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Na ditadura, uma amizade surgida na “luta”

Marcelo Auler

Reportagem de O Globo 01 de fevereiro de 1975

 

Eu ainda estagiava na Rádio Globo, em janeiro de 1975. Já não ficava mais trancado na sala da rádio-escuta, como foi o meu início de carreira um ano antes. Sob a batuta do Murilo Rocha e aprendendo com o Maurício Menezes, me aventurava ora na apuração por telefone (no que o Maurício é imbatível), ora indo à rua para entrevistas, levando ao ombro um gravador Uher (com fitas em rolo, microfone com fio e um peso considerável).

Foi em 31 de janeiro de 1975, durante uma reportagem externa que encontrei na equipe da TV Globo aquele que se tornaria um amigo do peito e irmão, ao longo destes 40 anos de profissão: Arnaldo César Ricci Jacob. Nos conhecemos, literalmente, na luta, pela notícia e contra seguranças do então presidente da Petrobrás, o general Araken de Oliveira.

O curioso é que o encontro – e a luta – deu-se em uma cobertura corriqueira, destas matérias de encher linguiça, no dia-a-dia da cidade: a inauguração da estação do bondinho de Santa Teresa, ao lado da sede da Petrobrás, proximidades do Largo da Carioca.

No início da carreira, como estagiário do Sistema Globo de Rádio, o difícil era ficar trancado na saleta para ouvir, simultaneamente, um equipamento sintonizado na faixa da polícia; um potente aparelho para “copiar” notícias de emissoras de outros estados; e uma espécie de radioamador, recebendo informações de associados da Faixa Cidadão.

Em pouco tempo dividi a rádio-escuta com a “apuração” aprendendo com o Mauricio como trabalhar com o telefone, sem sair da redação. Na época, vale lembrar, nem sonhávamos com computador, menos ainda com Internet.  Embora a rádio liderasse a audiência, um único repórter, João Vitta, já falecido, fazia externas específicas: informes sobre o trânsito com o “Amarelinho da Globo” e eventuais cerimônias, normalmente recomendadas.

Vivíamos no governo Médici, os anos mais duros da ditadura militar, submetidos à censura. As proibições chegavam por telefonemas da Polícia Federal que repassavam  os temas vetados.  Uma lista, que só crescia, ficava no quadro de avisos. A ela, somavam-se notícias que, por precaução, o diretor de jornalismo, Mario Franqueira, decidia evitar.

Script de O Seu Redator Chefe: meu nome surge como repórter

Script de O Seu Redator Chefe: meu nome surge como repórter

Em pouco tempo, galguei novos degraus: literalmente, penduraram um gravador Uher no meu ombro e me mandaram à rua para algumas coberturas. Uma das primeiras “externas” que recordo foi para fazer entrevistas sobre o possível retorno dos bondes na cidade. Estávamos distantes de imaginar o VLT que hoje se constrói.

A glória maior, na época, foi entrevistar Paulinho da Viola, na sua casa, próximo ao antigo cine Veneza, na Avenida Pasteur, em Botafogo. O tema foi motivo de uma edição especial do Seu Redator Chefe, programa jornalístico das 7H00, cujo script guardo até hoje. Afinal, pela primeira vez meu nome veio à público como sendo um jovem repórter, graças à ideia de Murilo e ao texto do saudoso Leony Mesquita, mais do que um redator de talento: um arquivo da história do Brasil por ele vivenciada, desde a II Guerra, quando trabalhava na Rádio Nacional.

Foi também como repórter iniciante, na manhã da sexta-feira, 31 de janeiro de 1975 que estava na inauguração da Estação do Bonde de Santa Teresa, no Largo da Carioca. O evento significava a volta da travessia do bondinho pelos Arcos da Lapa, pois até então a viagem terminava na Rua Joaquim Murtinho, sem chegar ao centro da cidade.

A construção da estação foi patrocinada pela Petrobras, o que justificava na sua inauguração, ao lado do governador Chagas Freitas, o presidente da estatal, general Araken de Oliveira. Terminado o evento oficial, não quis perder a oportunidade e, estrategicamente colocado, microfone em punho, partir para entrevistar o militar.

Não lembro o que eu perguntaria, nem importava o que fosse, Simplesmente, na época, jornalista não podia se aproximar de algumas “autoridades”, principalmente se fossem oficiais generais, como o caso.

Imediatamente fui cercado pelos truculentos seguranças que garantiam a inacessibilidade ao general. Ao fazerem, não tinham qualquer preocupação com educação ou respeito, era na base do empurrão, quase chegando aos tapas. Foi nessa hora que ouvi Arnaldo César falar para o saudoso cinegrafista Roberto Padula: “pode filmar”. E Padula, mesmo baixinho, não amedrontou: câmera no ombro, começou a gravar.

Por conta da censura, não havia qualquer chance de este tipo de filmagem ir ao ar. Tanto assim, que nada saiu nos jornais, como mostra a reportagem de O Globo, do dia seguinte, que resgatei. Violência contra jornalistas por parte de seguranças era comum.

Ao gravarem, os dois – Arnaldo e Padula – sabiam que estavam apenas tentando garantir minha integridade. Mas os brucutus, que na ditadura tudo podiam, revidaram partindo para cima deles, empurrando-os. Um. acho que o Padula, quase rolou escada abaixo.

O episódio não teve maiores consequências. Mas daquele dia até hoje, a partir da solidariedade manifestada pelos dois, surgiu uma forte amizade com Arnaldo César, que solidificou-se ainda mais, anos depois, ao trabalharmos juntos na revista Manchete, mas aí já é outra estória. Por hoje basta esta, que mostra um pouco como era duro conviver com a ditadura que alguns querem que retorne.

4 Comentários

  1. ULISSES VITTA disse:

    Marcelo, acompanhei muito voce na Globo com meu pai, João Vitta.

  2. Igor Mello disse:

    Marcelo, você devia escrever um livro de memórias! Texto delicioso, vou compartilhar!

  3. Murilo Rocha disse:

    Em frente, Marcelo! Ajudarei noque puder.

    • Marcelo Auler disse:

      Murilo, Pode contar aqui suas historias e estórias da Radio Globo. Só não vale aquela que o Mauricio narrou em tantos shows que já ficou velha, quando quis entrevistar o Roberto Marinho e ele perguntou de qual rádio eu era? Escreva um pouco das memórias que eu posto no Blog. abraços

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