Marcelo Auler
Editado: às 22h28 do dia 12/12/2015 para correção.
Não foi a presença do Agente de Polícia Federal (APF), Newton Ishii, conhecido como o “japonês bonzinho” que fez muita gente ficar apreensiva com a ida do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, à Curitiba, na última terça-feira (08/12).
A questão é que, na viagem ao Paraná para discutir um conflito agrário – a disputa por terra entre colonos do MST e a Madeireira Araupel S/A, nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu, sudoeste do estado – o principal encontro de Cardozo naquela manhã deu-se no quartel general da 5ª Região Militar, com o general de brigada Luís Antonio Duizit Brito, comandante da área.
Discutiram a disputa de terras que envolve milhares de colonos e os empregados da madeireira, no que já se tornou a grande questão agrária do Estado. O conflito, que no passado provocou a morte de dois jovens, é considerado uma situação explosiva que as forças de segurança do estado não se mostram capazes de resolver sozinhas.
O receio de muitos é o que ficou sinalizado na viagem: a possível participação do Exército nesta questão. É algo acima de tudo temeroso o envolvimento das Forças Armadas em conflitos sociais.
Recorde-se o episódio de novembro de 1988, quando o Exército interveio na briga sindical entre metalúrgicos em greve e a direção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o que ficou conhecido como “O massacre de Volta Redonda”. O saldo foi catastrófico: três operários mortos – Carlos Augusto Barroso, de 19 anos; Walmir Freitas Monteiro, 27 anos; e William Fernandes Leite, 22 anos – e centenas de outros feridos. Um novo conflito do gênero é tudo o que a presidente Dilma Rousseff não precisa na crise atual.
Não se sabe qual foi o entendimento final entre o ministro e o general. No governo de Beto Richa (PSDB) fala-se que o governador pediu a intervenção da Força Nacional. O ministro teria oferecido a ajuda dos militares. Entre delegados federais com trânsito em Brasília, há a certeza que Cardozo foi lá, justamente afastar esta hipótese.
A agenda oficial do ministro, na terça-feira, dia 08/12, escondeu o encontro com o comandante da 5ª Região Militar. Só depois da conversa dos dois no quartel do bairro Pinheirinho é que Cardozo foi à Secretaria de Segurança Pública avistar-se com o secretário, o delegado federal Wagner Mesquita.
Oficialmente, no encontro com Mesquita falou-se do emprego da Força Nacional no conflito no sudoeste do Estado. Segundo fontes de Curitiba, foi nesta conversa que Cardozo acenou com a participação do Exército na tentativa de solucionar um conflito que já dura anos.
Um dos delegados que o blog ouviu e tem trânsito com autoridades do Ministério da Justiça garante que o recado do ministro foi justamente o contrário do que se falou no governo estadual.
Ele foi deixar claro que não é o momento de qualquer ação, menos ainda envolvendo as Forças Armadas. A mesma fonte garante que, caso o Exército seja acionado, será para dar apoio logístico, jamais para enfrentar os trabalhadores rurais e garantir a reintegração de posse. Porém, a grande questão que ficou no ar é justamente a visita do ministro a Curitiba. Questiona-se o motivo que o levou a deslocar-se de madrugada para o Paraná.
A visita de Cardozo a Curitiba surpreendeu até mesmo o comando da Polícia Federal no estado. O superintendente do DPF, Rosalvo Ferreira Franco foi acionado na noite de segunda-feira para aguardar a comitiva de Brasília no aeroporto Afonso Pena à 01h00 da madrugada de terça-feira. Foi à noite que ele acionou seu fiel escudeiro, o agente de polícia federal Newton Hidenori Ishii.
Ishii não participou das reuniões, mas fez sucesso. Os jornais se preocuparam muito com ele e desconheceram o real motivo da ida do ministro ao Estado. No Exército, vários militares pediram para fazer fotos ao lado do “japonês bonzinho” que virou personagem da crônica de Luiz Fernando Veríssimo, na quarta-feira, republicada nos jornais O Globo e Estado de S. Paulo:
Newton Hidenori Ishii companhia incômoda? Foto – Reprodução
“O japonês bonzinho teria expandido seu campo de ação e contaria com comparsas dentro do próprio Planalto. Ele teria lido a carta do Temer antes mesmo da própria Dilma, e escolhido para quem mandar cópias“, escreveu o jornalista gaúcho.
A presença de Ishii ao lado do ministro é bastante criticada na Polícia Federal. O agente, como já se falou, foi um dos 22 policiais federais presos, em março de 2003, na primeira grande operação policial feita na gestão do delegado Paulo Lacerda à frente do DPF. Na Operação Sucuri, todos foram acusados de facilitarem o contrabando e o descaminho de mercadorias na fronteira com o Paraguai. Ishii e mais dez colegas foram demitidos do DPF em outubro de 2009. A decisão, porém, foi anulada, em maio de 2012, por um Mandado de Segurança impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao julgarem que o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) teve falhas, o tribunal determinou a reintegração dos policiais demitidos. Por isso é que muitos entendem que o ministro deveria evitar de se expor ao lado do agente, pois a sua demissão ainda é uma questão pendente.
O MST já montou três assentamentos nas terras que a Araupel diz lhes pertencer, mas a Justiça Federal declarou serem da União – Foto MST
Não convincente – A explicação oficial do próprio ministro para alguns jornalista sobre sua ida a Curitiba – encontrar-se com Mesquita para falarem sobre a disputa agrária em Quedas de Iguaçu – não convenceu muita gente.
Afinal, como a própria agenda dele mostra, na véspera, às 15H00, em Brasília, reuniu-se com Beto Richa que levou à tiracolo seu secretário de Segurança.
Se era apenas para dizer que o Governo Federal não entrará na briga neste momento. o recado poderia ter sido passado por telefone. Ou pessoalmente, na conversa com o governador, na véspera. Sem falar que, pelo menos uma fonte do governo do estado garantiu ao blog que eles não pediram ajuda do Exército. Foi o ministro quem o ofereceu.
O encontro na Secretaria de Segurança foi após a conversa com o general. Depois de estar com o ministro, o delegado Mesquita esteve também com no quartel de Pinheirinho com o general Duizit. Oficialmente, ele nega ter ido tratar da questão agrária. Mas, segundo foi possível levantar, ainda que não tenha sido o prato principal na conversa, também abordaram a questão do sudoeste do Estado. Todos, porém, se fecham em copas.
Na comitiva de Cardozo estavam o diretor-geral do Departamento de Polícia Federal (DPF), delegado Leandro Daiello, e o delegado Maurício Leite Valeixo diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado (DICOR). Mantiveram distância da sede da superintendência do DPF na cidade.
Apesar da presença do DICOR, o Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado, Igor Romário de Paula, não participou dos encontros, nem mesmo do almoço do grupo em um restaurante especializado em carnes, na cidade. Sorte maior teve o APF Ishi, um dos comensais à mesa.
As ocupações – Quedas do Iguaçu é um município de 33 000 habitantes a 447 quilômetros de Curitiba. O forte da sua economia são a agricultura, pecuária e o setor de beneficiamento de madeira, em que se destaca a Araupel, uma das maiores indústrias de reflorestamento da região
Famílias sem-terra ocuparam em 2014 uma área da Fazenda Rio das Cobras, localizada entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu. Elas reivindicam a desapropriação do imóvel, de cerca de 35 mil hectares, e sua destinação à reforma agrária. A Araupel é uma empresa que desenvolve atividades de reflorestamento e processamento de produtos madeireiros.
No ano passado, os coordenadores do MST admitiam que ocupavam 52 000 hectares. Cerca de 2. 800 famílias estavam assentadas. Hoje, na região, está um dos maiores assentamentos do estado: Acampamentos Herdeiros da Terra, com 4.500 família.
Tem sido comum na região, moradores dos centros urbanos realizarem movimentos contrários à ocupação. Temem os reflexos econômicos. Em Quedas de Iguaçu, conforme a associação comercial local, a Araupel emprega mais de mil pessoas e conta com a prestação de serviços de ao menos outros 300 trabalhadores, o que pode corresponder a 8% da força ativa da cidade. A empresa acena com demissões, pois diz já acumular prejuízos de mais de R$ 20 milhões
Na tarde de quinta-feira (10/12), os coordenadores dos acampamentos recusaram a proposta da empresa para resolver o conflito nos imóveis Pinhal Ralo e Rio das Cobras: a cessão de uma área de 190 hectares, devendo o restante da área necessária para transferência dos acampados ser cedida pelo Incra e pelo Estado do Paraná, com algumas condições.
Ao tomar conhecimento do fato, o advogado da empresa, Leandro Salomão informou que aguarda um encontro com o governador, como noticiou o site Iguaçu Notícias. Segundo ele, a partir deste momento a empresa atuará somente pelos cumprimentos das reintegrações de posse.
A questão é controversa, pois em maio passado o título da área da Fazenda Rio das Cobras, que está em nome da Araupel, foi anulado pela juíza da 1ª Vara Federal de Cascavel, Lilia Côrtes de Carvalho de Martino. A área está localizada entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu, na região Centro-sul do Paraná. A posse do título era contestado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Na decisão, a juíza considerou ilegal toda a cadeia dominial das terras e disse que a área pertence à União.
10 Comentários
[…] O mistério do ministro Cardozo em Curitiba […]
Muito bom, esclarecedor!
Não foi a toa que tentaram barrar.
[…] O mistério do ministro Cardozo em Curitiba […]
[…] O mistério do ministro Cardozo em Curitiba […]
Deveria ter postado essa matéria no Face Book há pelo menos quatro dias. Mas é tanta coisa a ler e fazer, que passou. Entretanto continua válida: por seu ineditismo e por relembrar/revelar fatos desconhecidos por muita gente sobre a história do nosso país.
Esta reportagem, pela qualidade e ineditismo na abordagem, foi reproduzida noutros portais e blogs, como GGN, tijolaço e DCM. Eu já a havia lido, embora não tivesse comentado.
Como sempre, observamos o trabalho de um grande repórter que, embora não opine de forma direta e/ou contundente, conduz as reportagens pautado pelo interesse público. Eu ia chamar a atenção para o ‘escorregão’ uso da forma verbal, em que o jornalista usou ‘interviu’, no lugar da forma correta, que é ‘interveio’. Mas outro leitor já tinha feito o alerta.
Não bastasse toda a passividade, incompetência falta de comando sobre o DPF, o ministro da justiça está devendo uma explicação sobre os motivos que o levaram a viajar a Curitiba, em plena madrugada. Mais ainda porque ele omitiu esse ‘compromisso’ da agenda agenda oficial e porque havia se encontrado com o governador do PR, em Brasília.
Marcelo, como sempre, a postagem faz uma abordagem por um ângulo diferente dos fatos.
Peço licença para observar uma tolice: em vez de “quando o Exército interviu na briga” é “quando o Exército interveio na briga sindical sindical”
Obrigado por me chamar a atenção. Vou consertar; Peço desculpas a você e aos demais leitores. um abraço
La em Curitiba não deve estar acontecendo nada de mais grave e criminoso do que essa invasão de terras, para o Ministro intervir.
Pede pra sair.
[…] O mistério do ministro Cardozo em Curitiba […]