anotei antes, os fatos graves descritos impõem apuração para se for o caso, serem adotadas providências jurídicas. Não se pode desconhecer a seriedade do quadro descrito. Os fatos descritos precisam ser investigados e sobre eles há de se exigir conclusão dos órgãos competentes em sede jurídica própria. O Plenário deste Supremo Tribunal foi expresso ao afirmar que somente interesse público formalmente demonstrado pode constituir elemento legitimador do desempenho administrativo. Ficou cravado não ser admissível abuso de direito e desvio de finalidade, caracterizado pelo uso do espaço e dos órgãos e instrumentos públicos para atender interesses particulares.”
Em consequência, determinou que fosse oficiado “à Procuradoria-Geral da República para investigar os fatos descritos, os quais, pelo menos em tese, podem configurar atos penal e administrativamente relevantes (prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa)”. Deu à PGR prazo de 30 dias para comunicar ao Supremo “as ações efetivamente adotadas para a elucidação dos fatos”.
Aras, segundo novos relatos dos autores da ADI, quis pressionar o jornalista Guilherme Amado, da revista Época, autor das reportagens que noticiaram a utilização da ABIN e do GSI pela defesa de Flávio Bolsonaro. O jornalista, em abril de 2021, noticiou também o envolvimento da Secretaria da Receita Federal na defesa do senador pelo Rio de Janeiro. Segundo informou, o Secretário Especial da Receita, José Tostes Neto, se reuniu com os advogados de Flávio Bolsonaro. Tais fatos geraram nova informação ao Supremo por iniciativa da deputada Natália Bastos Bonavides (PT-RN), para quem ficava corroborada a “tese do uso da estrutura estatal para fins particulares”.
Esta nova Petição levou Aras alegar ao STF que “outras diligências ainda serão realizadas “. Isto fez com que os subprocuradores e o juiz federal que assinaram a Representação ao Conselho Superior do MPF advertissem:
“Como tudo apresentado, certamente as diligências consistiriam nos depoimentos do secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, e do senador Flavio Bolsonaro.
Faz-se inequívoco o retardo ilegal do Dr. Antônio Augusto Brandão Aras em assumir definitivo ato de ofício
É que, como está cristalino pelos próprios termos de sua Petição, a Deputada Federal Natália Bonavides a ele, Antônio Augusto Brandão Aras, peticionou, protocolando sua petição, aos 14 de abril do ano em curso.
Ora, por que o Dr. Antônio Augusto Brandão Aras, até hoje, passados quase 4 meses, nada fez?
Recorde-se que a Ministra Cármen Lúcia, em sua primeira decisão, deixou por bem expresso:
“… devendo ser comunicada a esse Supremo tribunal Federal, no prazo de 30 dias, sobre as ações efetivamente adotadas para a elucidação dos fatos“.
A decisão da ministra, recorde-se, foi dada de dezembro de 2020. Portanto, quando da apresentação da Representação ao CSMPF, já tinham decorridos ao menos oito meses, sem manifestação do PGR.
A Representação dos subprocuradores cita ainda a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, na Petição 8975/DF. Originalmente apresentada em 3 de julho de 2020 pelos senadores da Rede Sustentabilidade Randolph Rodrigues (AP) e Fabiano Contarato (ES) além dos deputados Alessandro Molon (PSB/RJ) e Joenia (Batista de Carvalho) Wapichana (Rede/RR) o pedido visava a abertura de Inquérito Policial para investigar possíveis crimes praticados pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A iniciativa acabou arquivada, em 5 de outubro do mesmo ano, a pedido da Procuradoria Geral da República.
Mas o caso foi reaberto, em maio deste ano, por solicitação do delegado da Polícia Federal Franco Perazzoni no bojo da Operação Akuanduba, montada a partir de informações repassadas por Bryan Landry, adido do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos da América (U.S Fish and Wildlife Service – FWS), órgão congênere ao IBAMA naquele país. A documentação, remetida à Polícia Federal pela embaixada dos Estados Unidos no Brasil, revelava o possível conluio entre agente(s) público(s) brasileiros e particulares no Brasil e nos EUA, com o intuito de legalizar madeiras brasileiras de origem ilegal retidas em portos americanos.
Junto à solicitação de reabertura do caso, o delegado propunha busca e apreensão contra o próprio ministro Ricardo Salles e outros seus parceiros no Meio Ambiente. Moraes acatou a tudo sem ouvir o Procurador-Geral Aras – só foi informado após terem sido consumadas as buscas – e ainda determinou o afastamento do presidente do Ibama, Eduardo Bim, e de mais 10 servidores dos órgãos federais envolvidos na questão.
O comportamento do ministro do STF foi uma demonstração clara na falta de confiança dele junto a Aras que já havia pedido o arquivamento do caso e não demonstrava ação contra as barbaridades cometidas por Salles – “vamos passar com a boiada” – e sua trupe. Havia o medo de o Procurador-Geral sentar-se em cima do pedido da polícia ou mesmo de informações sobre as buscas a serem efetivadas fossem vazadas.
Paralelamente, pelas mãos da ministra Cármen Lúcia corria a Petição nº 9595/DF de iniciativa do delegado federal Alexandre Silva Saraiva em desfavor do Ministro do Meio Ambiente Ricardo de Aquino Sales, do senador Telmário Mota e do presidente do IBAMA Eduardo Bin. Ela tinha o escopo de “demonstrar interferências indevidas pela prática, em tese, dos crimes previstos no artigo 69 da Lei 9605/98 (obstar ou dificultar a fiscalização ambiental), art. 321 do Código Penal (advocacia administrativa) e artigo 2º, § 1º da lei 12.850/2013 (impedir ou embaraçar a investigação de infração penal que envolva organização criminosa) no âmbito da Operação HANDROANTHUS – GLO (2020.00121686) da Polícia Federal, Superintendência Regional no Amazonas, responsável pela apreensão recorde de aproximadamente 200.000 m3 (duzentos mil metros cúbicos) de madeira em toras extraídas ilegalmente por organizações criminosas”.
Instada a se manifestar sobre a Petição, a Procuradoria Geral da República opinou favoravelmente à investigação criminal envolvendo o ministro Salles ao mesmo tempo que propôs o arquivamento do caso em relação ao senador Mota, por não ver, nas manifestações públicas dele a respeito, envolvimento maior no caso. No despacho da Procuradoria, porém, o Vice-Procurador-Geral omitiu-se com relação ao presidente do IBAMA, cujo envolvimento no fato era nítido e claro. Isto provocou certa “reprimenda” da ministra relatora, através de um novo ofício:
“Embora tal omissão não comprometa o exame e a decisão quanto aos demais noticiados, é certo que há de haver encaminhamento quanto a Eduardo Bin.
Pelo exposto, oficie-se a Procuradoria-Geral da República, com cópia do parecer protocolado em 31.5.2021 e da decisão que proferi em 2.6.2021, para que, com máxima urgência, manifeste-se sobre a condição processual de Eduardo Bin.”
Pressionada, a Procuradoria-Geral acabou inserindo Bin no mesmo inquérito (Inq. 4.871) proposto contra Salles. Posteriormente, com a demissão do ministro – o que acarretava no fim do fórum especial junto ao STF – a PGR sustentou junto à ministra, assim como a Moraes, o envio do inquérito de relatoria da ministra, bem como a Petição que tramitava sob o comando de Moraes para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que estava para decidir sobre uma disputa de competência entre a 4ª Vara da Seção Judiciária do Pará e a 7ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas em casos similares de crimes ambientais.
A ministra Cármen Lúcia atendeu à PGR, mas Moraes, passando por cima do que propôs o MPF e do conflito em andamento no TRF1, decidiu que o foro adequado para dar prosseguimento ao processo que ele relatava era Altamira, no Pará. Foi na região que aconteceu a maioria dos crimes relatados nas PETs 8.975 e 9703, por ele relatadas.
O terceiro fato que os peticionários acusam Aras e seu Vice-Procurador-Geral de omissão não lhes é novo. Fonteles, junto com os subprocuradores Ribeiro Costa, Braz Lucas e Gonçalves, assim como o juiz aposentado do TRF-4 Volkemer de Castilho, já tinham solicitado a Aras um processo criminal contra o presidente, tal como o BLOG anunciou em janeiro – Subprocuradores acusam Bolsonaro e encurralam Aras.
Como noticiado à época, eles consideravam que o presidente Bolsonaro cometeu o crime de disseminar a epidemia. Por isto, pediram que a PGR agisse, denunciando-o. Jamais foram atendidos. Na época, responsabilizaram o presidente por, conscientemente, ser o indutor da pandemia no Brasil, propagando-a: “Jair Bolsonaro sempre soube das consequências de suas condutas, mas resolveu correr o risco. O caso é de dolo, dolo eventual, e não culpa.” Pelo Código Penal, dolo é quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Mais uma vez a Representação foi tratada burocraticamente e terminou arquivada, sem maiores consequências.
Agora, os mesmos signatários de então insistem na omissão de Aras e Jacques Medeiros – a quem denominam como longa manus do PGR. Reclamam de a PGR nada ter feito diante da informação de que Bolsonaro prevaricou ao saber das pressões exercidas sobre o servidor Luís Ricardo Miranda, dentro do Ministério da Saúde, para que liberasse a importação de vacinas que não existiam. Com o pagamento antecipado da mesma, a uma empresa que não constava do contrato e que estava sediada em paraíso fiscal.
A denúncia dos irmãos Miranda – com Luís Ricardo estava o deputado Luís Claudio Miranda – ocorreu na 27ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. Três dias depois, os senadores Randolph Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru protocolaram no STF a Petição 9.760/DF cobrando a investigação do presidente por crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal). Na mesma data a ministra Rosa Weber, relatora do caso, cobrou uma manifestação da PGR.
Três dias depois, através do Vice-Procurador-Geral, o MPF posicionou-se contra o andamento do pedido, alegando ser necessário aguardar o fim da investigação da CPI para que houvesse uma manifestação da instituição. Foi o suficiente para receber um verdadeiro esculacho da ministra que, rejeitando o pedido de arquivamento do caso, exigiu, em termos duros, que a PGR reanalisasse o caso.
“De início, registro que o argumento “saltitante” não prospera. O objetivo da notícia de fato dirigida aos atores do sistema de justiça criminal é justamente o de levar ao conhecimento destes eventual prática delitiva (…) no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República (grifamos). Até porque a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito não inviabiliza a apuração simultânea dos mesmos fatos por outros atores investidos de concorrentes atribuições, dentre os quais as autoridades do sistema de justiça criminal”, lembrou Rosa Weber, reproduzindo decisões anteriores do próprio STF.
Ao Vice-Procurador-Geral – o longa manus do PGR – nada mais coube do que, em pouco menos de 24 horas após o despacho da ministra, concordar com a instauração de Inquérito (Inq / 4875). Na nova manifestação, Jacques de Medeiros não escondeu certa contrariedade ao decidir pela abertura da investigação:
“A despeito da dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação e da ausência de indícios que possam preencher o respectivo elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato, cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências.”
Respaldado nestes fatos é que surgiu a Representação ao Vice-Presidente do CSMPF. Nela, os seus os cinco signatários alegam que são “fatos claríssimos e bastantes”, e afirmam:
“Indicam que o Procurador-Geral da República, Antônio Augusto Brandão Aras por si próprio, ou por intermédio de pessoa de sua mais estreita confiança, o Vice-Procurador-Geral da República, Hamilton Jacques de Medeiros, vem, sistematicamente, deixando de praticar, ou retardando, a prática de atos funcionais para favorecer a pessoa do Presidente da República ou de pessoas que lhe estão no entorno de marcada confiança”.
A partir desta constatação é que eles solicitam a abertura de uma investigação no Conselho que poderá resultar em um processo penal contra Aras e seu Vice-Procurador-Geral.
O anúncio por Bonifácio de Andrada de que dará andamento à Representação cria certa expectativa em torno do caso, em especial diante do clima tenso existente no MPF por conta das críticas à atuação de Aras.
Clima que se tornou exposto quando os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) entraram também com Representação junto ao mesmo CSMPF pedindo investigação contra o Procurador-Geral, após ele ter de certa forma, em janeiro passado, apoiado o presidente Bolsonaro, quando este falou em provocar o Estado de Defesa, uma medida de excepcionalidade.
Na época, Aras, através de uma nota pública reverberou: “O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa“. Não bastasse, tentou aliviar a omissão de que vem sendo acusado, jogando a responsabilidade da fiscalização dos atos do presidente no Poder Legislativo: “Eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo.”
Apesar de Bonifácio de Andrada ter dado andamento à Representação dos senadores, Jacques de Medeiros avocou o caso para seu gabinete, colocou-o em sigilo, inclusive sem tornar público o despacho que deu. A discussão acabou sendo levada à Justiça, tendo Bonifácio Andrada impetrado um Mandado de Segurança na 4ª Vara Federal do Distrito Federal questionando as decisões de Jacques de Medeiros.
Tudo isso, no entendimento de membros do MPF ouvidos pelo BLOG, pesará na decisão do CSMPF. Principalmente por ali estarem subprocuradores com longo tempo de militância. A quase totalidade deles atua na instituição desde o início dos anos 90 e vivenciaram a grande transformação ocorrida após a Constituição de 1988. Alguns entendem que a gestão Aras está destruindo o que foi construído ao longo do tempo, a duras penas. A partir desta constatação, a expectativa é grande entre os membros do MPF que agora ficarão atentos aos próximos passos que o atual PGR dará nesta disputa interna que, para muitos, colocará em jogo o futuro da instituição.
Representação contra Aras no CSMPF
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1 Comentário
Muito boa matéria, quase um livro! Uma análise completa dessa importante ação dos ex procuradores contra a inércia criminosa do PGR Aras. O povo brasileiro já não suporta mais essa blindagem ao presidente, que está corroendo a democracia!