Editada às 19h15 minutos para acréscimo de informações.
Marcelo Auler
Operação Lava Jato no Rio está encontrou uma barreira difícil de ser transposta: a falta de tecnologia e instrumentos eletrônicos apropriados à nova realidade processual. A começar pelo sistema de informática adotado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região para os processos eletrônicos. Ele não permite que, como ocorre no Paraná, as peças processuais sejam de acesso público.
Há, porém, fatos mais prosaicos, como a inexistência no Rio de tornozeleira eletrônica. Com isso, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, onde tramita a ação criminal por corrupção (passiva e ativa) e lavagem e/ou ocultação de bens, direitos ou valores, contra 14 acusados de tirarem proveitos nos contratos de obras da Eletrobras Termonuclear S/A – Eletronuclear, precisou retardar a prisão domiciliar do almirante reformado Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, preso em julho.
A concessão da prisão domiciliar se deu na quarta-feira, dia 16, mas ainda na quinta-feira o juiz esperava conseguir com a Justiça do Paraná, uma tornozeleira para poder autorizar a saída do preso do quartel dos Fuzileiros Navais, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Por conta da tornozeleira, o almirante ficou mais 48 horas preso, pois somente na tarde desta sexta-feira (18/12) é que conseguiu ir para casa. Sem o apetrecho.
Othon acabou indiretamente beneficiado-se de uma decisão liminar do desembargador Ivan Athié. Ele, no dia 17 (quinta-feira), colocou outros dois réus – José Antunes Sobrinho (dono da Engevix) e Flavio David Barra (executivo da Andrade Gutierrez) – em prisão domiciliar. O juiz Bretas havia negado o benefício aos mesmos, no dia 16.
O desembargador, no entanto, entre as medidas determinadas a serem cumpridas pelos dois na prisão domiciliar, não incluiu o monitoramento eletrônico por meio de tornozeleiras. Com isto, provocado pelo advogado de Othon, Helton Marcio Pinto, o juiz Bretas se sentiu no dever de, por questão de isonomia, liberar o almirante do uso do aparelho eletrônico.
Quando concedeu a medida, ele previu a dificuldade do uso da tornozeleira por elas não estarem disponíveis. Na audiência do dia 16, ele foi claro:
“No Rio de Janeiro nós não temos, é muito difícil, tornozeleira eletrônica. Possivelmente não terá, possivelmente não teremos disponível para que ele possa fazer uso. Vou oficiar à Polícia Federal para que monitore a observância da prisão domiciliar”. Ele também determinou o contato com a “12VF/Curitiba sobre a possibilidade de cooperação para a colocação do equipamento”.
Transparência do processo – Esta não é a única dificuldade que o magistrado vem encontrando para fazer tramitar o processo com toda a transparência prevista na legislação. Por incrível que possa parecer, trata-se, na verdade, da primeira ação criminal a tramitar na Justiça Federal como processo eletrônico. Ao recebê-la – a ação foi impetrada na 12ª Vara Federal de Curitiba e depois, por decisão do ministro Teori Zavascki, redistribuída para o Rio – Bretas procurou a presidência do tribunal Regional Federal do Rio em busca de solução para a questão do processamento eletrônico. Ouviu promessas, mas elas ainda não foram cumpridas.
No Paraná, os processos que tramitam nas Varas Federais Criminais acabam sendo público, pois é comum os juízes concederem a chamada “chave” que permite a consulta de todas as peças.Lá também, as audiências que são filmadas, entram na integra no andamento processual, por meio de links.
No Rio, o sistema adotado pelo TRF-2, provavelmente por um erro de opção da tecnologia contratada no passado – não tem permitido este acesso. Com isso, o grande público – incluindo jornalistas – só pode verificar os despachos do juiz no sistema Apolo. Isso contraria a Constituição e os Códigos de Processo que prevêem a publicidade dos atos processuais quando não há necessidade de segredo de Justiça.
Questionado pelo blog através da assessoria de comunicação do Tribunal, o corregedor regional, desembargador Guilherme Couto de Castro informou, no início deste mês, que
“está sendo criada uma rotina no portal de consulta processual, para que os jornalistas possam se cadastrar e ter acesso a todas as peças processuais não sigilosas que tenham sido publicadas. Ou seja, trata-se de uma questão técnica, que deve estar solucionada na semana que vem”.
Decorridas duas semanas da promessa, o processo ainda não está disponível com todas as suas peças. Continua só sendo o acesso público às decisões do juiz.Na resposta da assessoria, houve uma complementação:
“O corregedor pediu para ressaltar que ele reconhece a importância de dar amplo acesso à imprensa aos documentos que envolvem esse caso de interesse da sociedade. Então, acho que é só aguardar mais alguns dias para que o novo procedimento esteja disponibilizado na internet”.
Na verdade,o acesso é importante para qualquer cidadão verificar como anda um processo judicial, ainda mais sendo, como reconhecido, “caso de interesse da sociedade”. Deveria independer de ser ou não jornalistas.
Isto demonstra que o Judiciário brasileiro – e não se trata de uma questão apenas do Rio de Janeiro – não sabe lidar ainda com o processo eletrônico pois desde que ele foi instituído, com raríssimas exceções – como acontece no Paraná – os processos passaram a tramitar sem acesso público, ou seja, quase que em segredo, mesmo quando não houve decretação do segredo de Justiça.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Sul do país), onde o sistema é o mesmo utilizado pela Justiça Federal do Paraná, apelações criminais tramitam sem que todas as peças do processo sejam acessíveis ao público. Ali, não se trata de questão de tecnologia, mas de decisão política dos desembargadores.
No caso do TRF-2, é uma questão antiga, já levada a alguns antecessores do corregedor Guilherme Couto, mas que não teve qualquer solução.
Para driblar estas dificuldades, o juiz Bretas determinou que as audiências passem a ser filmadas e, na impossibilidade de disponibilizá-las pelo site da Justiça Federal, as repassa à assessoria de imprensa para os jornalistas interessados copiarem.
Diferença de tratamento – Ao negar a prisão domiciliar ao réu José Antunes Sobrinho, o juiz considerou que ele poderia, foram da cadeia, interferir na instrução do processo, mesmo ele já tendo se desligado da Engevix. Situação
Já no caso de Othon, ele entendeu diferente, uma vez que sua antiga ocupação era em uma empresa estatal: “Trata-se de uma instituição pública, e o Sr..Othon, hoje, não pode, a menos que haja algum tipo de cobertura por outros agentes, ingressar nas dependências da Eletronuclear para mexer na documentação”
Levou em conta ainda a idade dele – 76 anos – e a situação de saúde da mulher, acometida de Alzheimer, quando ressaltou: “a pena no processo não deve atingir pessoas estranhas aos autos, sua família. É preciso que o processo se de, com suas medidas cautelares, sem prejuízo da pessoa humana”.
Outra diferença entre o juiz de primeira instância e o desembargador foi na hora de deter minar cautelarmente as medidas que o réu em prisão domiciliar deveria respeitar. O juiz relacionou 11 medidas. O desembargador, apenas cinco, a saber:
Mais uma vez, para não dar tratamento diferenciado as presos do mesmo processo, Bretas acompanhou as determinações do desembargador. Com isso, deixou se fora outras seis medidas que pretendia adotar, tais como:
Proibição de sair do condomínio em que reside, salvo para cumprir as determinações deste juízo; Proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio, salvo sua filha Ana Cristina da Silva Toniolo (uma das acusadas); Proibição de receber visitas, salvo de parentes próximos, advogados e médicos;.Proibição do exercício de qualquer função em entidade da Administração Pública, direta ou indireta, federal, estadual, distrital ou municipal; Suspensão do exercício profissional de atividade empresarial, financeira e econômica; Comparecimento quinzenal em juízo, sempre às segundas-feiras, salvo feriado, quando deverá se apresentar no primeiro dia útil seguinte, para informar e justificar suas atividades. Durante o recesso forense deverá se apresentar perante o juízo de plantão; e, por fim, o monitoramento eletrônico (tornozeleira) que, na falta do equipamento, seria substituído por uma vigilância periódica da Polícia Federal.
8 Comentários
[…] Lava Jato no Rio esbarra na falta de tecnologia […]
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Marcelo, cadê os audios do grampo da cela ? Deu em.nada ? Atualiza a gente sobre isso…
Deixa eu ver se entendi.
Então a justiça federal, única no Brasil, não usa um único sistema de processamento eletrônico dos processos.
Será que para cada região há um sistema “desenvolvido”?
O custo de desenvolvimento de um sistema é caríssimo e se cada região tem um foram gastos milhões para não se ter compatibilidade entre eles.
É de doer tanta falta de inteligência.
Imaginem o Bill Gates desenvolvendo um Windows para cada país. Ele sequer seria rico hoje.
É simplesmente ridículo e difícil de acreditar.
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Mais uma boa reportagem, mostrando como se faz jornalismo de verdade. É informativa e crítica, sem desbordar para o tom opinatório predominante no jornalismo das grandes corporações. A tecnologia inadequada ou a falta dela prejudica o funcionamento da Justiça e dificulta o acesso à informação por parte de jornalistas e mesmo os simples cidadãos. Quando se trata de processos envolvendo interesse público, mais grave ainda se torna essa questão.
O repórter não emite opinião sobre o tratamento dado ao almirante reformado Othon Luiz Pinheiro da Silva – cientista nuclear mundialmente reconhecido pela competência técnica, coordenador do programa nuclear brasileiro, responsável pelo desenvolvimento das ultra-centrífugas para enriquecimento de urânio, tecnologia que só o Brasil detém – mas nas entrelinhas sugere que discorda da conversão da prisão dele de preventiva para domiciliar, sem uso de equipamento eletrônico de monitoramento.
As determinações do juiz Marcelo Bretas se assemelham àquela lista de efeitos colaterais, que os fabricantes de medicamentos colocam nas bulas, ou seja, quase nunca são observados e quase sempre ignorados pelos médicos e pacientes. E cuja leitura/acatamento se mostram quase sempre desnecessários. Muito mais razoável é a lista de determinações do desembargador Ivan Athié, composta de cinco medidas. Em outros países – inclusive nos EUA – um juiz de primeiro grau, como sérgio moro, jamais encarceraria um cientista nuclear como Othon Luiz. Basta ver como aquele país tratou Werner von Braun e a equipe de cientistas que com ele trabalhava, na Alemanha nazista.
Enfim, com a derrota do golpismo e com o arrefecimento da Lava Jato, há alguma esperança de que o País possa retomar a normalidade a partir do próximo ano. Era salutar tirar os super-poderes de sérgio moro e delimitar o raio de ação da operação, pois ficou claro para todos os de boa vontade que o propósito da LJ é provocar e manter o clima de instabilidade institucional, de crise política e econômica, tornando o País ingovernável, enfraquecendo e aniquilando o governo, a presidente Dilma, O PT e a esquerda. O ministro Teori Zavascki ainda terá muito trabalho, pois as equipes da PF, do MP, assim como o juiz federal responsável pelos processos decorrentes da LJ, sempre apoiados e insuflados pelos meios empresariais de comunicação, têm demonstrado um voluntarismo, vaidade e ativismo político-partidário que precisam ser contidos.
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