“Bolsonaro, acabou, (…) Você não é presidente mais. Você não é presidente mais, precisa desistir. Você está espalhando o vírus e vai matar os brasileiros” (Haitiano anônimo, na porta do Alvorada, em 17 de março de 2020)
Está certo que Jair Bolsonaro ainda continua, constitucionalmente, presidente da República Federativa do Brasil. Motivo mais do que justificável para não abrirmos a guarda, tampouco comemorarmos antes da hora. Porém, a cada dia fica mais evidente que ele está presidente, mas já não preside como desejava desde que empossado.
A prisão, na manhã desta quinta-feira, de Fabrício Queiroz, na casa do advogado Frederick Wassef, muito próximo à família presidencial, é mais um grande complicador na vida dos Bolsonaros e mostra que o cerco à sua família e seus amigos vai se fechando, tornando imprevisível o futuro dos mesmos. A Operação Anjo, desenvolvida nesta manhã pelos Ministérios Públicos do Rio e de São Paulo soma-se ao outras operações deflagradas desde segunda-feira passada. Todas refletem um cerco que se fecha. Talvez Queiroz siga à risca a máxima mafiosa de permanecer calado. Mas a esta altura os Bolsonaros, que já estavam assustados com as operações desencadeadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), certamente entrarão em desespero.
Todos estes acontecimentos, em especial as operações policiais deflagradas nas manhãs de segunda e terça-feira (15 e 16/06) com a prisão de bolsonaristas radicais como Sara Giromini, a Sara Winter, e outros quatros mandados de prisão já executados, além das buscas e apreensões em 26 endereços de 21 bolsonaristas e a suspensão do sigilos bancário e fiscal de 10 deputados e um senador ligados ao presidente, demonstram acima de tudo, que um último importante reduto da família presidencial, a virulenta rede digital que a sustenta, desmantela-se também.
As duas operações foram a segunda investida das investigações comandadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, em torno da rede de disparos de mensagens virtuais pró-Bolsonaro. A primeira ocorreu em 27 de maio, com 29 buscas e apreensões nas residências e escritórios de ativistas pró-Bolsonaro. Alguns desses endereços novamente revisitados na terça-feira. Desta forma, a rede responsável pela divulgação de mentiras e ataques às instituições, alimentada pela militância bolsonarista, foi duramente atingida. Pode não ter sido exterminada, mas sofreu forte baque.
A análise fria do que ocorre com o governo nos últimos tempos corrobora o vaticínio feito pelo ainda anônimo (provavelmente até por uma questão de sua segurança) haitiano. Em 17 de março passado, ele expôs a Bolsonaro que seu governo acabou: “Você não é presidente mais!”.
Ele continua presidente, é verdade. Porém, um a um, os atos do seu governo estão sendo refeitos ou mesmo derrubados. Ele faz um dia para no momento seguinte desfazer. Há exemplos que até já parecem remotos, porém, ocorridos há poucos meses. Como sua tentativa de derrubar o isolamento social, impedida pelo Supremo que deu esses poderes aos governadores; ou ainda a “expulsão” de diplomatas venezuelanos, também barrada por liminar do STF; medidas que atacavam reservas indígenas e áreas de preservação, que foram contidas. Sem falar em atos dos seus ministros, como o da Educação, que pretendia manter a data do ENEM e foi atropelado por decisão do Congresso.
Mais recentemente temos ocaso da Medida Provisória nº 979 que tentou retirar a autonomia das universidades e institutos federais. Editada na quarta, 10 de junho, a tentativa de interferência na autonomia universitária foi revogada através da MP 981/2020, publicada dois dias depois. A revogação foi provocada pelo presidente do Congresso Nacional, senador Davit Alcolumbre: pressionado por seus pares e até pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, viu-se obrigado a devolver a proposta, classificando-a como inconstitucional.
Outro exemplo foi a portaria que, submetendo-se à pressão de Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, na expectativa de permanecer no cargo, assinou, ainda em abril, pouco antes de sair do ministério. O fez junto com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que também se curvou à loucura presidencial, contrariando até entendimento de outros militares sensatos.
O ato, acatando a vontade expressa por Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril, liberava a venda de uma maior quantidade de munições para civis. Menos de um mês depois, em 11 de junho, o juiz federal Djalma Gomes, da 25ª Vara Cível Federal, de São Paulo, revogou-o. Alegou que a autorização provocaria um indevido “aumento da letalidade no meio social”, o que vai de encontro ao Estatuto de Desarmamento.
Àquela altura, porém, muitos já tinham se municiado, aproveitando a brecha que os dois ministros não tiveram coragem de impedir. Conforme noticiou Marco Grillo, em O Globo (Vendas de munições dispararam no Brasil: em maio, foram vendidos mais de 2 mil cartuchos por hora), no domingo 7 de junho, apenas no mês de maio a compra de munição por civis superou toda as aquisições de 11 instituições ligadas à segurança pública (leia no quadro ao lado). Um exemplo claro de que os Bolsonaros além de estarem armando estão municiando as possíveis milícias.
São alguns entre muitos outros exemplos de decisões tomadas um dia e revistas no dia seguinte. Revisadas por outros poderes ou, quando forçado, pelo próprio (des)governo. O que apenas demonstra que Bolsonaro já não governa, pois o que faz é logo desfeito. Sem falar que uma das ancoras do seu governo – a política econômica neoliberal de Paulo Guedes – também foi para o espaço.
Muito mais pelos erros embutidos na própria política adotada pela equipe do ministro, ao recorrer a medidas que, além de não reaquecerem a economia como prometido, impuseram perdas e sacrifícios aos mais pobres e necessitados. Contribuíram, inclusive, para o aumento do desemprego. Perdas e sacrifícios que só não foram maiores por conta de outra derrota do governo em torno do auxílio emergencial para o período da pandemia. A proposta de apenas R$ 200,00/mês foi facilmente atropelada pelo Congresso. Ali, por iniciativa das oposições, o valor foi triplicado, ainda que para muitos continue insuficiente.
Pode-se até dizer que a pandemia também contribuiu em outra derrota da equipe econômica. Afinal, como aconteceu em todos os países do mundo, o combate à Covid-19 demonstrou a necessidade cada vez maior da presença do Estado em setores fundamentais como a saúde. Algo que se estenderá, sem dúvida, à educação e às políticas de bem estar social. Tudo que Guedes e seus Chicago Boys detestam admitir.
É importante ressaltar que, ao mesmo tempo em que constata que já não tem os poderes que imaginava, pois tudo que faz acaba sendo refeito, Bolsonaro assiste também à queda vertiginosa de seus índices de popularidade. Se já não contava com aqueles que contribuíram para sua vitória ao se omitirem nas urnas, envenenados que estavam pelo antipetismo, agora esbarra na defecção de seus próprios eleitores.
Inicialmente aqueles que se deixaram inebriar pela criminalização da política, uma campanha desenvolvida com insistência pela dita República de Curitiba, reverberada ao exagero pela mídia tradicional. Estes descobriram tardiamente que a família Bolsonaro como um todo usou a vida parlamentar para proveitos próprios. Inclusive apelando às famosas e famigeradas “rachadinhas”, que nesta quinta-feira provocou a prisão de Queiroz e a busca pela polícia de sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar. Prática mais criminosa do que muitas para as quais os Bolsonaro, pai e filhos, disparavam suas acusações.
Também os deixam aqueles que acreditaram na promessa de uma nova política, apesar do apagado passado na vida parlamentar do hoje presidente: durante seus 28 anos na Câmara dos Deputados ele foi incapaz de oferecer qualquer contribuição, por insignificante que fosse, ao arcabouço legislativo do país. Nas quase três décadas como parlamentar, associou-se aos grupos mais insignificantes do parlamento.
Os abandonam ainda alguns que se diziam seus fiéis seguidores ao perceberem sua incapacidade na gestão do país, em especial diante da crise de saúde que atravessamos. Foi incapaz de preparar o país para um surto anunciado, com incontáveis exemplos vindos de fora. Nada fez e ainda o menosprezou: “uma gripezinha”.
Tais defecções, ainda que não sejam refletidas com realismo nas pesquisas de opinião, tornam-se visíveis nos grupos de apoiadores do presidente que ainda se dispõem a ocupar ruas para defendê-lo. A cada fim de semana diminuem a olhos vistos, como ocorreu domingo (14/06), no Viaduto do Chá, em São Paulo. Estão se tornando risíveis, grotescos.
Todas estas perdas, por si só, seriam suficientes para apavorar Bolsonaro e seu clã. Para eles, porém, o desespero maior – hoje acrescido com a prisão de Queiroz – ocorria ao assistirem ao desmonte dia-a-dia da chamada rede virtual, por meio das ações comandadas pelo ministro Moraes. Tanto no inquérito que apura as fake news (que bolsonaristas torciam para ser decretado ilegal, mas que a maioria do Supremo confirmou na quarta-feira que é legal) como na investigação em torno das ditas manifestações antidemocráticas, as quais o próprio Bolsonaro incentivou.
Na medida em que os investigadores se aproximam do núcleo que financiou tais atos, não é exagero prever que chegarão também aos que alimentaram financeiramente as redes virtuais responsáveis pelas fake news. Inclusive e principalmente os disparos por robôs que impulsionaram a campanha eleitoral de 2018. Fatos que, certamente, serão levados às Ações de Investigações Eleitorais (AIEs) que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), questionando a lisura no pleito de 2018 que deu a vitória a Bolsonaro.
São, portanto, investigações que, por um lado, ajudam a desfazer a rede virtual que vinha dando sustentação à família Bolsonaro e que atacava seus adversários – inclusive dos demais poderes -, deixando-os sem voz, já que desde sempre substituíram o poder da comunicação oficial pelo uso indiscriminado das mentiras virtuais. Ao mesmo tempo, porém, tornam-se ameaças concretas a uma possível anulação do pleito eleitoral, a partir da confirmação de uso ilegal das redes sociais, como sempre se soube, mas as AIEs do TSE jamais aprofundaram.
Nisto reside o desespero do presidente, de seus filhos e seus seguidores (acrescido nesta quinta-feira, repita-se, com a prisão de Queiroz e sua esposa), o que já os levou, ainda que momentaneamente, a mudarem de comportamento, inclusive no tom de seus discursos.
O próprio presidente, é nítido, mudou até o comportamento nos encontros com seus seguidores à porta do Palácio do Alvorada. Encontro que nesta quinta-feira já não ocorreu. Mesmo que o presidente mantenha o mote do discurso – queixas dos demais poderes e do cerco a seus seguidores -, o tom de voz está alguns decibéis abaixo do habitual. Mas são mudanças aparentemente momentâneas, que jamais passam sinceridade, pois sempre exalam dubiedades.
Na verdade, tal como descreveu muito bem Helena Chagas em Bolsonaro vai tomar medidas legais contra o STF?, suas falas mais recentes soam muito mais como bravatas, de alguém acuado. Esse talvez possa ser o risco. O tom mais ameno não deve perdurar e, no desespero, sabendo que o cerco das investigações estão se fechando, tal como demonstrou a prisão de Queiroz, pode acabar apelando. Algo como a “emboscada”, mencionada a simpatizantes na noite de quarta-feira. Seja lá o que isso signifique. Provavelmente, nada. Apenas mais uma bravata para os seus radicais.
Todo esse clima que provavelmente estará levando os Bolsonaros ao desespero, mostra que eles perdem terreno. Mas, constitucionalmente, Jair Bolsonaro continua presidente, até que o Legislativo ou o Judiciário façam sua parte, buscando afastá-lo dentro das normas do Estado Democrático de Direito. Para isso, porém, cada vez mais é preciso pressão popular. Ela tanto pode acontecer por manifestações nas ruas – o que se torna difícil nesse período de pandemia – como de forma virtual. Por manifestos e abaixo assinados como o do Manifesto Estamos #Juntos, o Basta!, ou mesmo o Manifesto pela unidade antifascista. Em uma demonstração clara que compomos uma maioria inquestionável a favor do Estado Democrático de Direito, pois todos juntos #Somos 70%.
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2 Comentários
Ele está nas cordas mas é preciso dar o golpe de misericórdia pra ele cair fora do ringue. E não pode demorar, o país não aguenta por muito tempo. A esta altura, talvez, a gota que faria o copo transbordar seria o Alexandre de Moraes autorizar uma busca e apreensão no gabinete do Carluxo.
Belo relato, Marcelo!