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Marcelo Auler

Pressionado, o governo de Jair Bolsonaro novamente recuou. Ou fugiu, como bem definiu Janio de Freitas, em sua coluna dominical. Na sexta-feira (04/12), o Diário Oficial da União publicou Aviso de Revogação do Edital do Pregão Eletrônico 39/2019, lançado oito dias antes.

Trata-se da licitação que pretendia adquirir assinaturas de jornais e revistas, nacionais e internacionais, na qual, por questões meramente pessoais, o presidente determinou a exclusão do jornal Folha de S.Paulo, indiscutivelmente o de maior circulação nacional.

Em menos de um ano de governo foram dezenas de recuos. Com já se tornou habitual, o governo que não respeita o Estado Democrático de Direito, tenta, de uma forma ou de outra, impor suas vontades ditatoriais. Buscou, portanto, retirar a Folha de um pregão eletrônico, na tentativa de pressioná-la economicamente para abandonar sua linha editorial e fazer aquilo que “seu mestre deseja”. Uma nova forma de censura, embora no caso de efeito altamente duvidoso.

Tais recuos, porém, demonstram que a sociedade, ainda que nem sempre organizada, vem resistindo, de uma forma ou de outra, aos destemperos e despropósitos do governo bolsonarista.

Resistência à perseguição política:

Contra o edital que excluía a Folha de S.Paulo por mera idiossincrasia do presidente com a linha editorial do jornal, a resistência, por meio de protestos, partiu de diversas entidades e, no concreto, do PCdoB e da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, através de seu presidente, Paulo Jerônimo de Sousa. Ambos ingressaram com Ações Populares na Justiça Federal pedindo a revogação do ato por ser ilegal, ferir a Constituição. A ação proposta pela ABI foi noticiada no seu site. Como Janio de Freitas expôs, a provável derrota no judiciário fez o governo fugir.

Na ação que o escritório Souza Neto e Tartarini Advogados, de Brasília, moveu em nome do presidente da ABI, foi pedida a revogação deste edital uma vez que ele “apresenta claros contornos de desvio de finalidade e de burla à liberdade de expressão”.

Iniciativas como estas – nem sempre divulgadas pela mídia corporativa como deveriam – é que demonstram a resistência da sociedade, mesmo que venha ocorrendo de forma isolada, ainda sem uma maior coordenação. Mas não deixam de ser formas de resistência. Que, em muitos casos, surtem resultados concretos.

Resistência à nomeações indevidas:

Como no caso do juiz Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará. Ele, a partir da iniciativa individual do advogado Helio de Sousa Costa, suspendeu a nomeação irracional de um negro racista – Sérgio Nascimento de Camargo – para a presidência da Fundação Palmares, entidade que tem por finalidade defender a cultura dos negros, logo, combater também o racismo.

Mas a resistência não têm sido apenas às medidas tresloucadas que o governo Bolsonaro vem tentando impor ao país. Medidas autoritárias estão acontecendo de diversas formas, pelos mais diferentes agentes públicos, que se sentem incentivados pelo discurso rancoroso do presidente do país. Mas não apenas por ele.

Estão ainda vivas as recordações de todo o proselitismo político da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba, que a pretexto de combater a “corrupção” travou uma implacável perseguição aos governos petistas, notadamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado sem provas e apenas por “convicções” em dois processos. O que o levou à condição de preso político por 580 dias, ao mesmo tempo em que incentivou o ódio em especial aos petistas, mas de forma geral à classe política. Hoje, como revela o DataFolha, a libertação de Lula é aplaudida por mais da metade da população.

O exemplo lavajatista, que contou com apoio maciço da mídia corporativa e com a omissão dos tribunais superiores com receio da reação da chamada “opinião publicada”, fez escola. A partir de então, nos últimos anos, medidas autoritárias e fascistas se reproduziram em diversas regiões, provocadas pelos mais diversos atores políticos e/ou públicos. Porém, encontram resistência.

Os brigadistas de Alter do Chão (Da esq. p/ dir.) Marcelo Cwerver, Gustavo Fernandes, João Romano e Daniel Gutierrez, foram soltos graças à reação da sociedade contra a prisão. (Foto: reprodução redes sociais)

Resistência ao arbítrio judicial:

Como a prisão de quatro brigadistas de Alter do Chão (PA), em uma ação comandada por um policial possivelmente envolvido com invasores de terra (Alter: Fogo foi para vender lotes que têm ‘policial por trás’, diz prefeito) e em um processo presidido por um juiz cuja família é ligada às madeireiras (Juiz do caso dos brigadistas é de família de madeireiros e já criticou ação de ONG).

O autoritarismo, no caso dos brigadistas, se refletiu ainda quando, após a reação da sociedade de diversas formas, o juiz se viu obrigado a voltar atrás na prisão – injustificada – que tinha decretado 48hs antes. No despacho em que reviu a decisão, Alexandre Rizzi fez constar que a libertação não significava “qualquer juízo de absolvição dos acusados”.

Uma demonstração evidente de que, embora magistrado que devesse ser imparcial, ele não admite a presunção de inocência e inverte a ordem dos fatos: os acusados é que provem a inocência. De qualquer forma, foi a pressão social que levou à imediata revisão da prisão injustificada.

 

O mesmo autoritarismo vem sendo incentivado pelos recém-eleitos governandores, notadamente do Rio de Janeiro e de São Paulo, o que leva policiais militares a agirem em comunidades carentes – favelas – sem o menor respeito às leis e aos cidadãos que ali residem. Mesmo sem que tenha sido aprovado a famigerada lei da excludente de licitude ou, em outras palavras, licença para matar, agem como se estivessem acima da lei.

Cenas que se repetem diariamente, sem quaisquer controles e, menos ainda, punições, que acabam por gerar carnificinas como a de Paraisópolis. Um repeteco de muitas outras investidas policiais contra negros e pobres, na sua maioria jovens. A impunidade lhes serve de habeas corpus antecipado.

Algo gritante, mas que no entendimento dos autoritários trasvestidos de democratas, como Sérgio Moro, é descrito apenas como “‘aparentemente’ um erro operacional grave“, tal como noticiado pelo Brasil247. Já no entendimento de humanistas como Rosiska Darcy de Oliveira isto deve ser visto sim como “impunidade que autoriza a reincidência”, tal e qual ela expressou nessa segunda-feira (09/12) na sua crônica – Não é justo -, em O Globo.

Resistência à poítica genocida

Contra essa política genocida que está sendo praticada em cidades grandes, em especial no Rio (em muito maior amplitude) e em São Paulo, há que haver resistência. Ideal que ela viesse de forma conjunta. Mas tem surgido de formas isoladas. Como a Ação proposta pelo advogado Daniel Sarmento junto ao Supremo Tribunal Federal em nome do PSB, gerando uma cobrança de informações do ministro Edson Fachin (Fachin pede esclarecimentos a Witzel sobre segurança pública no Rio). Ou a iniciativa de Luís Nassif, do JornalGGN.

Ao ser intimidado pela polícia carioca diante de uma representação sem justificativas feita pelo governador Wilson Witzel, Nassif não se curvou. Representou contra o ato indevido de intimidação via intimação junto à Procuradoria Geral da República, como ele próprio noticiou em PGR acata representação de Nassif contra governador do Rio.

Uma iniciativa que encontrou respaldo e gerou nova representação contra o governador junto ao STJ, prontamente acolhida, como noticiou a revista eletrônica Conjur em STJ acolhe representação contra Witzel por ameaça ao jornalista Luís Nassif. Bem ou mal, o governador pensará duas vezes antes de tentar intimidar novamente jornalistas, ou qualquer outro cidadão que lhe critique. Foi, sem dúvida, mais uma reação ao autoritarismo.

Resistência à censura judicial

Há casos espalhados no dia-a-dia que nem sempre ganham o destaque que deveria. Como a decisão do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Edson Vasconcellos. Com uma canetada, ele decretou censura ao Portal Eu Rio, atendendo à reclamação do médico Francesco Mazzarone, administrador da equipe do Instituto Ivo Pitanguy e Centro de Cirurgia Plástica ICP RIO.

Tudo por conta de uma série de reportagens denunciando possíveis erros médicos ali cometidos. A decisão do desembargador foi tomada sem sequer ouvir a outra parte e sem levar em consideração que a repórter, antes de divulgar as matérias dando voz às mulheres indefesas, tentou ouvir os médicos que se recusaram a falar.

O que o desembargador fez se encaixa naquilo que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, vem prevendo em seus votos. Consta, por exemplo, do que ele proferiu, em abril passado, contra a censura imposta ao site da Rádio JovemPan. Ali ele diz que magistrados estão assumindo o papel de censores.

A censura imposta pelo desembargador do TJ-RJ prontamente gerou reação da ABI, como narrado em Desembargador censura portal e ABI reage com ação.

O curioso desse caso é que antes de o desembargador se manifestar de forma autoritária, impondo a censura que o Supremo já disse não caber, uma juíza de primeiro grau, Maria Cecilia Pinto Goncalves, da 52ª Vara Cível, rejeitou o pedido ajuizado pelo médico (leia a íntegra da decisão aqui). Na sua decisão ela fez constar o que parece não ter sido percebido pelo desembargador:

Os fatos narrados foram divulgados pelo réu, não tendo sido emitido juízo de valor, tendo sido entrevistadas inúmeras pacientes, que se limitaram a relatar as experiências vividas, conforme verificado junto aos links apontados pelo autor”.

A juíza respeitou um trabalho jornalístico que deu voz a pacientes que até então reclamavam em vão dos possíveis erros médicos nos procedimentos a que se submeteram. A mesma percepção faltou ao desembargador que, sem analisar o trabalho feito, simplesmente decretou a censura.

Uma censura que ameaça com constância não apenas jornalistas e meios de comunicação no país inteiro, mas a população, na medida em que impede o conhecimento de informações, sejam elas quais forem. Quando juízes de primeira e segunda instância decreta a censura em desrespeito à Constituição, fere um direito do cidadão de ser informado.

Censura que tem se tornado rotineira por parte de alguns juízos, ainda que em desrespeito à Constituição. Imposições que nem sempre são noticiadas pela própria mídia, alvo de tais perseguições.

No caso em que a ABI interviu – em um iniciativa pioneira – a chamada grande imprensa omitiu-se também, com exceção apenas da Folha de S.Paulo – em Tribunal de Justiça manda remover reportagens de site no Rio, e ABI aponta censura e na Conjur –  Desembargador mandar tirar reportagens do ar; jornalistas apontam censura.

Como se constata, a mídia corporativa omite-se, na sua maioria, omite-se quando direitos que lhe são caros, como da Liberdade de Imprensa, são atingidos. Não percebe que o combate a este autoritarismo precisa ser constante para não prosperar. Deixam, por motivos diversos, de discutir abertamente a decisão judicial mesmo quando elas atropelam a Constituição e as decisões da mais alta corte do país.

Reclama-se muito que a sociedade anda apática. Provavelmente por conta das inevitáveis comparações com manifestações volumosas que ocorrem e ocorreram não apenas em outros países da América Latina, mas também da Europa, na defesa de direitos ameaçados.

Resistência em defesa da soberania

É verdade que brasileiros ainda não despertaram para manifestações volumosas, como na época das Diretas Já, ou mesmo no período do impeachment de Fernando Collor, para ficarmos em dois exemplos nos quais majoritariamente a sociedade tinha bandeira única.

Há, porém, movimentos acontecendo ou surgindo quando aparecem as ameaças concretas a direitos e às liberdades. Ainda que de formas isoladas, tais como as reações aos casos narrados acima, tornam-se sim resposta e enfrentamentos aos atos autoritários, que ferem o Estado Democrático de Direito.

Foi para reinserir a ABI na luta em defesa pelo Estado Democrático de Direito – na qual se insere a bandeira de Liberdade de Expressão – que um grupo de jornalistas se empenhou, desde o início do ano, na campanha eleitoral da centenária Casa do Jornalista. Uma árdua batalha, pois quem estava lá não queria se convencer de que já não contava com o apoio da maioria dos sócios.

Vencido o pleito, ao longo desses cinco meses, e paralelamente à administração da Casa que nos foi deixada repleta de problemas, principalmente financeiros, essa nova diretoria vem desfraldando as velhas bandeiras da instituição. Tenta assim não apenas retomar seu passado de luta, mas contribuir para organizar a sociedade na defesa dos seus direitos.

Nesta política de ajudar a organizar a resistência se insere o próximo passo da instituição que nos últimos dois meses vem aglutinando outras entidades representativas da sociedade (*), bem como personalidades diversas, para levantarem a bandeira em defesa da soberania nacional e, em especial, da Petrobras.

Será o primeiro ato de criação da primeira de várias “Frentes Estaduais em Defesa da Petrobras, da Soberania Nacional e do Desenvolvimento”. Uma tentativa de aglutinar aqueles que são contra a entrega das nossas riquezas, tal como a política neoliberal deste governo vem praticando.  Busca-se, guardada as devidas proporções, se repetir a tradicional e vitoriosa campanha “O Petróleo É Nosso”, que a mesma ABI ajudou a protagonizar na década de 50, quando se conseguiu a criação da Petrobras, ora ameaça.

Mais uma forma de resistência que se desenha, em favor da democracia. Mais uma forma de luta, pelas nossas riquezas e pelo nosso desenvolvimento. Até porque, todos sabemos, em nome da democracia, resistir é preciso. E possível.

(*) Participarão do lançamento de Frente Estadual em Defesa da Petrobras, da Soberania Nacional e do Desenvolvimento: A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),  Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), Central Única dos Trabalhadores (CUT),  Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Federação Interestadual de Sindicato de Engenheiros (Fisenge), Conselho Regional de engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (CREA-RJ), Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), Federação Única dos Petroleiros (FUP),  Federação Nacional do petróleo (FNP), a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Frente Parlamentar,  Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge)

Partidos políticos: PDT, PSB, PC do B, PT, PSOL, PV, PCO e Rede.

Movimentos sociais: Movimento Popular por Moradia, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Juventude: Os jovens estarão representados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), União Nacional dos Estudantes do Rio de Janeiro (UEE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Associação Municipal dos Estudantes (UBES).

Personalidades:  ex-ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral; engenheiro e ex-vice-presidente do BNDES, Darc Costa; ex-senador Saturnino Braga; ex-presidente da Eletrobrás Pingueli Rosa;  geólogo e ex-diretor da Petrobras Guilherme Estrela; ex-deputado federal Vivaldo Barbosa;  ex-deputado federal Lindberg Farias;  ex-diretor  da Petrobras e  diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, Ildo Sauer; membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile.

 

 

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1 Comentário

  1. Antonio José Ribeiro Dias disse:

    Marcelo, como sempre, botando os pingos nos i’s!

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