Para alguns foi algo normal. Para outros, uma saia justa.
Dez anos depois de ser preso em sua residência sob a acusação de venda de sentenças favoráveis à máfia que explora os jogos eletrônicos, motivo que levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinar sua aposentadoria compulsória, o desembargador federal José Eduardo Carreira Alvim foi homenageado, segunda-feira (23/10), no Centro Cultural da Justiça Federal do Rio de Janeiro, em cerimônia que abriu as comemorações do Cinquentenário da reinstalação da Justiça Federal no estado.
Curiosamente, na mesma seção judiciária que lhe presenteou com uma placa comemorativa é onde ele, hoje, responde a uma Ação Penal. Trata-se do processo 0504548-46.2017.4.02.5101 no qual, ao lado de Virgilio de Oliveira Medina – irmão do ministro do STJ, também aposentado compulsoriamente, Paulo Medina – responde pelos crimes de formação de quadrilha, prevaricação e corrupção. A ação está na fase das alegações finais e será julgada pela titular da 6ª Vara Federal Criminal, Ana Paula Vieira de Carvalho, a quem Carreira Alvim já criticou asperamente.
O Blog, que ao editar a matéria não tinha confirmado se a ministra Laurita Vaz sabia da homenagem a um magistrado acusado de corrupção, na noite de quarta-feira (25/10) foi procurado pela assessoria de imprensa daquela corte. A ministra disse não ter sido informada da presença de Carreira Alvim na cerimônia. Ela não foi consultada e nem comunicada sobre quem estaria presente, segundo informou sua assessoria, que complementou: “tudo ficou sob a responsabilidade da seção da Justiça Federal do Rio de janeiro“, explicou a assessoria.
Sem cumprimento – A ministra deixou de cumprimentar Carreira Alvim ao ingressar no auditório do Centro Cultural da Justiça Federal e passar pelo mesmo, posicionado na primeira fila. Mas, na hora em que ele foi chamado ao palco, recebeu dele cumprimentos, com um respeitoso beijo na mão.
Já o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desembargador André Fontes, em momento algum lhe dirigiu a palavra. Nem por ele foi cumprimentado no palco. Fontes, que foi alvo de críticas em um livro escrito pelo desembargador aposentado, não esconde que o ignora: “Não nos falamos. Não o reconheço”, explicou depois ao Blog.
Comportamento diferente teve o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Mario Veloso. Os dois foram colegas na universidade em Minas Gerais e desenvolveram uma boa amizade. Isto ficou patente nos abraços afetuosos que Veloso lhe dispensou ao chegar ao auditório e quando Carreira Alvim subiu ao palco. Confira no vídeo a hora da entrega do prêmio:
Processa, pune e homenageia – André Fontes deixou claro também que o TRF-2 não tomou a iniciativa de convidar Carreira Alvim, tampouco aprovar seu comparecimento à cerimônia. Creditou a presença dele a uma decisão da diretora da seção Judiciária do Rio de Janeiro, a juíza Helena Elias Pinto. “Nós respeitamos a seção judiciária. Nós não fazemos intervenções nas administrações das seções”, explicou.
Contudo, não esconde que a ele também pareceu que soará estranho ao público uma homenagem como esta no atual momento em que o país vive. Um momento que a ministra Laurita Vaz ressaltou no seu discurso, lembrando o papel do Judiciário no combate à corrupção:
“Neste momento, em que o país expõe suas feridas, mostra quanto o sistema político, administrativo e econômico está permeado de corrupção e desvios, a Justiça Federal se apresenta como instituição firme e independente, capaz de investigar, processar e punir autoridades e grandes empresários que outrora se escondiam na sombra do poder”, expôs. Confira no vídeo.
Já o ministro Veloso, no seu discurso, após fazer um histórico da implantação da Justiça Federal no país – suspensa pela ditadura do Estado Novo, ela foi reinstalada em 1967, em plena ditadura militar – citou problemas ainda existentes, como a demora nos processos e sugeriu estudos e levantamentos, inclusive regionais sobre o número de juízes necessários. Mas, ao final, garantiu que a Justiça no Brasil, é boa. Apesar da presença de carreira Alvim, ele ainda acrescentou:
“Não existe o problema de corrupção na Justiça brasileira“. E repetiu: “Não existe“.
Saindo pela tangente – No caso específico da Operação Furacão que desbaratou um esquema de negociação de sentenças favoráveis aos contraventores que exploravam jogos eletrônicos no Rio de Janeiro, não foi bem um caso pontual.
Como noticiou o Estado de S. Paulo (edição de 14/04/2007), dia seguinte à deflagração da Operação Hurricane (Furacão, em inglês), entre os presos estavam dois desembargadores federais do Rio – Carreira Alvim e o já falecido José Ricardo de Figueira Regueira.
Havia ainda o juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, Ernesto da Luz Pinto Dórea e o procurador regional da República do Rio, João Sérgio Leal Pereira (ambos tiveram extinta a punibilidade do crime de associação criminosa, cuja pena máxima é de três anos, por prescrição, ou seja, quando o processo completou oito anos sem ter sido julgado).
Outro dos envolvidos à época foi o então ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Geraldo Oliveira Medina. Sua presença no processo fez com que o caso fosse para o Supremo Tribunal. Mas, na medida em que o CNJ o aposentou compulsoriamente (agosto de 2010) ele perdeu direito ao foro especial. O processo foi para o STJ, por ainda incluía o juiz do TRT e o procurador regional.
No STJ, a defesa de Paulo Medina ingressou com uma ação de insanidade, suspendendo o processo contra o mesmo, o que provocou seu desmembramento.
Com a extinção da punibilidade de João Sérgio e Ernesto Luz, o caso retornou para a 6ª Vara Federal Criminal do Rio, onde a investigação tinha iniciado e permaneceu até esbarrar na participação do ministro do STJ. Na Ação principal restaram a ser julgados Carreira Alvim e Virgílio Medina, o irmão do ministro do STJ.
Como o incidente de insanidade alegada pela defesa Paulo Medina não foi constatada pela perícia – identificou-se o início de uma doença de Parkinson, que não foi considerada causa para suspensão da ação -, o processo dele, desmembrado dos demais, também tramita hoje na 6ª Vara Federal do Rio.
Ao final da cerimônia de segunda-feira, o ministro Veloso, solícito, não se furtou a comentar a situação. Mas tangenciou ao ser questionado ser não soaria mal à sociedade a homenagem a um réu.
“Vamos deixar que a 6ª Vara o julgue. Não somos nós que temos que julgá-lo“.
Convém apenas lembrar que, administrativamente, o Conselho Nacional de Justiça já o julgou e o considerou culpado.
Exemplo a ser seguido? – A juíza Helena Elias Pinto, ao ser questionada sobre o convite a um desembargador aposentado compulsoriamente pelo CNJ, justificou-o com a explicação da participação dele na reinstalação da Justiça Federal no estado:
“A Direção do Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro informa que o principal objetivo da sessão solene realizada no dia 23 de outubro de 2017, no Centro Cultural Justiça Federal, foi inaugurar as comemorações dos 50 anos de reinstalação da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Nesse contexto, foi realizada uma homenagem aos juízes federais mais antigos da Seção Judiciária, tendo sido adotado um critério objetivo: todos os magistrados que tomaram posse entre 02 de outubro 1967 (dia da reinstalação da Justiça Federal no Rio de Janeiro) e o dia 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da atual Constituição da República). Não houve inclusões ou exclusões. O critério utilizado para a definição dos homenageados foi informado ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região e ao Conselho da Justiça Federal”.
Talvez ela não tenha percebido, mas o critério de incluir todos, sem pré-seleção, de certa forma pode ter gerado constrangimento a alguns dos homenageados, justamente pelo discurso que ela fez no ato, ao iniciar a entrega das placas comemorativas.
Ali, ela igualou a todos, ressaltando “a coragem, a serenidade, a capacidade técnica, a austeridade e o senso de responsabilidade social que são marcas dos nossos primeiros juízes federais”, como consta desta parte do discurso dela:
Diante da indicação dela de que “foram estes magistrados, os homenageados de hoje, que ajudaram a construir uma tradição que é reconhecida e que deve ser a nossa inspiração diária na construção da Justiça Federal que sonhamos para o futuro”, acabou colocando como exemplo a ser seguido pelas novas gerações um magistrado que, acusado de corrupção, foi punido pelo CNJ. Servirá ele de exemplo realmente?
6 Comentários
Parabéns, Marcelo.
Justiça sem autocrítica vira pavão.
E o povo pagando, na carne e no bolso.
Laurita Vaz? Vejam este link e tirem suas conclusões!
https://jornalggn.com.br/tag/blogs/laurita-vaz
[…] Quem conta a história inacreditável, com todos os detalhes, é Marcelo Auler, em seu blog. […]
Controle externo do judiciário, ou as aberrações não cessarão (nem serão explicadas porque não interessa a ninguém – nem a quem paga as contas da justiça)!
[…] no blog do Marcelo […]
Caro Jornalista Marcelo Auler,
Essa reportagem, narrando a homenagem a juiz/desembargador aposentado compulsoriamente porque réu em ação penal, promovida pela Justiça Federal em que ele atuou e que deverá julgá-lo retrata fielmente o que é o sistema judiciário brasileiro: uma oligarquia escravocrata, plutocrata, cleptocrata, privatista e entreguista, além de corporativista.
Não preciso fazer longo comentário. Termino com duas notas publicadas hoje no DCM.
“Com direito a 60 dias de férias e cinco feriados a mais do que os fixados em lei, o Supremo criou mais um descanso prolongado neste ano para ministros e servidores. Sob o comando da ministra Cármen Lúcia, a Corte transferiu o Dia do Servidor Público, que cai no sábado, 28, quando não há expediente, para uma sexta-feira, 3, dia normal de trabalho. Com a medida, salvou o feriado, que seria perdido, e ainda esticou a semana de Finados. Dia 1.º de novembro, quarta-feira, já não trabalham por ser feriado do Judiciário; dia 2, quinta-feira, é Finados e dia 3 (sexta), que não seria feriado, agora é.”
“Sem fazer barulho, o STF negou no início de outubro um mandado de segurança para desengavetar um pedido de impeachment de Gilmar Mendes.
O pedido de impeachment foi feito ao Senado pelo advogado paulista Celso Bandeira de Mello e arquivado, em setembro de 2016, por ato de ofício de Renan Calheiros, à época, presidente da Casa.
Bandeira de Mello argumenta que Renan não poderia ter arquivado monocraticamente porque, como responde a processo no STF, em que Gilmar Mendes vota, não seria imparcial.
Os ministros do STF rejeitaram o mandado de segurança em votação eletrônica, discretíssima. Cada um envia seu voto por um sistema, sem necessidade de reunião, ou de justificativa. O sistema para envio dos votos ficou aberto entre 29 de setembro e 5 de outubro. O acórdão foi publicado ontem.
Marco Aurélio, que afirmou ter “relação de inimizade” com Gilmar Mendes, declarou-se impedido. Gilmar Mendes, por ser parte interessada, também.
Fora isso, somente o relator, ministro Edson Fachin, justificou seu voto. Para ele, a Constituição garante ao presidente do Senado a competência para analisar pedido de impeachment de ministro do Supremo.
Quanto aos demais, o que pensam sobre o assunto, jamais saberemos.”