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Marcelo Auler

O lançamento oficial do Manifesto “Dois votos pela democracia” lotou a sala da Casa Oscar Niemeyer. Foto: Bernardo Guerreiro

O recado foi direto, embora o destinatário não estivesse presente. Mas todos os discursos ocorridos no sábado à noite na Casa Oscar Niemeyer, do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), no Beco do Pinheiro (Largo do Machado) acabaram, ainda que de forma involuntária, tendo um endereço certo: a direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

O velho e conhecido Partidão é o único capaz de possibilitar uma campanha conjunta das esquerdas para tentar evitar que a representatividade do Rio de Janeiro no Senado Federal, pelos próximos oito anos, caia nas mãos de um político adepto do fascismo e/ou de um representante do neoliberalismo que dá sustentação ao governo Temer.

No ato, com a sala lotada, lançou-se oficialmente o manifesto Dois votos pela democracia: Chico Alencar e Lindbergh Farias no Senado!, tornado público quatro dias antes, em 28 de agosto, como noticiamos em Chico Alencar & Lindbergh Farias: aliança forjada na marra. Nele, intelectuais e políticos, brasileiros e do exterior, além de artistas, profissionais liberais entre outros defendem o voto nos candidatos do PSOL e do PT ao Senado.

Dirigindo-se aos movimentos de esquerda no Rio, o sociólogo português Boaventura de Souza Campos alertou: “é necessário distinguir entre os que os separa e o que os une para se defenderem exatamente do ataque deslumbrado que está no horizonte neste ciclo reacionário global em que nos encontramos, na Europa, na América Latina, na África e na Ásia”. Relembrando o nazismo implantado na Alemanha, insistiu na necessidade de se buscar os pontos em comum e evitar que fascistas assumam o poder, como ocorreu com o nazismo:

“Temos que saber que Hitler não chegou ao poder por um golpe, subiu pela democracia. (…) Esse é um fator fundamental pelo qual eu penso que nós podemos nos unir, sem perder a causa, ultrapassando as diferenças, antes que seja tarde demais. Eu penso que não é tarde demais, no Brasil, agora. Mas pode ser tarde demais depois de 2018”.

Boaventura ainda recorreu ao exemplo de Portugal – único país que tem um governo de esquerda na Europa. Lá, deixando de lado velhas rivalidades, os partidos de esquerda se juntaram em torno das bandeiras que os uniam.

A direita estava unida e a esquerda não estava. A coligação de direita iria continuar a cobrar do país a produzir austeridade, as privatizações, atingir o sistema previdenciário, a destruição da legislação trabalhista (…) em meio a privatizar tudo aquilo que se pudesse privatizar.

Pois bem, as representações de esquerda resolveram unir-se (…) socialistas, comunistas e o bloco de esquerda. Fizemos um acordo que resultava, embora divergíssemos em muitas coisas, mas nos uníamos em outras. Aquilo que nos unia foram 21 pontos, reproduzidos por escrito em um acordo, exatamente para que nós pudéssemos organizar o governo“.

A campanha pelo voto nos dois candidatos  – “iniciativa cidadã autônoma”, como definiu o candidato Chico Alencar em carta encaminhada aos organizadores -, tem por objetivo evitar a eleição de Flávio Bolsonaro (PSL), filho de Jair Bolsonaro e considerado de tendência fascista como o pai, ou mesmo do ex-prefeito César Maia (DEM), apontado como neoliberal que dá sustentação ao governo golpista de Michel Temer.

O movimento, porém, encontra resistência nos aliados de Alencar uma vez que seu partido, em convenção, decidiu por uma aliança com o PCB. Os comunistas lançaram a professora Marta Barçante para a segunda vaga ao Senado pela coligação. Em nome do compromisso assumido com o Partidão, a direção psolista rejeita uma campanha conjunta com o candidato petista. Chico Alencar tende a respeitar a decisão partidária. Ainda assim, ao final de sua mensagem lida no ato conclamou:

“Vamos à luta!  Que os fascistas, fundamentalistas e reacionários não conquistem qualquer vaga de representação do RJ no Senado! E que coloquemos lá o(a)s do campo progressista”.

O compromisso do PSOL com o Partidão não impediu que algumas figuras proeminentes do partido aderissem à tese da necessidade de vencer o fascismo e o neoliberalismo, passando por cima do decidido na convenção. Ao ato de sábado compareceram José Luiz Fevereiro, da executiva nacional, Marcelo Biar, da executiva estadual e candidato a deputado estadual e o deputado federal Jean Wyllys, o primeiro a defender esta aliança dentro do partido.

No ato o multipartidarismo: Tarso Genro (PT), Jandira Feghali (PCdoB) Carol Proner (organizadora), o sociólogo português Boaventura de Souza Santos e José Luiz Fevereiro (PSOL). (Foto de Vitor Vogel).

Fevereiro, que tem 37 anos de militância em executivas partidárias, foi um dos fundadores do PT onde exerceu cargos importantes na executiva estadual até deixar o partido em 2003. Ao abandonar o PT, engajou-se na criação do PSOL, oficialmente fundado em 2005, com a participação de Chico Alencar, Heloísa Helena e outros dissidentes petistas.

Ao explicar sua posição no ato de sábado à noite, lembrou a importância do Senado, por onde passam votações relevantes na luta a favor dos trabalhadores:

Por lá passou o impeachment; por lá passou a PEC do teto dos gastos; por lá passou a reforma trabalhista. Por lá vão querer passar a reforma previdenciária. Não é o terreno onde nós podemos ou devemos nos dar ao luxo de disputar as nossas diferenças“.

Em seguida foi enfático ao expor os motivos que o levaram, pela primeira vez em quase quatro décadas de militância política, a descumprir a orientação do partido:

Eu prezo muito, como militante partidário que sou, a disciplina partidária. Mas ela não está acima da minha consciência e não está acima com o compromisso da luta de milhões de trabalhadores, cujos interesses vão estar em jogo em votações importantes no Senado, nos próximos oito anos (…) O terreno desta disputa (partidárias) são as eleições proporcionais e as majoritárias com dois turnos. A majoritária em turno único exige um compromisso de responsabilidade e de unidade para derrotar o golpe. É isso que se trata. É possível derrotar o candidato fascista e o outro candidato do ultra liberalismo. É possível, mas não é fácil. Se o pior acontecer, em setembro de 2025, cumprido os oito anos de mandato, se acontecer o pior, eu quero me olhar no espelho e dizer que em setembro de 2018 eu estive na trincheira daqueles que tentaram impedir que o desastre acontecesse. (muito aplaudido)… Isto é um compromisso de consciência. É um compromisso de consciência e um ato de responsabilidade”.

Jean Wyllys cumprimentando Marinete Franco, mãe de Marielle Franco que também aderiu à campanha (Foto|: Bernardo Guerreiro)

Na mesma linha de Fevereiro vai o posicionamento do deputado Jean Wyllys que, no ato, destacou até a possibilidade de estar colocando em jogo a sua reeleição ao parlamento – “mesmo que o meu mandato não se renove, não tem mandato que justifique capitular diante da ameaça da democracia”.

Para ele, é a democracia que está em jogo e o compromisso com a defesa dela justifica se colocar de lado oposto à orientação partidária:

“Por achar que a democracia tem que ser defendida (…) é que no primeiro dia oficial da campanha, também sem consultar o meu partido, declarei o voto em Lindbergh e Chico Alencar. Fiz isso porque eu tenho responsabilidade histórica. Há momentos na história que as identidades partidárias têm que ser colocadas de lado, têm que ser subsumidas por uma identidade maior que é a defesa da democracia, a defesa de todo um conceito.”

Curiosamente, a resistência vinda do PSOL e do Partidão pode acabar prejudicando Chico Alencar, um político experiente que tem muito a ajudar o Estado do Rio na chamada Câmara Alta. Conforme pesquisa divulgada nesta segunda-feira pelo site Poder 360, entre os quatro políticos a disputarem as duas cadeiras, ele é o que aparece com menor percentagem de votos como mostra a reportagem Flávio Bolsonaro e Cesar Maia lideram corrida para o Senado no Rio:

“A disputa pelas duas cadeiras do Rio de Janeiro ao Senado tem 4 candidatos embolados. O deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), filho mais velho do candidato ao Planalto Jair Bolsonaro (PSL), está numericamente na frente, com 19,7%. Mas dentro da margem de erro, empata com o 2º lugar, Cesar Maia (DEM), que tem 15,7%. Mas empatadas com o demista na disputa pela 2ª cadeira, aparecem Lindbergh Farias (PT), com 14,1%, e Chico Alencar (PSOL) com 11,3%. Como a margem de erro é de 2,5 pontos percentuais, os três estão empatados”.

Este resultado, por mais discutível que seja, mostra a importância da iniciativa de a esquerda no Rio caminhar junta, em uma disputa contra forças conservadoras e fascistas. Tarso Genro, ex-ministro da Justiça do governo Lula e ex-governador do Rio Grande do Sul pelo PT, velho defensor da união das esquerdas, também destacou os momentos difíceis pelo qual o país passará, para justificar a necessidade de candidatos experientes como Alencar e Lindbergh:

Temos políticos da importância, da seriedade e da responsabilidade de Chico Alencar e de Lindbergh Farias que se tornaram um exemplo para o Brasil. Nós vamos passar, ainda, por momentos muito difíceis, provavelmente violentos, até retomarmos o caminho do Estado de Direito, da Constituição de 88, da capacidade de implementar pelo Estado políticas de igualdade, contra o apoio ao projeto neoliberal que vem se expressando de maneira violenta e golpista no nosso país. Acho que este manifesto é um indicativo. Ele indica uma possibilidade e constitui uma resistência. Ele é um avanço notável e esse é o caminho que nós temos que percorrer no futuro”.

A importância da eleição foi ressaltada também pelo próprio candidato Lindbergh Farias. Ao final do ato, ao agradecer o apoio, ele ressaltou a necessidade de a esquerda caminhar junto. Após relembrar os retrocessos que o país assiste – aumento da taxa de mortalidade infantil e da mortalidade das parturientes; volta de parcela da população á condição de pobreza; desemprego de 13 milhões de trabalhadores e outros 14 milhões que desistiram de procurar vaga de trabalho; aumento dos preços dos combustíveis que levou 200 mil pessoas a voltarem a cozinha em fogão à lenha; etc. – ele destacou a importância da eleição:

Lindbergh: “Não é uma eleição qualquer. É uma eleição para interromper o golpe.” (Foto: João Ricardo Dornelles)

Não é uma eleição qualquer. É uma eleição para interromper o golpe. Quem não entendeu o que está acontecendo nessa eleição fica achando que é uma eleição como qualquer outra. Quem está pensando que a gente está indo para as ruas pedir voto para o deputado A ou o deputado B, não está entendendo nada (…) Eu, sinceramente, pelo que estou sentindo no meio do povo, acho que nós temos condições de derrotar o golpe neste processo eleitoral. Temos todas as condições.

Também admitiu que a vitória do conservadorismo no Rio de Janeiro poderá influenciar para umas escalada do autoritarismo no país:

Para o Senado Federal você tem Cesar Maia que é o candidato desta política ultra neoliberal do governo Temer. Ele está associado a isso. E temos o candidato Flávio Bolsonaro, que é filho do Jair Bolsonaro, que é o candidato do fascismo. A gente não pode descartar nenhuma possibilidade aqui no Brasil. Não podemos descartar uma escalada mais autoritária. A gente sabe que a nossa democracia está sendo atacada. Eu não descarto nada. De mais autoritarismo, de mais força, de rasgarem qualquer vestígio da democracia para impor as suas políticas neoliberais. O Bolsonaro é um fascista neoliberal, ultraliberal. É um fascista do Paulo Guedes“.

Contudo, a partir da experiência do contato direto com os eleitores, ele diz ser possível eleger no Rio de Janeiro dois candidatos da esquerda – ele e Chico Alencar.

Desde o começo eu disse que acredito que eu e o Chico Alencar podemos vencer esta eleição no Rio de Janeiro. Por vários motivos. Primeiro, a fragmentação no campo conservador é gigantesca. Eles têm Flavio Bolsonaro, César Maia, Aspásia Camargo, têm quatro candidatos evangélicos, eles estão muito divididos. Quero dizer a vocês aqui, é possível sim eleger dois senadores no campo de esquerda. O que a gente não pode fazer é dispersar esse voto. Essa é uma eleição diferente. São dois votos“.

Por fim, criticou as parcelas da militância dos dois partidos que relutam em apoiar a dupla nas urnas eletrônicas. Classificou como burra a opção de votar apenas no candidato do partido, dispersando os votos do campo à esquerda, mais progressista:

Vejo muito nas redes sociais que tem gente do PSOL e gente do PT que diz, “olha, Chico e Lindbergh estão disputando, então vou votar em Lindbergh e não vou dar o segundo voto em Chico”.  Também tem quem queira dar o voto para o Chico e não dar o segundo voto para o PT. Sinceramente, esta postura é burra. Ela está dispersando o voto de esquerda. Esta é uma postura que pode tirar nossas vagas. Quero, de alto e bom som, na frente de vocês todos, dizer que é claro que eu vou votar em mim para senador e vou votar em Chico Alencar para senador. Quero convidar ele para a gente ir para a Baixada Fluminense, para Nova Iguaçu, para andarmos juntos“.

O nó da questão está na candidatura da professora Marta Barçante pelo PCB. Após a convenção, oficialmente o PSOL não pode descartá-la. Seria traição. E contra isso está se posicionando a cúpula partidária e o próprio candidato ao governo do Estado, Tarcísio Motta. Resta, porém, ao velho Partidão, pragmaticamente perceber o risco que o Rio corre ao insistir na candidatura que não deu sinais de obter nas urnas os votos necessários para eleger uma professora comunista conceituada, mas ainda desconhecida dos eleitores. A desistência em nome da união das esquerdas pode acabar rendendo mais dividendos ao partido do que a presença na eleição para marcar posição.

 

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4 Comentários

  1. Meu nome é Luciana Crespo, sou jornalista e Marcelo Auler me conhece há quase 30 anos. Nunca escondi minha militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB) em que milito há mais tempo ainda. O que me engasga neste texto absolutamente hipócrita é que, há exatamente 30 anos atrás, quando iríamos promulgar uma carta de direitos das mais avançadas do planeta, o PT disse não, porque aparentemente não decretava o socialismo. Foi questão fechada para o PT, que expulsou os poucos deputados de sua sigla que tinham a ideia de que era melhor uma constituição largamente baseada na doutrina dos direitos humanos, por exemplo, Beth Mendes

    • C.Poivre disse:

      Como vc bem disse, há 30 anos atrás. Cheira a ressentimento ou vingança.

    • Francisco de Assis disse:

      Cara Luciana, existe pelo menos um equívoco no seu comentário. Bete Mendes foi expulsa do PT por votar, contra a decisão do partido. em Tancredo Neves no último colégio eleitoral da ditadura. Isto aconteceu em 15 de janeiro de 1985. A constituição, a que você se refere, foi promulgada em outubro de 1988, quase 4 anos após, e, nessa ocasião, Bete Mendes era deputada federal pelo PMDB, eleita em 1987, com todos os méritos. Abs.

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