A insatisfação com o (des)governo de Jair Bolsonaro, notadamente com as posições dele, de seus filhos e do chamado núcleo ideológico que o cerca combatendo a política de isolamento social, fez com que parte significativa da sociedade brasileira, mesmo na quarentena, despertasse do ostracismo a que estava relegada. Impedidos de ir às ruas, cidadãos de todos os recantos brasileiros manifestam a contrariedade ao (des)governo indo às janelas, quase que diariamente, bater panelas.
Há, porém, motivo maior de preocupação. O despreparo (para não se falar em pouco caso ou mesmo desprezo) do (des)governo em fazer chegar comida aos mais necessitados. Àqueles que não têm renda, não têm trabalho, mas família e filhos (que perderam as merendas escolares) para alimentar.
São os “que se viravam como ‘trabalhadores informais’, agora sem clientela, e os sem trabalho algum” descritos por Janio de Freitas em sua coluna de domingo (12/04) na Folha de S.Paulo. Na coluna, Janio de Freitas faz o alerta: “A fome já chegou a muitas famílias. Mais de 20 milhões de pessoas desses segmentos estão fora do contingente que, diz o governo, receberá R$ 600 daqui a três dias“. Em seguida, adverte: “em dinheiro ou em produtos – o primeiro é mais versátil, produtos nem sempre coincidirão com o mais necessário ao recebedor – doações são a única possibilidade de atenuar os atrasos governamentais e de complementar a ajuda oficial de óbvia insuficiência“. Para, então, concluir: “os que necessitam não têm como tomar a iniciativa no socorro. A iniciativa é dos doadores. Nossa. Sua“.
Bater panelas como forma de protestar é legítimo. Pedir a cabeça do presidente é do jogo democrático. Aliás, algo necessário hoje, mesmo se sabendo que isso não ocorrerá facilmente. Trata-se de uma luta política que levará tempo e será dificultada pela própria pandemia e o isolamento social a que todos estão submetidos. Pode-se até pressionar políticos por um impeachment, mas o resultado ainda é duvidoso.
Porém, é preciso despertar para as vítimas que já estão passando fome. Os desempregados e sem fonte de renda. Os que por conta do despreparo, da incompetência, negligência (para não se admitir o desprezo) desse (des)governo, ainda que se livrem da COVID-19, correm o risco de morrer de fome.
Em outras palavras, é preciso se preocupar em encher as panelas de quem tem fome. Com isso evitar um possível o caos social no qual muitos bolsominos apostam. Talvez na expectativa de terem justificativas para um golpe na nossa balzaquiana democracia.
Certamente ajudar a distribuir comida é algo difícil de se fazer por quem está em quarentena. Trancado em casa. Mas não é impossível apoiar, ajudar. Como lembrou Janio de Freitas, “A iniciativa é dos doadores. Nossa. Sua“.
A quarentena impede as pessoas de circularem. Com isto, provoca um ganho direto que certamente as pessoas trancadas em casa começam a perceber. A economia do que se deixou de gastar, em especial nos fins de semana, com as saídas de casa. Por exemplo, na diversão: bares, restaurantes, cinemas, teatros, festas, etc. Ganho facilmente retratado no extrato do cartão de crédito de cada um.
Uma economia que, no momento de desespero de muitos, poderá se reverter em salvação aos mais necessitados. Em forma de doações. Transformar a cerveja que se deixou de tomar no bar em alimento essencial nas panelas de quem não os tem. Panelas daqueles que ficaram sem qualquer renda, mas continuam tendo família a alimentar. Não é outra a “iniciativa” de que nos falou Janio de Freitas. Que pode ser feita sem sair de casa. On line.
Não faltam ações à espera de ajudas. Elas se multiplicam. Muitas têm sido mostradas em jornais, programas de TV ou mesmo nas redes sociais. Outras nem são faladas. O BLOG conseguiu levantar algumas, que ocorrem no Rio de Janeiro. Há muito mais. São apenas exemplos.
Na verdade, elas já acontecem há tempos em algumas comunidades carentes onde é notória – e tradicional – a ausência total do Estado. Em qualquer nível – municipal, estadual ou federal. Ocorre, por exemplo, no bairro de Acari, na Zona Norte do Rio, local em que residem aproximadamente 70 mil pessoas, em estado de pobreza. Abandonadas pelo chamado poder público.
No bairro, situa-se o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, que após ter sido deixado ao ostracismo pelo prefeito Marcelo Crivella, está sendo preparado às pressas para receber pacientes com o COVID-19. Nem a presença do hospital público na região é fator de benefício à comunidade no seu entorno. Basta ver quando chove forte. Nessas ocasiões, o rio Acari e o valão de esgoto que atravessa a comunidade transbordam. Inundam com lama e esgoto as casas e o próprio hospital.
Não raro, como relata o pároco da matriz da comunidade, a Igreja Nossa Senhora de Nazaré e Santos Mártires Ugandeses, padre Sérgio Júlio, a enchente atinge o necrotério do hospital e corpos ficam boiando, recorrentemente. Sem providências da prefeitura. Ocorreu no final de fevereiro e início de março quando também um homem se afogou ao tentar salvar vidas dentro das casas alagadas. Seu corpo também ficou boiando.
Com a ausência total do Estado, o padre revela que o coronavírus se espalha sem intimidar os moradores que continuam, por exemplo, frequentando a famosa Feira de Acari, como se não houvesse pandemia. Sem qualquer controle público. Nem mesmo do município, ao qual cabe fiscalizar as feiras.
“O coronavírus se alastrou dentro do Acari. Tem muita gente com coronavírus dentro do Acari. Estão indo, precariamente, em postos, UPAs, etc., mas os médicos os mandam para casa. Sem qualquer teste. Tudo indica que estejam contaminados porque têm todos os sintomas do coronavírus”, explica padre Sérgio, acrescentando:
“Os mais conscientes estão super assustados, mas a maioria não tem informação precisa. Para se ter ideia, a Feira de Acari, domingo (12/04), estava lotada sem nenhuma fiscalização ou cuidado da parte da prefeitura. Eu passei e fiquei assustado”, desabafa o pároco sem esconder a preocupação com o quadro:
“Muitas pessoas dentro da comunidade não falam que estão com coronavírus por medo de dizerem que estão contaminados. Um rapaz faleceu. Uma senhora está internada. Parte da família diz que ela tem corona, mas outra parte diz que não. Outra senhora se desconfia que infartou devido ao coronavírus. Ela foi para o atendimento na UPA Rocha Miranda, mandaram ela para casa e ao que parece ela piorou e infartou. Era uma senhora de idade e a sua família, agora, está toda em quarentena. Acari está tomado de pessoas com coronavírus. Dizem que tem muita gente com coronavírus”.
Sem ajuda do poder público, coube ao padre, que junto com a matriz administra cinco capelas no bairro, distribuir, na semana passada, 300 cestas básicas. Em 60 delas conseguiu até incluir ovos de Páscoa. Domingo, teve chance de doar 150 caixas de bombom. Está também arrecadando e distribuindo água potável para consumo.
Para realizar estas doações, porém, padre Sérgio – assim como outras iniciativas, como se verá abaixo – fica na dependência de doações à sua igreja. Que podem ser feitas pela conta bancária da mesma (Paróquia Paróquia Nossa Senhora de Nazaré e Santos Mártires Ugandeses, CNPJ 33.393.575/0289-8, Banco Bradesco, Agência: 0814-1 Conta corrente: 73651-1).
As ajudas aos necessitados têm sido diversificadas. Nem sempre dependendo de ajuda do público. Mas por iniciativa própria de alguns. Muitas vezes, silenciosamente. Como a da Pastoral das Favelas do Rio, coordenada pelo monsenhor Luiz Antônio Pereira Lopes, junto com o padre Geraldo Marques, pároco da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Parque Columbia, na Zona Norte do Rio. Uma comunidade na proximidade da rodovia Presidente Dutra. Beneficiaram 30 famílias com caixas d’água.
Com a ajuda da Ação Episcopal Adveniat, organização católica alemã de ajuda à América Latina, adquiriram as caixas d’água que foram distribuídas entre os moradores das comunidades de Terra Nostra e Parque Unido, ambas no Parque Colúmbia. Atenderam a quem não as tinham, ou aos que usavam caixas de amianto. Os próprios moradores se encarregaram da instalação. Mais 20 delas serão levadas a outra comunidade.
A Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro ainda desenvolve “um trabalho que tenta atender às necessidades das famílias empobrecidas de nossa área. Partilhamos o que recebemos. Não fazemos arrecadação de dinheiro. Nossa arrecadação vem de um carnê para manutenção da ação social. Por ele um grupo de voluntários contribui mensalmente para cobrir nossas despesas”, explica o padre Geraldo.
O mesmo monsenhor Luiz Antônio, titular da Paróquia Santa Rosa de Lima, no Jardim América, também Zona Norte do Rio, mantinha ali, há 32 anos, a distribuição de 400 pratos de sopa diariamente. Entre as segundas e sextas-feiras. Graças à ajuda de paroquianos. Anônimos. Mas esses voluntários são do grupo de risco. Por isso entraram no isolamento social e suspenderam o trabalho.
A sopa foi então substituída por alimentos. Monsenhor Luiz Antônio, porém, esbarrou em nova dificuldade. Muitos dos que recebem a ajuda não possuem fogão ou, quando os tem, não contam com gás. Com isso, torna-se inútil a distribuição de alimentos a serem preparados. A opção foi buscar comida já pronta, que dispense preparos. Como frutas, biscoitos, pães e produtos do gênero. Para manter os serviços, a Paróquia também depende de doações financeiras recebidas pela sua conta bancária (Paróquia Santa Rosa de Lima CNPJ 33.593.575/0225-17 Bradesco agência 0814-1 conta corrente 72870-5).
A dez quilômetros de distância do Jardim América, no bairro Vaz Lobo, ainda na Zona Norte do Rio, o padre Niraldo Lopes de Carvalho mantinha na Paróquia Cristo Rei o hábito de receber aos domingos moradores de rua para o café da manhã. Além disso, seis vezes ao ano os acolhe para, além do café da manhã, oferecer corte de cabelo, banho, com direito a troca da roupa usada, e almoço. A frequência girava em torno de 80 a 100 pessoas.
Com o isolamento social, lojas fechadas e calçadas vazias, os moradores de rua ficariam sem ter a quem recorrer para sobreviver. Padre Niraldo obteve autorização do cardeal Dom Orani para abrir a igreja Cristo Rei exclusivamente para receber os “irmãos de rua”, não apenas aos domingos. Agora, diariamente. Assim eles podem tomar banho, trocar as roupas e recebem alimentação.
“No primeiro dia atendemos com almoço e banho 36 pessoas. O número de pessoas cresceu muito e nós fomos surpreendidos com o fato de pessoas virem de bairros distantes – Penha, Madureira e Cascadura, por exemplo – em busca de comida e de banho. Hoje estamos recebendo 145 moradores de rua”, explica o pároco.
Atender aos “irmãos de rua” não é o único trabalho do padre Niraldo e dos paroquianos da Igreja Cristo Rei. Eles ainda preparam bolsas com alimentos não perecíveis, mas também com frutas e legumes que conseguem junto ao Ceasa, para famílias extremamente carentes do bairro. “São kits com um pouquinho de alimento. Pouca coisa, mas que chega a muitas pessoas”, diz o sacerdote de Vaz Lobo. Doações para o trabalho do padre Niraldo podem ser feitas na conta da igreja (Paróquia Cristo Rei, CNPJ 33.593.575/0120-40, Bradesco, Agência 814 Conta Corrente 0074545- 6).
O assédio de moradores de rua de outros bairros à igreja de Vaz Lobo pode ser uma consequência direta do fato de outras paróquias que antes os atendiam estarem impossibilitadas de continuar o trabalho, tal como faziam antes. Ocorre na Paróquia Nossa Senhora da Conceição e São José, no Engenho de Dentro, onde o pároco Gustavo Auler, junto com uma equipe de seus paroquianos, tradicionalmente, todas as terças-feiras acolhia em torno de cem deles.
Iam em busca de café da manhã, banho, corte de cabelo, roupa limpa e almoço. Tudo preparado pelos próprios paroquianos, a partir de doações. Inclusive de comerciantes locais, como hortifruti e padarias.
A maior parte dos responsáveis por esses atendimentos, porém, por pertencer ao chamado grupo de risco, se viu obrigada à quarentena. O trabalho deixou de ser feito na proporção em que era desenvolvido. Mas, ainda às terças-feiras, a partir de um casal ao qual o isolamento pode ser flexível, cerca de 120 quentinhas são preparadas. Não são mais servidas na quadra da igreja, como antes, porém distribuídas pelas ruas do bairro.
Distribuição que conta com a ajuda de servidores do município. Na penúltima terça-feira (07/04), a participação foi de funcionários do posto de saúde. Aproveitaram a oportunidade e vacinaram os beneficiados pela comida, que se espalham pelas ruas do bairro. Tal como as demais, a igreja depende de doações, atualmente feitas através de depósitos bancários (Paróquia Nossa Senhora da Conceição e São José, CNPJ 33.593.575/0140-93, Bradesco agência 3249 Conta corrente 609460-0).
Em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, são também os paroquianos da igreja Nossa Senhora do Sagrado Coração, juntamente com a Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação, a Pastoral de Favelas, a Rede de Economia Solidária Dom Hélder Câmara e o Núcleo Piratininga de Comunicação que assumiram o trabalho de atender aos mais necessitados.
Aos domingos, na sede da igreja, recebem alimentos não perecíveis, água, produtos de limpeza e higiene pessoal, fraldas para crianças e idosos, além de equipamento de proteção individual. Todo esse material é destinado às famílias da comunidade São José Operário, na Praça Seca, onde fica a Igreja São José Operário, uma extensão da paróquia.
Tal como como revelam no Facebook da Comunidade São José Operário, contam com a ajuda de órgãos municipais. Na quarta-feira (08/04), foram beneficiadas 120 famílias na região com a cesta básica montada a partir das doações entregues na própria igreja no domingo anterior. Nesta terça-feira (14/04) outras 100 cestas básicas foram levadas a mais famílias.
Ali eles não arrecadam dinheiro. Apenas recebem produtos como alimentos não perecíveis, água, produtos de limpeza e higiene pessoal, fraldas para crianças e idosos, equipamento de proteção individual. As doações podem ser feitas aos domingos na própria Capela São José Operário, localizada na Rua dos Operários, n° 13 – Praça Seca, no período da manhã.
Um dos projetos mais vultosos tem sido coordenado pelo Viva Rio, através do “SOS Favelas – Rede Solidária contra o Novo Corona Vírus”. A campanha surgiu em 27 de março e em duas semanas, ou seja, até 11 de abril, já havia arrecadado, através de 1.180 doações, um total de R$ 2,165 milhões.
Com o resultado foi capaz de distribuir, nesses 15 primeiros dias, 7.381 cestas básicas, em 74 comunidades diferentes nos municípios do Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Queimados, Mesquita e Nova Iguaçu (esses três na Baixada Fluminense), Petrópolis, Paty do Alferes e Resende. Cestas estas que consumiram R$ 388,5 mil da arrecadação.
O projeto vai além de simplesmente atender aos mais necessitados. Inclui um trabalho de adquirir os alimentos que encherão as panelas dessas pessoas junto ao comércio do local onde eles residem. Com isso, evita-se as despesas com logística de deslocamento das doações, assim como ajudam a manter em pé comerciantes que também precisam se sustentar e sobreviver à crise sanitária.
Virtualmente a cesta é encomendada e encaminhada a relação de beneficiários, feita com ajuda de lideranças locais. Com isso, as entregas são feitas com a apresentação do CPF do morador a ser assistido.
As doações para o SOS Favelas podem ser feitas pela conta da Academia Pérolas Negras, CNPJ 30.836.216/0001-52, no Banco do Brasil, Agencia 3519-X, Conta Corrente 25.523-8.
Como diz um balanço feito pelo diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, em 11 de abril, “é fato que, entre dinheiros depositados e comprometidos, batemos já a meta inicial de R$3 milhões e podemos nos comprometer com a entrega de 60.000 cestas entre abril e julho. Os doadores, os agentes comunitários e os gestores merecem palmas pelo sucesso, mas todos sabemos que isto é pouco diante das necessidades e pouco também diante do que somos capazes. Há que alavancar as doações para que acompanhem a disposição dos agentes da solidariedade nas favelas e periferias”.
Ou seja, ele bate na mesma tecla que Janio de Freitas: os que necessitam não têm como tomar a iniciativa no socorro. A iniciativa é dos doadores. Nossa. Sua“. Faça sua parte.
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