Reeditado para acerto de erros de diigitação em 12/09/2015
Magno Cantarino Mota, mais conhecido como “Guarany”, sargento paraquedista que por livre e espontânea vontade serviu como agente do Centro de Informação do Exército (CIE) durante o período mais duro da ditadura militar, foi o portador da carta-bomba que, em 27 de agosto de 1980, matou Lyda Monteiro da Silva, a então secretária do presidente do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seabra Fagundes.
A carta era dirigida ao presidente da Ordem e tinha como objetivo, ao matá-lo, intimidar a instituição que empunhava a bandeira da redemocratização do país, a punição dos culpados pelas violações aos Direitos Humanos cometidas nos 16 anos de ditadura (64 a 80) e os esclarecimentos sobre os mortos e desaparecidos políticos.
A revelação da identidade do “mensageiro da morte” de Lyda Monteiro, foi feita na manhã desta sexta-feira (11/09) pela Comissão Estadual da Verdade, do Rio de Janeiro (CEV-Rio) em cerimônia da qual participaram Felipe Monteiro da Silva, filho de Lyda, o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Cristina Cosentino, e o vice-presidente da OAB-RJ, Ronaldo Eduardo Cramer Veiga.
A cerimonia foi presidida pela presidente da CEV-Rio, Rosa Cardoso, e o presidente de honra da Comissão, Wadih Damous, hoje deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro.
Foi Damous, há três anos, quando tomou possse na CEV-RJ, quem prometeu a Felipe Monteiro que apurar o assassinato da mãe dele era uma questão de honra. Ao discursar, Felipe confessou-se “aliviado” com o resultado da apuração.
Ele declarou agora esperar que o ministro da Defesa, Jacques Wagner, e os comandantes das Forças Armadas peçam desculpas não apenas à família de Lyda Monteiro, mas a toda a nação brasileira pelo envolvimento de militares no atentado terrorista que roubou a vida de sua mãe
Na próxima semana, como informou Wadih Damous, ele, Rosa Cardoso, e Marcus Vinicius levarão todas as evidências recolhidas pela CEV-Rio para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Caberá à Procuradoria aprofundar as investigações e decidir se deve ou não denunciar Magno – por enquanto o único envolvido que se conhece que está vivo – pelo homicídio. Teoricamente, como o crime foi cometido em 1980, ele não se beneficia da Lei da Anistia, de 1979.
Wadih, Rosa e Marcus Vinicius também deverão procurar o ministro da Defesa a quem, além de entregar o material levantado nos últimos dois anos pela Comissão, cobrarão o pedido de desculpas proposto por Felipe Monteiro.
Ao longo destes 35 anos, muitas pessoas apontaram para o agente “Guarany” como o portador da carta-bomba. O próprio, em 2014, ao ser procurado pela jornalista e pesquisadora da CEV-Rio, Denise Assis, parecia querer falar sobre o caso, mas recuou por interferência de sua mulher.
Havia evidências e testemunhos, faltava, porém, quem o reconhecesse como o homem visto com a carta-bomba na sede da OAB. Isto foi conseguido pela CEV-Rio, na semana passada, quando uma testemunha que se encontrava no prédio da Avenida Marechal Câmara, centro do Rio, e cruzou com o portador da carta-bomba, o reconheceu nas fotos apresentadas por Denise Assis, na presença de Felipe Monteiro.
O agente paraquedista não agiu sozinho. Segundo depoimento do ex-delegado de Policia Civil do Espírito Santo, Claudio Guerra, o chamado autor intelectual do plano foi o já falecido coronel Freddie Perdigão Pereira, que por muito tempo atuou no CIE, mas também teve participação ativa no DOI-CODI/RJ e na agência do Rio de Janeiro do Serviço Naciuonal de Informações (SNI), onde estava quando decidiu pelo envio da carta-bomba.
O terceiro militar envolvido também já está morto. Trata-se do sargento Guilherme Pereira do Rosário, paraqudeista da turma de Guarany, especialista em explosivos. Ele montou o artefato levado por Guarany à OAB, em uma oficina de um primo seu, como revelou à CEV-Rio o ex-delegado Guerra, que convivia com todos eles, principalmente com Perdigão.
Rosário faleceu ao tentar executar um novo atentado que, pelas evidências levantadas, partiu do mesmo grupo de militares: a explosão de uma bomba no show em comemoração ao dia do trabalhador, no Riocentro, Zona Oeste do Rio, em 30 de abril de 1981. Tornou-se a única vítima fatal da bomba que ele próprio montou. Com ele estava o então capitão Wilson Dias Machado, que mesmo bastante ferido conseguiu sobreviver.
Na noite do atentado do Riocentro, Guarany estava no local. A foto dele acima é um recorte de uma foto maior em que ele aparece ao lado do Puma onde seu colega de farda e de quartel, Rosário, faleceu com a bomba no colo. Segundo explicou à CEV-Rio o coronel Paulo Malhães, o artefato explodiu quando a corrente do relógio do sargento fez o contato dos polos positivo e negativo do artefato.
Como nesta seta-feira lembrou o jornalista Chico Otávio em reportagem em O Globo, dias depois do atentado à OAB, Rosário foi encontrado por duas parentes de Lyda Monteiro na beira do túmulo dela, chorando, como se estivesse pedindo desculpas. As duas senhoras só vieram a saber a identidade daquele estranho visitante quando da sua morte no Riocentro, através das fotos divulgadas pelos jornais.
Nas entrevistas dadas à CEV-Rio nos meses de fevereiro e março de 2014, Paulo Malhães, ao ser questionado sobre a possivel participação de Guarany na morte de Lyda, admitiu o envolvimento, apenas ressalvando que ele não seria o autor da ideia:
“Eu conheço o Guarany. Pode até ter sido enviado por alguém para colocar essa bomba. Partir dele, não”.
Além de Guerra, dois outros companheiros de Guarany revelaram à CEV-Rio que é ele quem aparece no retrato falado feito na Policia Federal, em 1990. O inquérito, controlado pelo próprio Perdigão, tentou jogar a responsabilidade no americano Ronald James Watters, que acabou inocentado pela Justiça por falta de provas.
Valdemar Martins, também paraquedista da turma de Guarany e Rosário, no último dia 3 confirmou o que já havia dito em 2014 à Denise Assis:
“Na época em que eu estive ai dando o depoimento para vocês, vi algumas fotos … Falei que era o Magno Cantarino Motta… Um agente que era sargento paraquedista, que serviu na mesma unidade que eu, junto com o Guilherme Rosário, ai no Rio de Janeiro. Era o agente Guarany… Confirmo que era o Magno Cantarino Motta, sargento paraquedista que serviu na minha unidade...
CEV-Rio: Então podemos considerar um depoimento oficial para a CEV-Rio, uma declaração sua de que reconheceu aqui na sede da Comissão o paraquedista Magno Cantarino, o agente Guarany, como autor da entrega?
Valdemar: Sim.”
O outro testemunho foi de Emanuel Matos Pontes (Manolo), ex-militar do Exército, cedido ao DOPS para missões do CIE. Apresentou-se como amigo, quase irmão, do agente Guarany. Procurado por Denise Assis, em 2014, sabendo do câncer do amigo, recomendou: “Vocês deveriam procurar o Guarani. Estive hospedado na casa dele e ele está bastante fragilizado. Este é o momento de procurá-lo. Quando estivemos juntos senti que ele quer falar. Ele ficou rodeando o assunto, mas eu não quis aprofundar”. Manolo faleceu recentemente, em Salvador, onde residia.
Todo o trabalho da CEV-Rio foi relatado, na entrevista concedida nesta sexta-feira, pela presidente da Comissão, Rosa Cardoso, através de um dossiê, reproduzido abaixo:
CEV-Rio aponta autores do atentado à Bomba na OAB
“Após uma investigação que durou dois anos, a Comissão da Verdade do Rio comprovou uma hipótese sempre levantada: o atentado contra a OAB, praticado em 27 de agosto de 1980, foi obra de um grupo de oficiais ligados ao Centro de Informação do Exército (CIE). A investigação da CEV-Rio chegou a quatro testemunhas que caracterizaram a autoria do fato. Uma ocular, que reconheceu a pessoa que levou a bomba à OAB, e três agentes vinculados à estrutura repressiva da ditadura.
O sargento Magno Cantarino Mota, formado na turma de paraquedistas do Exército, foi quem entregou pessoalmente a carta com o artefato que vitimou D. Lida Monteiro, secretária do então presidente da OAB, Seabra Fagundes. Na atividade de agente da repressão vinculado ao CIE, Magno adotou o codinome “Guarany”.
Para executar a ação, Guarany subiu pelo elevador até o 4º andar do prédio da OAB, na Av. Marechal Câmara, 210, Centro do Rio – endereço em que hoje funciona a CEV-Rio. Segundo a testemunha ocular, que dialogou com o militar momentos antes de ele entregar o envelope pardo, contendo a bomba de fabricação artesanal, o sargento vestia calça e camisa social “como os muitos rapazes que trabalhavam pelos escritórios da região”. A testemunha relatou também que ele tinha cabelos encaracolados abaixo das orelhas e aparentava pouco mais de trinta anos. De estatura média, falava pausado e agiu com cordialidade com as pessoas que encontrou em seu trajeto.
Segundo as testemunhas ouvidas pela CEV Rio, a ação foi comandada pelo coronel Freddie Perdigão Pereira, do CIE, e a confecção da bomba esteve a cargo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, morto no atentado ao Riocentro, no ano seguinte, em consequência da explosão da bomba que trazia no colo, também de sua fabricação, e que seria instalada no interior do auditório, onde cerca de 20 mil pessoas comemoravam o 1º de Maio.
Naquele período, a OAB tinha um papel importante na defesa dos direitos humanos e restauração das liberdades democráticas. Para intimidar a entidade, o grupo que agia sob o comando do Centro de Informações do Exército, iniciou uma série de atentados, que teve como alvos parlamentares de oposição, bancas de jornal, jornais e entidades como a ABI, numa tentativa de responsabilizar organizações de esquerda.
O RELATO DAS TESTEMUNHAS
A principal testemunha identificou o autor do assassinato a partir de fotos, do retrato falado feito na época, e de outro, confeccionado no ano de 2000. Em seu último depoimento, assinou uma declaração que confirma o reconhecimento do agente Guarany, nos seguintes termos:
“Eu, Testemunha X, declaro para os devidos fins, à Comissão da
Verdade do Rio, que reconheci na foto para mim exibida onde aparece o rapaz
de camisa branca, perto de um ferido no interior de um Puma, a mesma pessoa
que me abordou na entrada da OAB, no dia 27 de agosto de 1980.”
A seu pedido, visando preservar a sua integridade e segurança, a CEV-RIO não divulgará o seu nome. A proteção à identidade da testemunha é autorizada pelas normas do Direito Internacional a da Lei que constituiu a Comissão da Verdade.
Examinando uma foto em que “Guarany” aparece, em 1981, socorrendo os colegas atingidos dentro do Puma, no Riocentro, vestido com uma camisa clara e uma arma de uso das Forças Armadas enfiada no coldre, ela confirmou que, vendo-o “mais novo, e de corpo inteiro”, reconheceu “o porte” do agente que esteve na OAB no dia do assassinato. “O mesmo cabelo e o mesmo tipo”.
No último dia 3 de setembro, a Comissão do Rio ouviu o depoimento do paraquedista da turma de 1964, Valdemar Martins. Ao examinar o retrato falado de “Guarany” e a foto do Riocentro, onde ele aparece jovem, sem qualquer dúvida, Valdemar afirmou:
“ Na época em que eu estive ai dando o depoimento para vocês, vi algumas fotos … Falei que era o Magno Cantarino Motta… Um agente que era sargento paraquedista, que serviu na mesma unidade que eu, junto com o Guilherme Rosário, ai no Rio de Janeiro. Era o agente Guarany… Confirmo que era o Magno Cantarino Motta, sargento paraquedista que serviu na minha unidade...
CEV-Rio: Então podemos considerar um depoimento oficial para a CEV-Rio, uma declaração sua de que reconheceu aqui na sede da Comissão o paraquedista Magno Cantarino, o agente Guarany, como autor da entrega?
Valdemar: Sim.”
O ex-delegado do DOPS-ES, Claudio Guerra, afirmou à Comissão em três oportunidades que Guarany trouxe a bomba para a OAB; que a o sargento Guilherme do Rosário foi o encarregado de sua fabricação e a que a ordem para a execução do atentado partiu do coronel Freddie Perdigão Pereira na sede do SNI, do Rio.
Em depoimento 26 de fevereiro de 2014: “O Perdigão mandou.”
Em depoimento no dia 3 de setembro passado: “ Quem montou a bomba foi o Rosário, numa oficina de um primo dele, que parece que tem até hoje.”
Em email no dia 11 de junho de 2014: “A Carta Bomba era endereçada ao Presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, por uma fatalidade quem abriu a carta foi a senhora Lyda. Quem entregou a carta, o artefato, foi o agente Guarany, Magno Cantarini Mota, que está vivo e reside em Campinho, próximo a Jacarepaguá.
Posso ainda afirmar, que, na mesma ocasião, o mesmo grupo (Equipe secreta de militares do Cel. Perdigão composta, pelo Sgt Rosário, Guarani e outros), foi responsável pelo artefato que foi colocado no gabinete de um vereador, não lembro o nome, e outra na Tribuna da Imprensa. A motivação, o combate intensivo que a OAB fazia para que fossem apontados os responsáveis pelos desaparecimentos e torturas”.
A quarta testemunha ouvida, Emanuel Matos Pontes (Manolo), ex-militar do Exército, cedido ao DOPS para missões do CIE. Apresentou-se como amigo, quase irmão, do agente Guarany. Sua declaração para a pesquisadora Denise Assis, da CEV Rio, é a seguinte: “Vocês deveriam procurar o Guarani. Estive agora hospedado na casa dele e ele está bastante fragilizado. Este é o momento de procurá-lo. Quando estivemos juntos senti que ele quer falar. Ele ficou rodeando o assunto, mas eu não quis aprofundar. Estava hospedado na casa dele e ele poderia ficar aborrecido. Sinto que agora, que ele passou por este período da doença, está fragilizado, ele repensou bastante a vida. Senti que essas coisas desta época estão incomodando e ele quer falar, mas para mim é difícil. Com jeito, vocês indo lá, ele acaba contando. Foi ele quem levou aquela bomba da OAB e ele não pode continuar negando isto. O Rosário fez a bomba, mas foi ele quem levou.”
Diante de tais fatos, a Comissão da Verdade do Rio considerou identificados os autores do crime do ponto de vista factual, conforme a praxe das Comissões de Verdade. Identificou também a cadeia de comando da época, relacionada ao fato.
8 Comentários
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Boa reportagem; o atentado foi esclarecido e identificados os agentes do Exército que o planejaram e a pessoa que levou a bomba à sede da OAB-RJ. Sugiro que seja feita uma revisão do texto, pois já no início há um erro de registro da data de ocorrência do atentado. Está escrito 27 de agosto de 1970; na verdade o atentado que matou a secretária da OAB, Lyda Monteiro, ocorreu dez anos depois, em 27 de agosto de 1980, conforme registro posterior da própria reportagem.
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O brutal atentado a OAB do Rio de Janeiro, assim como o atentado do Riocentro, e outros atentados ocorridos entre 1979 e 1981, foram provocados por setores militares que queriam extravasar todo o seu descontentamento com o plano de João Figueiredo de levar o Brasil ao seu retorno definitivo para a democracia. Pior: esses militares não aceitavam a condenação da União Federal pela prisão ilegal, tortura e morte por homicídio qualificado do jornalista Vladimir Herzog, cujo crime monstruoso provocou repulsa da opinião pública nacional e internacional, e não se conformavam com a morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury, que foi o mais sanguinário torturador no período mais negro da história do Brasil, apesar de que alguns desses não estavam mais vendo com bons olhos as atitudes de Fleury, que havia ficado rico extorquindo dinheiro de muitos empresários que haviam patrocinado a repressão política no final dos anos 60 e início dos anos 70.
[…] de reproduzir um trecho do post de Auler – a íntegra está aqui – não posso deixar de prestar uma homenagem a Aníbal Philot – já morto – com […]
Neste ano da carta bomba da OAB ,outras explodiram na ABI ,na Câmara Municipal do Rio, em muitas bancas de jornais ,criando um clima de terror a quem ousasse falar em abertura do regime . O enterro da dona Lyda provocou uma manifestação de protesto como poucas que assisti nesta minha longa vida.