Em 10 de julho, o juiz Edilberto Barbosa Clementino, da 5ª Vara Federal de Foz de Iguaçu (PR), contrariando a posição da Polícia Federal e do Ministério Público Federal que desejavam arquivar o caso, determinou a exumação e um novo exame necrológico no corpo de Ademir Gonçalves Costa. Ele morreu, em janeiro, aos 39 anos, em circunstâncias suspeitas, dentro da aduana da Ponte Internacional da Amizade, naquela cidade. A decisão judicial noticiamos em: Morte na Aduana: cai o delegado. E agora MPF?. Das suspeitas sobre a morte de Ademir estamos falando desde janeiro, quando postamos A estranha morte na Aduana.
Sete semanas se passaram – 82 dias, na ponta do lápis – e a exumação não aconteceu. Tampouco parece ter data certa para ocorrer. Embora o delegado que assumiu o inquérito em julho, Emerson Antônio Rodrigues, em manifestação feita no início de setembro, tenha aventado a hipótese de ela acontecer no final de outubro, início de novembro, isso não é certo. Sua promessa mais recente é de que ela ocorrerá “em breve, logo. Esse ano deve sair”.
O ingresso de Rodrigues no caso também atendeu a ordem judicial, uma vez que o juiz Clementino entendeu que o delegado que presidia o feito inicialmente, Renato Obikawa Kyosen, estaria comprometido com a tese de “falta de indícios de conduta criminosa”, defendida por ele e pelo procurador da República Daniel de Jesus Sousa Santos. Isto levou os dois a proporem – e o procurador a insistir – o arquivamento do caso. Tese rejeitada por Clementino. Para este, há algo mais importante em jogo, que não permite que pairem dúvidas no ar, como disse ao acatar o pedido de exumação:
“Diante das contestações técnicas e jurídicas, amparando-me no poder geral de cautela e também considerando se tratar de bem jurídico de extrema importância (vida), entendo pertinentes alguns requerimentos elaborados“, expôs.
Medo da procrastinação – Já a decisão de pedir um novo delegado para o caso foi explicada pela necessidade de que “o trabalho desenvolvido seja revisto por autoridade policial que não esteja comprometida com o resultado primário do inquérito, de modo a analisar as diligências já realizadas e aquelas por realizar, com absoluta independência quanto ao resultado anterior“.
De certa forma se poderia prever a demora na exumação do cadáver. Em sua primeira manifestação nos autos – 17 de julho – Rodrigues alegou se tratar “de medida de extrema complexidade, envolvendo peritos especializados em necrópsia, somente lotados em Brasília/DF”.
O que não deixa de ser bastante curioso. Afinal, ainda que não seja medida considerada rotineira, a exumação de um cadáver, aparentemente, não é algo inusitado na área de perícia criminal legal.
Em setembro, ao aventar a hipótese de realizá-la no final de outubro/início de novembro, Rodrigues deixou de atender a outra determinação judicial. Não apresentou, como determinado pelo juiz, copia das suas tratativas com o Instituto de Criminalística do Departamento de Polícia Federal (DPF) em torno do envio dos legistas especializados para a necropsia.
Apostando em Raquel Dodge – A exumação foi requerida pelos advogados que representam os filhos menores de Ademir, Almir José dos Santos, André Vitorasi e Wilson Neres. Conscientes de que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal – bem como os servidores da própria Receita Federal que acompanham par e passo o caso via sindicato da categoria – desejam o arquivamento do inquérito, os advogados temem que a demora – procrastinação? – venha prejudicar o resultado final do exame. Afinal, a cada dia, o corpo avança no estado de putrefação.
O próprio juiz Clementino já admitiu essa hipótese em um dos seus despachos ao registrar que “não se pode negar que o decurso de extenso lapso temporal pode, sem dúvida, prejudicar a confecção dos exames, pela simples ação do tempo no alvo da perícia” (isto é, o estado de putrefação do corpo). Informalmente, o delegado Rodrigues explica que após conversar com peritos afastou a hipótese de prejuízo da perícia.
Sem contar com o Ministério Público Federal no Paraná – constitucionalmente, o fiscal da lei -, uma vez que este já se manifestou pelo arquivamento do caso, Santos, na defesa dos interesses dos filhos e familiares de Ademir, quer fazer chegar o caso ao conhecimento da nova cúpula da Procuradoria Geral da República.
Conta que o interesse da atual procuradora-geral, Raquel Dodge, por matérias relacionadas aos Direitos Humanos leve a instituição a se empenhar no esclarecimento da estranha morte de Ademir.
Capturado e, por fim, morto – Parado ao atravessar a Ponte Internacional da Amizade, divisa do Brasil com o Paraguai, na tarde da sexta-feira, 27 de janeiro, para ser submetido a uma revista, Ademir acabou reagindo e tentou fugir.
Ao ser capturado, ficou com as calças arriadas na altura dos joelhos. Foi algemado quando deitado ao chão, com as mãos nas costas. Antes, recebeu três jatos de spray de pimenta, ao qual era alérgico. Tudo devidamente fotografado e filmado. Já imobilizado, foi levado para a sala da Aduana de onde saiu, horas depois, morto.
Ao pedirem o arquivamento do caso por “falta de indícios de conduta criminosa”, delegado e procurador se basearam no Laudo Necrológico que concluiu como causa mortis uma “intoxicação exógena”, causada por “agente químico”.
Vale lembrar que antes de o laudo ficar pronto, a versão divulgada em Foz do Iguaçu era de que a vítima transportava pequenos envelopes com cocaína e que, mesmo imobilizado e com as mãos algemas por detrás do seu corpo, teria ingerido-os, provocando uma overdose. Falou-se, inclusive, que ele vomitara sangue.
A tese foi derrubada pelo laudo Médico Legal oficial que não encontrou qualquer vestígio de drogas no corpo examinado. O laudo, porém, não explica hematomas visíveis pelo corpo e marcas de sangue no rosto. Para muitos, evidência de espancamento.
Santos solicitou a exumação do corpo para novos exames com base em um parecer técnico que a família, mesmo sem recursos, obteve, por generosidade, do perito criminal e legista do Rio de Janeiro, Leví Inimá Miranda.
Ele é um tenente coronel médico reformado do Exército (CRM-RJ nº. 37.852-9), perito legista aposentado da Polícia Civil do Rio de Janeiro e ex-perito legista do Hospital Central do Exército (HCE), no Rio. Passou a funcionar no inquérito como assistente-técnico a serviço dos herdeiros de Ademir
Como mostramos anteriormente, inclusive reproduzindo a integra do seu parecer – veja na citada reportagem Morte na Aduana: cai o delegado. E agora MPF? – suas conclusões foram bem diferentes das apresentadas no laudo da necropsia feita pela Instituto Médico Legal com a participação de peritos federais e da Polícia Civil, todos do Paraná. No parecer técnico que juntou aos autos do Inquérito, Inimá Miranda contesta a intoxicação por possíveis remédios (que seriam o agente químico descrito no laudo).
Segundo ele, não houve intoxicação. Na sua interpretação, a causa mortis foi sufocação e não asfixia por agente químico (fármacos). Ele aponta dois fatores a contribuir para a morte: o spray de pimenta e a pressão exercida pelo joelho de um agentes da Receita Federal nas costas da vítima quando ela, caída ao chão, foi imobilizada, como mostra uma foto do momento. Em seu parecer técnico ele diz:
“Com base em tudo que discorremos ao longo do presente Parecer Técnico- Científico, resta-nos a certeza de que a morte se deveu ao uso excessivo do SPRAY de Pimenta (espuma) ― CONDOR GL 108/E mini ―, que ocasionou dificuldade respiratória na vítima, levando a uma SUFOCAÇÃO DIRETA, agravada pela forma que foi contida a vítima, impossibilitando seus movimentos respiratórios ― SUFOCAÇÃO INDIRETA. E que houve falhas gritantes no Exame Toxicológico, calcado em amostras insuficientes colhidas.
Dessa forma, concluímos que a morte se deveu e foi ocasionada pela ação absurdamente agressiva por parte de agentes da Receita Federal”. (grifo nosso).
Críticas ao delegado -No início de setembro, diante da manifestação do delegado criticando, questionando e até rejeitando alguns quesitos que apresentou para serem respondidos com a exumação, Inimá Miranda reagiu com fortes críticas ao policial federal, em seu Facebook.
Acusa-o de funcionar como advogado de defesa dos servidores da Receita. Repassou este texto ao Blog com a devida autorização para republicarmos. Também questiona a necessidade de peritos e legistas vindos de Brasília. Insiste na sua convicção de que a morte foi resultado da ação dos agentes da Receita. Abaixo republicamos alguns trechos:
“Com relação ao assassinato de Ademir Gonçalves Costa, assassinado covarde e cruelmente por agentes da Receita Federal, na Ponte Internacional da Amizade, em Foz do Iguaçu/PR, o novo delegado federal do caso, Emerson Antonio Rodrigues – Classe Especial, Matr. 14.170, ao invés de se ater ao cumprimento da ordem judicial para a realização de nova autópsia precedida de Exumação, mesmo não sendo expert, não possuindo qualquer titulação superior relacionada com as Ciências Forenses, decidiu tecer comentários e críticas às quesitações formuladas pelos Assistentes Técnicos contratados pela família da vítima dos agentes da Receita Federal.
A sensação que podemos subentender é que o delegado de Polícia Federal, (…) decidiu-se por agir como se um Rábula fosse, em defesa dos agentes da Receita Federal.
(…) Nobre delegado de Polícia Federal Emerson Antonio Rodrigues, reserve-se a cumprir somente seu papel de autoridade policial, sem criar obstáculos, procrastinações e pensamentos tendenciosos sobre o caso e sobre os Assistentes Técnicos. Procure focar seu trabalho e sua atenção à investigação de um homem, inocente, assassinado por agentes da Receita Federal, justo quando se encontrava sob custódia.
A Perícia de Exame de Local de Crime foi realizada por peritos-criminais federais e acompanhada por peritos-criminais da Polícia Civil do Estado do Paraná. E a autópsia foi realizada por perito-legista da Polícia Civil do Estado do Paraná. Então, por que, agora, o delegado intenta requisitar peritos-criminais e peritos-legistas do Distrito Federal? Qual a intenção inconfessável por trás disso? Qual o objetivo de pretender marcar a Exumação para o mês de novembro?
O que resta claro é que o delegado de Polícia Federal Emerson Antonio Rodrigues está descumprindo, descaradamente, uma ordem judicial; e isso é crime.
Portanto, senhor delegado Federal, (…) cumpra, de imediato, a ordem judicial, pois não lhe cabe contestar ou procrastinar a determinação do Juiz natural, a menos que o senhor queira realmente cometer crime de descumprimento de ordem judicial.”
Dr. Leví Inimá de Miranda – Perito-Legista Independente
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8 Comentários
a que ponto chegou nosso país,quem deveria dar exemplo de cumprir a lei não cumpre infelizmente tai o juiz moro e o STF PARA NÃO ME DEIXAR MENTIR.
Os abusos de policiais do mundo inteiro induzindo acusados e “suspeitos” a confessarem crimes que não cometeram é abordada num seriado do Netflix, “THE CONFESSION TAPES”, que, através de casos reais, mostra os métodos cruéis e ilegais para obter confissões gravadas e escritas, sem qualquer investigação e portanto sem evidências ou provas de qualquer tipo.
[…] Marcelo Auler em seu Blog […]
Sempre o Deletério Público Federal do Paraná, digo, Ministério Público (?)…
Estamos sob uma ditadura midiático-judicial e não sob um Estado de Direito. Chegamos a tal extremo que o sistema judicial enviesado pela ditadura não respeita nem ordem judicial. Claramente estão ganhando tempo para que o cadáver da vítima atinja um tal grau de desintegração que prejudique uma nova avaliação pericial pela Medicina Legal e será com base nisso que tentarão arquivar o caso alegando que o novo exame foi prejudicado pelo estado avançado de decomposição cadavérica.
Prezados,
Observem que nesse Brasil pós-golpe, dominado pelas quadrilhas políticas e ORCRIMs midiáticas e judiciárias, quando algum profissional do ‘sistema judiciário’ resolve executar, fiscalizar ou aplicar a Lei acaba sendo vítima de chantagens ou perseguições (vide o que aconteceu com o APF Dalmey Werlang e com os DPFs Fanton e Magno, com procuradores que se opõem à ORCRIM lavajateira, como Eugênio Aragão, e mesmo com Ivan Marx, que na ausência de qualquer prova contra o Ex-Presidente Lula e contra a Presidenta Dilma, pediu que fossem absolvidos e/ou as denúncias contra eles fossem arquivadas).
Agora vemos a desobediência a uma ordem judicial por parte de um delegado a PF no Paraná; tal desobediência decorre do fato do juiz Edilberto Barbosa Clementino, da 5ª Vara Federal de Foz de Iguaçu (PR) não compactuar com a versão mentirosa apresentada em conluio pelos agentes da Receita Federal, que cometeram um assassinato, pelos delegados da PF e procuradores do MP, que deveriam investigar a ocorrência,(…) fazem de tudo de modo a livrar a pele daqueles agentes da RFB que assassinaram covarde e cruelmente Ademir Gonçalves Costa, conforme comprova o laudo feito pelo perito-legista Levi Inimá de Miranda.]
Quando afirmo que as instituições que compõem o chamado ‘sistema de justiça’ (PF, MP e PJ) estão eivadas de ORCRIMs, alguns consideram exagero. Mas as prova de que tal afirmativa está correta são fartas e cabais, surgindo dia após dia. O conluio criminoso relatado nesta e noutras reportagens sobre o assassinato de Ademir Gonçalves Costa por agentes da Receita Federal em Foz do Iguaçu, mostra que servidores dessa instituição se juntaram a outros – na PF e no MP – para cometer e acobertar crimes.
E são essas instituições do ‘sistema judiciário’ e de fiscalização da arrecadação federal que pretendem ‘moralizar’ a vida pública e o sistema político do Brasil. Desses moralistas pornográficos e criminosos não precisamos.
Além de tudo que vc falou Paiva, a precaríssima situação de nosso sistema judicial prova também que o processo de recrutamento de profissionais para estas três áreas (PF, MP e Judiciário) precisa ser profundamente revisto tendo em vista o total despreparo para o exercício de dessas funções que se vê em todas as instâncias da polícia, do ministério público e do judiciário, ou seja, da primeira à última instância é a mediocridade, a falta de caráter, a venalidade, a corrupção, a submissão aos poderosos da hora e ao sistema financeiro, é o que predomina. Para quem, como as pessoas da minha geração, viram uma suprema corte constituída por pessoas como Hermes Lima, Vítor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e outros de igual estirpe, tem uma ideia do grau de empobrecimento que atingiu nosso sistema judicial.
Estamos refém de quem devia nos proteger. A Coréia do Norte deve ser mais democrática do que o Brasil. Lá, pelo menos, o povo tem consciência que qualquer ação que desagrade aos poderosos, pode representar sua eliminação, pura e simplesmente. Enquanto aqui, nesta repúbliqueta, somos iludidos, e achamos que vivemos numa democracia, porém, basta desagradar alguém que tenha alguma influência, dentro das instituições públicas, para sermos sumariamente condenados, sem ao menos um julgamento minimamente justo. O simulacro de uma democracia é pior do que uma ditadura.