Estupro ignorado
8 de março de 2017
Cabral Filho derrotou o Rio de Cabral pai
9 de março de 2017

Marcelo Auler

As ameaças a Frei Gilberto levaram Lula a encarregar Dulci (esquerda) de informar-se com Nilmário sobre as providências do governo petista de Minas. (Fotos reprodução Internet)

As ameaças a Frei Gilberto levaram Lula a encarregar Dulci (esquerda) de informar-se com Nilmário sobre as providências do governo petista de Minas. (Fotos reprodução Internet)

Quem defende a mineração na Zona da Mata mineira e tentou intimidar Frei Gilberto Teixeira, 48 anos, franciscano da Fraternidade Santa Maria dos Anjos, pároco da igreja de Santo Antônio, em Belisário, distrito de Muriaé (MG), pode ter mexido em casa de marimbondo e corre o risco de ser ferrado. Se ameaçar quem defende movimentos populares já é uma questão fora de propósito e merece punição, este caso ganhou maior projeção ao despertar a atenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao tomar conhecimento da ameaça, através da reportagem do Blog – O frei ameaçado pela bauxita (05/03) – ele tratou de buscar informações junto ao governo estadual de Fernando Pimentel (PT) sobre as providências em defesa do religioso.

Frei Gilberto, antes de residir na Zona da Mata atuou em Belo Horizonte, Santos Dumont e Betim, cidades mineiras. Nelas, conviveu com petistas hoje ainda influentes como o atual secretário de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania – SEDPAC, do governo de Minas, o ex-deputado federal e ex-ministro chefe da Secretaria de Direitos Humanos do governo Lula, Nilmário Miranda. Assim como com o ex-secretário geral da Presidência da República e diretor do Instituto Lula, Luiz Dulci, outro mineiro, natural justamente da Zona da Mata, onde fica Muriaé. Coube a Dulci, a pedido de Lula, procurar Nilmário para se inteirar dos fatos.

“Sei que o problema envolve, como pano de fundo, a CBA, a Votorantin e a bauxita. Trata-se de um tipo de mineração muito predatória. Frei Gilberto tomou a defesa do pessoal. De comunidades tradicionais que não  tinham proteção. E sofreu ameaça, Fomos informados dela há uma semana”, explica Miranda.

No domingo, 19 de fevereiro, após celebrar uma missa, o religioso foi abordado na casa paroquial por um desconhecido que o ameaçou com arma em punho: “Frei, o senhor está falando demais em mineração. Estou vindo aqui só para dar um aviso. Da próxima vez, se eu vier, não será agradável para o senhor. É para o senhor parar de falar de mineração nos seus espaços e aonde o senhor for”.

Como informamos na reportagem citada pela qual Lula tomou conhecimento do caso, “a ameaça veio acompanhada de detalhes da vida do frei.  O desconhecido deixou claro que o religioso vem sendo seguido, seja pessoalmente, seja – como suspeitam alguns na região -, pelo rastreamento do seu celular (…) Outro detalhe importante é que, no sábado anterior (18/02) ele presidiu uma reunião para discutir a Campanha da Fraternidade de 2017“, noticiamos.

belizario24

Nilmário estará em Belisário, distrito de Muriaé (MG), visitando Frei Gilberto, na Paróquia de Santo Antônio. (Foto do site: http://www.verdejava.com.br/lugares/belisario/)

Nilmário estará em Belisário na próxima terça-feira (14/03) para um encontro pessoal com Frei Gilberto – “que é nosso amigo, já era amigo nosso em Betim”. Levará a oferta do ingresso do religioso no programa de proteção dos defensores dos Direitos Humanos. “É um programa do Estado de Minas. Vamos mostrar como funciona, que tipo de proteção podemos oferecer. Ele não precisará sair do lugar em que vive. Antigamente, ninguém queria essa proteção porque para proteger tinham que mudar de cidade. Nós adaptamos o programa e hoje não precisa mais”, explicou.

Ele irá ainda a Leopoldina (61 quilômetros de distância), na sede da Diocese, encontrar-se com o bispo José Eudes Campos do Nascimento. Retornará a Muriaé à noite e se reunirá com a chamada sociedade civil da cidade – notadamente a rede de militantes da causa – na Casa de Direitos Humanos. Colherá a opinião dos moradores do município.

Algumas medidas de segurança para proteger o Frei já foram tomadas pela própria Igreja e os movimentos sociais que ele próprio defende. A cada noite dorme em um lugar diferente – casas de padres e de freiras, por exemplo. Passou a usar celulares com moderação, por medo de o rastrearem. Além disso, Miranda entende que diante das medidas adotadas, e mesmo sem procurar a CBA e outros possíveis envolvidos, o aviso de que ele está sob atenção do Estado já chegou aos envolvidos na ameaça. Dulci pensa parecido:

O Nilmário está acompanhando isso há alguns dias. Nós conhecemos Frei Gilberto porque ele era de Betim e trabalhamos muito com os franciscanos de Betim em torno de questões sociais. Como você disse no seu artigo, envolve uma empresa do Grupo Votorantin. Mas, mesmo não tendo vínculo direto, a empresa sabe que se acontecer alguma coisa com o frei obviamente haverá a suspeita“.

Além da proteção ao frei propriamente dita, Miranda, em nome do governo do Estado, está preocupado com a questão da exploração da bauxita. Tanto ele como Dulci ressaltaram se tratar de problema sério – “ela é muito tóxica”, ressaltou o diretor do Instituto Lula.

“Vamos reconhecer que há um conflito e iniciar procedimentos em torno do conflito. É uma maneira de proteção. Uma coisa é quando uma pessoa ameaçada está lá no distrito, sozinha. Outra é quando as instituições do Estado entram no assunto”, alerta Miranda.

Manifestação Regional – Após esses contatos, ao retornar a Belo Horizonte, ele procurará a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Vai convocá-la para um programa que o governo estadual desenvolve: Mesa de Diálogo.

“Trata-se de uma mesa que atua no Estado inteiro lidando com conflitos de toda natureza. Envolve outras secretarias e instituições do Estado, mas nossa secretaria é que, através da subsecretaria de Participação Social, mantém um grupo de mediação de conflitos. É um grupo de craques em conflitos. Então mobilizaremos o Batalhão da Polícia Militar, a Polícia Civil, a Defensoria Pública, o Ministério Público, a secretaria de Meio Ambiente, a Secretaria de Direitos Humanos, a empresa, os atingidos. Todos sentam à mesa. Depois da viagem, de conversar com todo mundo, vamos providenciar a mesa. Os mediadores vão aonde for preciso para realizá-la. É um processo, nós temos experiência em dezenas e centenas de mesas. Este processo só termina quando se tem uma solução pacífica do conflito”, explica.

Em Belisário, as principais lideranças dos movimentos de defesa dos direitos humanos, do MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração, da Comissão Pastoral da Terra, entre outros, se reuniram na noite de terça-feira (07/03) para preparar o encontro com Nilmário e também a manifestação regional que farão dia 26 de março em Defesa da Água e Contra a Mineração. O ato se concentrará na praça e irá até uma cachoeira. Será finalizado com uma celebração.

Na manhã de quarta-feira (08/03), o Blog procurou o escritório de advocacia Moraes Pitombo, que tem a CBA como uma das clientes. Não obteve êxito, pois o titular do escritório, Antônio Sérgio de Moraes Pitombo, estava ausente e não houve mais manifestação do mesmo.

Na nota dos advogados da CBA consta que não localizaram o Boletim de Ocorrência...

Na nota dos advogados da CBA consta que não localizaram o Boletim de Ocorrência…

O escritório encaminhou ao Blog do Pedlowski , editado pelo professor da Universidade do Norte Fluminense Marcos Pedlowski, Notificação Extrajudicial, pela reportagem no dia seguinte à ameaça ao religioso: Conflitos da mineração em MG: religioso sofre ameaça para abandonar organização da resistência popular em Belisário.

Na Notificação, os advogados Guilherme A de Moraes e Claudio M. Henrique Daólio chegam a questionar a veracidade dos fatos. Dizem não ter encontrado registro de ocorrência policial nem na Polícia Militar, tampouco na Polícia Civil de Muriaé. Esqueceram que a denúncia inicial partiu do bispo da Diocese de Leopoldina (MG), dom José Eudes, a quem o Frei Gilberto é subordinado.

Seria o caso de questioná-los se acham que o bispo, ao divulgar uma nota na página oficial da Diocese de Leopoldina, mentiu?

Também rechaçam insinuações de que a CBA estaria por detrás das possíveis ameaças:

“Nesse sentido, as acusações de danos às comunidades e de envolvimento em suposta ameaça revelam-se desprovidos de qualquer amparo, configurando graves ofensas à honra e imagem da Notificante (no caso, CBA) potencializado a partir da repetição da matéria, veiculada em diversos sites e veículos de comunicação”.

Diretores da CBA correram ao bispo dom José Eudes para garantir que a empresa não tem relação com a ameaça ao Frei, a qual, segundo a nota da Diocese, foi um “atentado por ameaça de morte com exibição de arma de fogo”. Mas não procuraram o atingido. Preferiram ir à “Casa Grande”.

Vale, porém, ressaltar que em momento algum o Blog do Pedlowski acusou a mineradora de participação na ameaça. Mas, como a própria nota admite, é a CBA a única a explorar a bauxita na região. Logo, qualquer pessoa interessada na bauxita só poderá revendê-la à empresa que tem na sua planta industrial uma fábrica de alumínio. Isto a coloca com possível interessada na matéria prima que outros, intermediários ou mesmo proprietários de área com jazidas, tenham interesse em lhes vender. Com isso, passam a ter motivos de sobra para combater aqueles que lideram movimentos contrários à mineração da região. A beneficiária final, queiram sou não, será a CBA.

... mas o registro foi feito no BO de nº

… mas o registro foi feito no BO de nº RED 2017.0033785270-001 e nele o Frei Gilberto ….

Investigação paralisada – O conceituado escritório de advocacia paulista afirma na notificação extrajudicial que:

A Notificante (CBA) procurou as Polícias Militar e Civil de Minas Gerais, a fim de localizar o registro da suposta ameaça que, no entanto, não existe”. (veja ao lado)

Pelo jeito, a equipe não trabalhou a contento. Há o Boletim de Ocorrência – RED 2017.0033785270-001 (veja ilustração) – como também Inquérito Policial (IPL) instaurado. Bastava um estagiário do famoso escritório telefonar, como fez o Blog, para a 32ª Delegacia Policial de Muriaé, em cuja jurisdição está o distrito de Belisário, que facilmente confirmaria a instauração do IPL 5856510-73 (conforme registro do PCNET, que engloba todos os inquéritos da Polícia Civil de Minas). O delegado Olival Marcelo Lopes Aguiar é responsável pelo caso.

A investigação, porém, encontrava-se paralisada. Na quarta-feira (08/03), o delegado Marcelo alegou que não conseguira localizar Frei Gilberto para convidá-lo a depor.

... . descreve o fato e o autor da ameaça como sendo um homem moreno, com entre 1,70m a 1,75m de altura, aparentando 40 anos, cabelo grisalho anelado e com um detalhe interessante: uma verruga sobre o olho direito.

… . descreve o fato e o autor da ameaça como sendo um homem moreno, com entre 1,70m a 1,75m de altura, aparentando 40 anos, cabelo grisalho anelado e com um detalhe interessante: uma verruga sobre o olho direito.

Ele recorreu ao celular que consta do Boletim de Ocorrência, aquele que Frei Gilberto deixou de usar. Isto, após dez dias úteis (sem contar o carnaval e a quarta-feira de cinzas) do registro e de a distância entre a delegacia e a Paróquia de Santo Antônio, em Belisário, ser de 36 quilômetros. Foi através do Blog que o frei soube estar sendo esperado no distrito policial onde comparecerá nesta quinta-feira (09/03).

“O registro é muito superficial, ele simplesmente registrou uma ocorrência de ameaça, à pessoa dele e não identifica nenhuma pessoa. Ele fala que é uma pessoa desconhecida e que possivelmente tinha acesso a alguns dados pessoais dele, aonde ele ia, onde ele ficava. Só isso, mais nada. Estamos ansiosos aqui para conversar com ele para nos dar maiores subsídios sobre os fatos”, esclareceu.

Há, porém, um detalhe curioso no Boletim de Ocorrência. Ao considerar quem lhe ameaçou um homem desconhecido na região, pois nunca o vira antes, o Frei o descreveu: “moreno, com altura entre 1,70 m e 1,75m, aparentando 40 anos, cabelos grisalhos anelados”. Ainda incluiu um detalhe que pode fazer a diferença na identificação/localização do ameaçador: uma verruga sobre o olho direito.

Ao comentar as ameaças que sofreu com o Blog, Frei Gilberto, que há 21 anos é sacerdote, trabalhou seis anos como diretor de um colégio da Congregação dos Frades Menores em Belo Horizonte, onde também recebeu cartas anônimas lhe ameaçando – que partiram de um ex-empregado, como a polícia identificou – depois atuou dois anos em Santos Dumont e 12 anos em Betim, diz que sabe a causa, mas não pode apontar o responsável pela ameaça, pois são muitos os interessados:

A ameaça foi muito clara, relacionada à questão da mineração. Ao fato de eu estar falando muito, segundo ele, sobre a mineração. Aqui, de fato a gente tem desenvolvido um trabalho de resistência, de conscientização da população da importância da nossa região na produção da água, da preservação da Mata Atlântica, do fato de estarmos em torno do Parque da Serra do Brigadeiro. Temos feito um trabalho nesse sentido nas comunidades. Fizemos, em novembro, uma manifestação bem grande, com a participação de muita gente. A mensagem foi direcionada a isso. Agora, eu não posso afirmar que seja diretamente da mineradora, que a mineradora esteja por trás disso. Não tenho como. Há fortes indícios que sejam pessoas daqui mesmo, que tenham interesse na chegada dela. Podemos suspeitar fortemente que seja alguém daqui da região também. Só que uma coisa é muito ligada a outra, as vezes as pessoas agem também induzidas. Então não sabemos até que ponto vem da mineradora ou até que ponto vem de gente daqui da região mesmo“.

A resposta a estas dúvidas, agora está nas mãos do delegado Olival Marcelo Lopes Aguiar e, em última instância, com o governo petista de Minas Gerais.

 

2 Comentários

  1. Reinaldo Barberine disse:

    Muito boa a matéria. Temos que de fato da visibilidade o fato, para mostra que o Frei Gilberto não está só nesse mutirão em defesa da Vida.
    Desde a década de 80 existe na região é assediada por empresas de mineração, umas das principais a CBA. Nos anos 80, fizeram levantamentos das propriedades, mapeando onde havia o minério (bauxita), porém, não informaram aos Agricultores Familiares do que se tratava. Nos anos 90 iniciaram essa exploração em Itamarati e Minas e foram paulatinamente adentrando nos municípios em que não havia resistências. Com objetivo de avançar o processo de exploração em em 2003, manifestaram concretamente o desejo de explora mais e lucra mais. Assim tentaram garantir uma única audiência para ter em mãos licenças Ambientais para a exploração no raio de 160 Km por 30Km na Zona da Mata mineira. As organizações do campo não permitiram, muitas lutas foram realizadas, várias audiências, reuniões públicas. Criamos uma Comissão Regional de resistências e lutas contra esse Projeto de Morte que ´representa a Mineração que ameaça Vida, as comunidades, ameaça a agricultura Familiar centenária na região. Frei Gilberto logo que chegou em 2010, se colocou nessa luta incondicionalmente. Essa ameaça é fruto dessa luta que se fortaleceu muito com sua postura profética na Paróquia e na região. A Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais está junto nessa luta , temo clareza que somente a luta organizada nos garante e nos permite continuar firmes hoje e sempre resistindo, fazendo luta, contra a aqueles que ameaçam a Vida. Essa luta é nossa, essa luta é do povo, é só lutando que se constrói um mundo novo.

  2. Jane Querido Hernandes disse:

    Ótima essa reportagem do blogue. Frei Gilberto , por sua história vivida de lutas pelos menores, merece uma apuração intensa sobre o ocorrido. Conheço-o há muito tempo, trabalhei com ele e sei que sua vida é de total dedicação pelos menos favorecidos. Um Franciscano encarnado de atitudes do nosso querido São Francisco de Assis, o qual vive com intensidade o carisma deixado pelo Santo. Parabéns ao blogue pelas informações precisas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com