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Marcelo Auler

A juíza Diele Denardin Zydek teve seus 15 minutos de fama ao tentar impedir o acesso de milutantes a Curitiba, em maio de 2017. (Foto: reprodução Diário do Centro do Mundo)

A curta memória nacional não é capaz de relembrar da juíza Diele Denardin Zydek. Há menos de um ano ela ganhou seus dez minutos de fama. Foi em 8 de maio de 2017 ao, em uma decisão estapafúrdia, tentar impedir qualquer acampamento em Curitiba entre os dias 8 e 10 de maio.

Tudo por conta do depoimento que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestaria ao juiz Sérgio Moro. Pretendeu evitar a chegada dos manifestantes que foram à capital paranaense em apoio ao ex-presidente.

No dia em que atendeu ao pedido da prefeitura de Curitiba, já tendo à frente o prefeito Rafael Greca (PMN), Diele virou notícia no Brasil e no exterior. Mas sua fama durou pouco. Sua autoridade menos ainda.

Afinal, o seu “interdito proibitório” se tornou letra morta. As próprias autoridades de segurança do Estado e do município acabaram concordando que proibir não era o caminho, mas sim, negociar. E a negociação mostrou-se um sucesso.

As caravanas chegaram à capital paranaense – ainda que não tenham sido os 50 mil que ela alardeou – e um grande acampamento foi montado no centro da cidade. Na época, registramos os fatos em postagens como Lula em Curitiba: monta-se um ringue;  Lula em Curitiba: apesar da juíza, venceu o bom senso! e Curitiba: vão-se os manifestantes, ficam os rojões.

O Acampamento da Democracia. que a juíza quis impedir, ficou em terreno nos fundos da Rodoferroviária no centro de Curitiba. (Foto: Joka Madruga – Brasil de Fato)

Em Curitiba, naquele mês de maio, a prefeitura comandada por Greca pintou horrores em torno das manifestações de apoio a Lula e repúdio às atitudes do juiz Sérgio Moro.

Foi Moro quem exigiu a presença do réu evitando um depoimento que poderia ser por vídeo conferência. Fizeram tempestade com copo d’água.

As manifestações foram quase que pacíficas. Demonstraram a força de Lula. O que deixou de ser pacífico na concentração de maio de 2017, mas não gerou interesse por parte das autoridades, foram os disparos de rojões, na madrugada, contra o acampamento.

Como não pôde ser creditado à esquerda nem aos movimentos sociais, ficou por isso mesmo, muito embora tenha deixado ferido um dos militantes do MST – o pedagogo M.D, de 30 anos, da região de Guaíra (Noroeste do Paraná).

A manifestação dessa massa de gente, de forma ordeira, certamente, contrariou Moro. Tanto que em um segundo depoimento (setembro de 2017) ele queria usar a vídeo conferência negada na primeira oportunidade.

Aí foi a defesa do ex-presidente que exigiu um interrogatório presencial. E novas manifestações de apoio ao ex-presidente voltaram a ocorrer, ainda que cm uma mobilização menor. Na época, em entrevista ao Blog –Gilberto Carvalho: “eleições sem Lula, vai ter guerra” -, o ex-secretário-geral da Presidência da República no governo Lula e assessor da presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, definiu a motivação do apoio popular a Lula:

“Desde as 08h00 da manhã tinha gente se concentrando, de maneira disciplinada, na Justiça Federal. (…)  Estavam dando um conforto, dando um apoio ao Lula, dizendo que acreditam na verdade dele, na inocência dele e dando uma energia muito boa para ele encarar o Moro, na expectativa de que em algum momento se faça Justiça”.

O direito de ir e vir – Atualmente é o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan (PSDB), na busca de seus poucos minutos de fama, quem tenta impedir a presença de manifestantes na semana de 21 a 27 de janeiro, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) julgará o recurso da defesa de Lula à condenação imposta por Moro. Quer impedir o acesso dos militantes à cidade, alegando que colocarão em risco os moradores da mesma.

Nelson Marchezan Jr. ainda é capaz de recorrer à Justiça em busca ds seus quinze minutos de fama (Foto: Pedro França/Agência Senado)

Depois de não ter conseguido  respaldo no não menos estapafúrdio pedido de auxílio às Forças Armadas, Marchezan, na busca dos minutos de fama, possivelmente ainda recorrerá à Justiça, tal como Greca fez. Ganhará novas manchetes de jornais. Para resultado nenhum.

Na verdade, ele foge à sua responsabilidade como chefe do executivo de uma cidade. Deveria ter consciência – se é que não tem – que não pode impedir o acesso de nenhuma pessoa a Porto Alegre. Queira ou não.

Afinal, o ir e vir dos cidadãos ainda é um direito constitucional. Por mais que tenham rasgado nos últimos anos a Constituição e anulado muito do que ela prega, isso permanece valendo.

Um direito mais forte do que aquele que foi defendido, na segunda-feira (08/01), pelo presidente do TRF-4, aquele que  não escondeu sua parcialidade no caso, desembargador Carlos Eduardo Thompson.

Ele próprio, em agosto passado, demonstrando uma indevida parcialidade, elogiou a sentença em entrevista a Estadão: ‘Sentença que condenou Lula vai entrar para a história’, diz presidente do TRF-4. Desta vez garantiu à sua chefe de gabinete Daniela Tagliari Kreling Lau o direito de defender a prisão do ex-presidente em redes sociais.

Sem dúvida que é um direito constitucional dela a livre manifestação de pensamento. Mas, certamente, muitos juízes e desembargadores iriam considerar inapropriado tal gesto de um servidor da Justiça. Imaginemos, por exemplo, se fosse o inverso: ela se declarasse a favor da absolvição. Qual seria a reação de Thompson que, apressadamente, saiu em defesa da sentença de Moro, criticadas por centenas de juristas?

Se a servidora da Justiça que deveria guardar algum recato deve ter seu direito constitucional garantido, mais ainda deve ser respeitado o direito constitucional de os manifestantes irem a Porto Alegre apoiar Lula e repudiar um julgamento que tem sido visto como jogo de carta marcadas.

Aliás, como adiantou o JornalGGN, o TRF-4 também tenta esvaziar o movimento de apoio a Lula, mas não impedi-lo. Em Para esvaziar apoio a Lula, TRF4 avisa que ele não será preso imediatamente, o JornalGGN mostra que  o TRF-4 afastou a possibilidade de emitir mandado de prisão contra Lula no dia do julgamento do recurso. Esperará  os recursos que são possíveis na decisão que for tomada.

Quatro Artesãs da Resistência – no total 20 pessoas ajudaram – confeccionaram manualmente a faixa com 40 metros, tendo letras de 1 metro de tamanho, exposta nesta segunda-feira (08/01) na porta do TRF-4.

Objetivo: impedir a candidatura – Logo, ao prefeito Marchezan não cabe tentar impedir, mas organizar as manifestações. Pode sim, como ocorreu em Curitiba, até limitar a circulação do trânsito e mesmo de transeuntes. Porém, deve fazê-lo negociadamente.

Porto Alegre, muito antes de ter um tucano na prefeitura, sempre se mostrou excelente anfitriã nos muitos Fóruns Sociais que acolheu. A cidade só ganhou com eles.

Mais do que no dia em que Moro insistiu em ouvir pessoalmente Lula, o julgamento no TRF-4 atrairá manifestantes. Sinal disso foi a faixa estendida nesta segunda-feira na porta do TRF-4, 16 dias antes do julgamento.

Não serão apenas os militantes do PT. Mas muitos que se opõem a este caso típico de perseguição. Perseguição que cada vez fica mais clara, como bem definiu na segunda-feira (08/01) Ricardo Kotscho, no Balaiodokotscho, onde postou o artigo Justiça seletiva fura fila para apressar condenação de Lula. Nele, cuja leitura é fundamental, Kotscho expõe:

“A exemplo do que aconteceu no processo para derrubar Dilma Rousseff, será dito que “tudo foi feito dentro da lei, respeitando a Constituição e o Estado de Direito”.

A esta altura, ninguém mais se pergunta, a não ser a defesa do ex-presidente, se há ou não provas para justificar a condenação de Lula em segunda instância.

As provas tornaram-se apenas um detalhe na condenação anunciada desde o ano passado quando Sergio Moro interrogou Lula em Curitiba“.

Tudo é tão fora do padrão nesse processo que não há dúvidas de que o objetivo é impedir a candidatura de Lula. Mas o mundo está vendo!

O próprio PT tem demonstrado preocupação em não aceitar provocações que possibilitem atritos. Mas, ainda assim, arma-se para apoiar seus militantes e os demais manifestantes, como noticiou o Painel da Folha desta terça-feira.

Segundo Daniela Lima, editora do Painel, o partido escalou uma comitiva de advogados para dar respaldo à militância que acompanhará o julgamento de Lula pelo TRF-4, em Porto Alegre. Ficarão de prontidão para oferecer suporte jurídico no caso de confrontos ou prisões. Diz ainda a nota:

“As cúpulas do PT e dos movimentos de esquerda têm feito apelos para que os atos sejam pacíficos, mas admitem que o clima de revolta pode tornar a massa incontrolável. Sedes do Poder Judiciário e de meios de comunicação são vistos como potenciais alvos de ataques”.

O livro que comenta a sentença que condenou Lula ganhou uma versão em inglês; a Enciclopédia do Golpe será relançada em Porto Alegre.

Personagens mundiais atentas – Como lembrou Kotscho, não serão apenas os brasileiros que estarão de olho no que acontecerá em Porto Alegre. O evento atrairá personalidades internacionais. Afinal, a discutível sentença de Moro tem sido motivo de debates internacionais.

Tanto assim que o livro no qual ela é comentada – e duramente criticada – por mais de 100 juristas, “Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula , acaba de ganhar uma edição internacional em e-book: “Comments on a notorious verdict: The trial of Lula“.

Em Porto Alegre haverá o relançamento da versão em português impressa.

Também em Porto Alegre haverá um novo lançamento da Enciclopédia do Golpe, Volume 1, livro que reúne 23 verbetes e um posfácio, escritos por autores diferentes. Eles, ao longo de 288 páginas, analisam o golpe que derrubou o governo eleito de Dilma Rousseff para colocar uma corja no seu lugar. Também avançam sobre algumas das consequências que o golpe gerou, como demonstramos em Enciclopédia do Golpe: o ataque à democracia em 23 verbetes e em Enciclopédia do Golpe: PF e o viés político na Lava Jato.

O interesse internacional pela própria situação do Lula é bem maior. Basta ver as adesões ao manifesto Eleição sem Lula é fraude, já apoiado por mais de 150 mil pessoas (151.384 na manhã desta terça-feira, 09/01).

Ao abaixo assinado aderiram, entre outros, os ex-presidentes Cristina Kirchner (Argentina), Pepe Mujica (Uruguai), Ernesto Samper (Colômbia), Rafael Correa (Equador); o historiador inglês Peter Burke; o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos; a escritora portuguesa e presidenta da Fundação José Saramago, Pilar del Rio; o linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky; o prêmio Nobel (1980) da Paz Adolfo Pérez Esquivel; o ex-ministro das Finanças da Grécia Yánis Varoufákis; de Richard Falk (Enviado Especial da ONU para direitos humanos nos territórios árabes ocupados) e do cineasta grego Costa Gavras.

A carta ganhou a assinatura de figuras reconhecidas no Brasil, com a adesão do teólogo Leonardo Boff, do compositor Chico Buarque, do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da sambista Beth Carvalho, das atrizes Bete Mendes, Silvia Buarque e Soraya Ravenle, do cartunista Renato Aroeira, dos cineastas Silvio Tendler e Walter Lima Júnior, do artista plástico Ernesto Neto.

Como lembrou nesta terça-feira o ex-chanceler Celso Amorim, em frase publicada no Painel da Folha,

“Tudo é tão fora do padrão nesse processo que não há dúvidas de que o objetivo é impedir a candidatura de Lula. Mas o mundo está vendo!”

Fica então a questão? Marchezan Junior conseguirá barrar esta onda? Permanecerá disposto a criar um ringue em Porto Alegre, que sempre foi acolhedora, notadamente nos meses de janeiro quando dos fóruns sociais? Difícil crer.

 

 

 

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2 Comentários

  1. Regina Maria de Souza disse:

    Estive em Curitiba em 10 de maio de 2017, depois de ter de trocar o voo comprado para o dia 3. Passei a manhã e a tarde na praça da UFPR, onde havia poucos dias professores tinham sido espancados. Saí quando Lula chegou ao palanque, com Gleisi, Lindberg, Stédile, Gilberto Carvalho, entre outros que conheço menos – uma tarde de cantos, discursos, chuviscos, palmas, vez ou outra notícias do depoimento. Tinha que voltar para casa. Consegui um táxi que me permitiu entrar com camiseta de apoio a Lula. Não era lulista mas era civilizado. Conversamos bastante sobre a manifestação, sobre a adoração de Curitiba a Moro, sobre as minhas críticas à lavajato: delação premiada – hoje nos disse Tacla-Durán, delação negociada.
    Volto a Porto Alegre agora, com a mesma certeza de que é importante estar lá; dizer que não há contencioso, que o Estado não tem prova de que tenha sido lesado pelo presidente, portanto o MPF apresentou denúncia inepta; que a sentença são mil páginas de convicções ideologizadas, falaciosas, que querem concluir-se no voto arrogante da ministra Rosa Weber a José Dirceu: vou condená-lo não porque tenha provas mas porque a literatura me permite. Pretendo fazer a vigília, cantar, bater palmas, acompanhar as informações do tribunal, dar uma chance a que a 8ª turma do TRF4 aplique a lei e faça a Justiça. Ringue?, na minha idade?, não.

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