“(…) é da essência das atribuições dos agentes públicos atuantes nas mais diversas esferas de alguma forma ligadas à Justiça (aqui incluídas aquelas afetas à investigação criminal) que suas práticas (ressalto, mesmo que absolutamente legais e corretas) muitas das vezes não sejam aplaudidas pelas maiorias e, em sendo seu papel contramajoritário, é esperado que, por vezes, uma ou mais pessoas – muitas vezes um coletivo – insurjam-se contra suas opiniões, pareceres, relatórios, investigações ou decisões” (Juíza Simone Barbisan Fortes).
Em uma decisão em que ao mesmo tempo, “adverte” servidores para a possibilidade de serem criticados, ressalta o papel da democracia e, nele, o direito à livre manifestações, bem como acaba puxando a orelha do procurador da República autor da denúncia, a juíza titular da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Simone Barbisan Fortes, rejeitou, no final da tarde desta quinta-feira (30/08), o processo contra o atual reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes. Ao saber da decisão, Acioli Cancellier de Olivo, irmão mais velho do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier, desabafou: “Ainda existem juízes em Berlim”.
“O caso em análise, em meu sentir – dado que, repito, não há qualquer manifestação do dissabor sofrido pela autoridade -, constitui situação adversa suportada pelas autoridades em razão de suas atribuições funcionais, mas que não refletem insulto maior do que eventual manifestação quiçá da comunidade acadêmica em face de um evento traumático”, diz Simone em sua decisão.
Curiosamente trata-se do segundo processo na mesma Vara Federal que acaba decidido a favor da UFSC pela ausência da juíza Janaina Cassol Machado. Em setembro de 2017, após ela ter mandado prender o ex-reitor Luiz Carlos Cancellier Oliva, juntamente com outros seis professores e servidores que atuavam no Ensino à Distância na universidade, foi uma juíza que a substituiu durante uma licença médica quem determinou, no dia seguinte, a libertação dos presos. Desta vez Janaína está em féria e o processo que a ela estava vinculado acabou sendo despachado pela titular da Vara.
Contradizendo o procurador – Para rejeitar a denúncia de pronto a juíza Simone inicialmente, na quarta-feira, mandou que reautuassem a peça. Ela entendeu que o crime imputado ao reitor e ao chefe de gabinete – injúria – é de menor potencial ofensivo e, portanto, o caso deveria tramitar pela Justiça Especial Criminal, com rito mais rápido. Vinte e quatro horas depois, ela dispensando qualquer audiência de conciliação, analisou a denúncia e conclui que a peça era inepta. A começar pela capitulação do crime.
Na sua decisão (cuja integra reproduzimos abaixo) ela mostra que a representação da delegada Erika Mialik Marena contra as manifestações ocorridas no hall da reitoria da UFSC, em 18 de dezembro, quando uma foto de Cancellier foi colocada junto a galeria dos ex-reitores, foi por um possível crime de calúnia. Quem tratou o caso como injúria foi o procurador da República que assinou a denúncia, Marco Aurélio Dutra Aydos.
Em outro momento, registrou não existir na representação da delegada de polícia federal “qualquer menção relativa a sentimentos pessoais que reflitam o dissabor que as faixas teriam ocasionado a sua honra subjetiva”. Lembrou ainda, em outra passagem, inexistir “nos autos qualquer referência da Representante quanto à ofensa a sua honra – quer fosse pessoal quer fosse funcional”.
Com tais citações contradisse o procurador Aydos. Ele, na denúncia protocolada sexta-feira, alegou que os dizeres da faixa portada por manifestantes no hall da reitoria “inequivocamente ofende a honra funcional subjetiva” da delegada. Na mesma peça ele insistiu que as críticas deram “causa injustamente a diminuição do sentimento pessoal de autoestima, eis que publicamente caracterizada pela qualidade negativa de “agente público que pratica abuso de poder” e necessita de “punição” para “reparação dos [seus] malfeitos”.
Para a juíza, mesmo que a representação da delegada falasse em outros possíveis crimes, não havia guarida legal para imputar a injúria aos acusados. “Tenho que o sentimento de dissabor das autoridades públicas constantes na faixa haveria que ser extremo para levar à configuração do delito de injúria”, sentenciou. Foi quando então lembrou que agentes públicos atuantes nas esferas ligadas à justiça nem sempre devem esperar os aplausos de todos, como consta da frase na epígrafe desta reportagem – “suas práticas (ressalto, mesmo que absolutamente legais e corretas) muitas das vezes não sejam aplaudidas pelas maiorias”. Insistindo na tese da necessidade de agentes públicos entenderem as críticas que lhes são feitas, acrescentou:
“O caso em análise, em meu sentir – dado que, repito, não há qualquer manifestação do dissabor sofrido pela autoridade -, constitui situação adversa suportada pelas autoridades em razão de suas atribuições funcionais, mas que não refletem insulto maior do que eventual manifestação quiçá da comunidade acadêmica em face de um evento traumático“.
Sentimento de injustiça – Ela também destacou o trauma provocado pela morte do reitor na comunidade acadêmica para se entender as críticas:
“Independentemente de qualquer análise dos autos e dos fatos, foi notório na capital catarinense, em certos setores sociais, o descontentamento e mesmo a revolta propiciados pelos pleitos e decisões no âmbito da denominada pela Polícia Federal Operação Ouvidos Moucos. A repercussão fugiu da esfera da instituição e ganhou força no cenário nacional, tendo sido diversas as manifestações associando o suicídio do ex-Reitor Cancellier às investigações e procedimentos delas advindos. Simples pesquisa em sites de busca na internet permite o acesso a diversas notícias veiculadas nesse sentido”.
Ao comentar os dizeres da faixa, destacou que apesar de parecerem fortes simplesmente refletiam o sentimento de injustiça que muitos vivenciaram. Associou a este sentimento o direito à liberdade de manifestação:
“Ao que parece, nesse contexto de revolta social é que teria sido confeccionada a faixa com dizeres tão fortes. Um olhar mais atento, contudo, permite retirar desses dizeres a busca por suposta justiça daquele(s) que, naquele momento, sentia(m)-se (corretamente ou não) injustiçado(s). Falo aqui de um sentimento que não se poderia exigir estivesse eivado da mais estrita parcimônia, cometimento ou tranquilidade. O uso da faixa em ocasião em que se homenagearia justamente o falecido reitor – e mesmo junto ao campus universitário que ele administrava até o momento em que fora determinada judicialmente sua retirada – parece-me manifestação atinente à liberdade de pensamento e de expressão que se espera possível dentro de um centro acadêmico”.
Ao rejeitar de vez a imputação do crime de injúria, expôs que no seu entendimento constata-se ausência “do específico de conscientemente buscar magoar e ofender, tal como ocorrem com as injúrias eventualmente proferidas no calor de discussões. Ademais, ainda que eventualmente tenham magoado a honra e a reputação de autoridades, podendo ocasionalmente virem a responder por um ilícito cível, suas condutas em princípio não satisfazem aos requisitos para a configuração do crime de injúria!”
Ela ainda analisou a possibilidade do crime de calúnia. Ao fazê-lo lembrou que os dizeres da faixa não imputavam um fato determinado às autoridades criticadas: a delegada Érika; a juíza Janaina; o procurador da República, André Stefani Bertuol; o corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado; e o superintendente da CGU, Orlando Vieira de Castro Junior: “Subentende-se, sim, a imputação do delito de abuso de poder em seu gênero, mas não há qualquer referência a um fato específico que se traduzisse no crime.”
Inocentando autores da faixa – Mais uma vez destacou o momento vivido pela comunidade acadêmica o que permite entender como mensagem subliminar a de que os atos praticados na Operação Ouvidos Moucos o foram com abuso de poder. Lembrou que entre as condutas previstas como abuso de autoridade está o atentado à liberdade de locomoção, “que os manifestantes teriam entendido ser o caso da decretação da prisão temporária ou da cautelar de afastamento das funções” do então reitor.
Ainda que tais acusações possam ser falsas, a juíza explicou que para imputar o crime de calúnia seria necessário a investigação policial provar que quem as fez tinha consciência da falsidade das mesmas. E concluiu: “em outras palavras, carece de demonstração a efetiva consciência dos produtores da faixa – e dos acusados – quanto à falsidade da informação propagada. Naquele contexto, é possível que eles realmente acreditassem – quiçá acreditem ainda hoje – na ocorrência do delito de abuso de poder (ainda que erroneamente)”.
Com base nessa sua conclusão ela já demonstrou, inclusive, a inocência dos verdadeiros autores da faixa, um dos quais já identificados pela Polícia Federal, provavelmente no inquérito em andamento que citamos na reportagem Cai com juíza criticada a ação pelas críticas à DPF Erika. Para a juíza Simone “não se pode afirmar que os responsáveis pelas faixas – e também os acusados – teriam consciência da falsidade de suas imputações, de forma que dolosamente estariam imputando crime – não fato – ciente de sua inverdade. Impõe-se, assim, também em relação ao delito de calúnia a rejeição da denúncia.”
Juíza rejeita denúncia contra reitor da UFSC
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6 Comentários
[…] Na decisão, a juíza Simone ao mesmo tempo, advertiu servidores para a possibilidade de serem criticados, ressaltou o papel da democracia e, nele, o direito à livre manifestações, bem como acabou puxando a orelha do procurador da República, autor da denúncia, tal como noticiamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos. […]
[…] ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por […]
[…] ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por […]
[…] Professores permanecem afastados – Tal perseguição levou o procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos a denunciar os dois pelo crime de injúria que eles não praticaram. Tanto que a denúncia foi rejeitada pela juíza Simone Barbisan Fortes, como mostramos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos. […]
Decisão técnica e de acordo com os requisitos legais e doutrinarios para um lastro mínimo probatório DA MATERIALIDADE!! Não basta indicar o possível autor!! Tem que provar a materialidade da conduta!! MP estadual raramente passa por essa situação.
Antes de chamarem a imprensa e ficarem “famosos”, os agentes precisam garantir a inequívoca MATERIALIDADE!! Pq é fácil encontrar indícios de autoria em uma investigação similar, mas essa autoria se deve a um fato (lícito ou ilícito,- e se ilícito, se penalmente típico ou não). Chega de medirem forças. As instituições só se enfraquecem quando alguém resolve querer mostrar “quem manda”! Muitos colegas da área policial sofrem muito assédio moral, em tese, e as suas associações não sabem mais oq fazer para que as atribuições internas sejam regulamentadas por ato administrativo, possibilitando assim que os subordinados funcionais possam defender seus direitos líquidos e certos junto à Justiça, sem medo de retaliações. Este é um tema importante para melhorar a qualidade de nossos serviços. Quem paga a conta é o cidadão. Chega de “empoderamentos” e “ismos”. A palavra é União!! Construção; Dedicação; Respeito; Obrigações e Ordem!! E se quiserem defender algum “ismo”, que seja Humanismo, pois todos somos humanos e vivemos em um desnecessário conflito.
Todos perderam com isso. Mas podem ganhar se utilizarmos como autocrítica.
Ótimo texto Sr. Auler! Agora esperamos que as Araucárias do Planalto Central prossigam embelezando o frio do Sul com os fenômenos naturais raros da década passada.
Desculpe o desabafo. Mas sabemos o quanto os servidores dedicados tbm sofrem.
Quem manda é a lei, o conhecimento e o respeito.
Veja por que Lula é um perigo para o Brasil:
http://carlosliliane64.wixsite.com/magiaeseriados/a-militancia