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Marcelo Auler

Com uma canetada, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que em várias bolsas de apostas é dado como um ministro na “marca do pênalti”, devendo sair de campo, pelas previsões, na reforma ministerial que Jair Bolsonaro arma nos bastidores do governo, apesar de negá-la, acaba de deixar mais um legado negativo à educação brasileira.

Ao decidir, nesta semana que se passou, não renovar os contratos do ministério com a Organização Social Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – ACERP, muito provavelmente sem ter a menor noção da importância dela e dos investimentos aplicados junto aos seus empregados para capacitá-los intelectualmente de forma a desenvolverem os projetos tecnológicos fundamentais à educação, ele está jogando fora um belíssimo trabalho que hoje apresenta excelentes resultados.

Todo esse investimento resulta em dois produtos de qualidade: a TV Escola e a TV INES, uma das iniciativas pioneiras de comunicação televisiva para surdos e mudos. Trabalho reconhecido mundialmente, inclusive pela ONU, mas que ao governo Bolsonaro não deve significar nada, dado o grau de imbecilidade que o domina. Em especial na área da Educação.

Para demonstrar a importância destes dois canais de televisão que o atual governo despreza, o Blog traz o artigo de Arnaldo César Ricci Jacob, que durante sete anos dirigiu a ACERP, promovendo o treinamento de mais de 800 dos empregados desta Organização Social, preparando-os para desenvolverem soluções que deveriam ser aplicadas pelas demais emissoras públicas do País. Um trabalho meritório, que mostra como instituições públicas podem sim, quando bem geridas, se tornar importante instrumento do desenvolvimento do país. No caso, em uma das áreas mais necessitadas: a da educação. Abaixo o artigo de Arnaldo César que apenas reforça a tese da imbecilidade que domina este governo.

ACERP é asfixiada em nome

de um neoliberalismo insano

Arnaldo César (*)

Além de extinguir contratos, o ministro desalojou a TV Escola em Brasília (Foto de servidores da TV Escola)

Pouco são os brasileiros que conhecem a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – ACERP. Poucos também são aqueles que sabem o que ela faz e para que serve. Ela sucedeu a antiga Fundação Roquette Pinto que administrava a TVs Educativa do Rio de Janeiro e a TV Escola. Foi criada, no final dos anos 90, pelo então ministro de Administração do governo FHC, economista Luís Carlos Bresser Pereira.

A ACERP é irmã gêmea do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada – INPA. Surgiram na mesma lei 9.637/98 que instituiu no País uma nova maneira de gestão pública. Um modelo no qual foi dada à sociedade civil organizada a oportunidade de ajudar o Estado na administração de projetos com competência e agilidade.

O IMPA é o mais vistoso exemplo de sucesso de tal iniciativa. A ACERP nem tanto. Ao assumir o passivo da Fundação Roquette Pinto trouxe para dentro dela vícios que dificultaram a sua trajetória. Tais como: nepotismo, corporativismo e empreguismo. Apesar disso tudo, aos trancos e barrancos, ela conseguiu sobreviver até a última sexta-feira 13/12/2019.

Foi exatamente em uma sexta-feira 13 que o controverso ministro da Educação, Abraham Weintraub, resolveu assinar o atestado de óbito da ACERP. Rescindiu os contratos de gestão da ordem de R$ 77 milhões que permitiam a esta Organização Social manter no ar as TV Escola e TV INES.

Weintraub, olavista declarado, jamais teve noção do que é a pasta que dirige e muito menos soube para que serve a ACERP. Justiça seja feita, ele jamais escondeu suas pretensões no cargo. “Vim aqui para destruir o que está aí para depois reconstruir do meu jeito”. Esta frase tem sido repetida “ad nauseam” nas acaloradas reuniões presidida pelo atual ministro.

Adepto da retrógada tese de que o mundo é plano, jamais passou pela cabeça de Weintraub a ideia de que para se aperfeiçoar a educação do País é determinante a ajuda do conhecimento e tecnologias de ponta. A desconhecida ACERP vinha sendo uma das ferramentas do MEC com essa missão.

O que mantém uma Organização Social viva são os contratos de gestão que ela consegue firmar. Ao rescindir os contratos da ACERP com o MEC, o ministro tirou dela o oxigênio que a mantinha funcionando. Jogou no lixo mais de 90 anos de experiências acumuladas na área de comunicação educativa. Dentro dela há feitos importantes. Talvez, a mais relevante de todas seja a TV INES, do Instituto Nacional de Educação de Surdos.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que exibe na WEB um canal de televisão dedicado exclusivamente aos surdos. Atende à uma população de perto de 20 milhões de brasileiros com deficiência auditiva. Feita em parceria com o Instituto, a iniciativa é frequentemente reverenciada por órgãos internacionais que se dedicam a inclusão de deficientes. Inclusive a ONU.

A trajetória da ACERP sempre foi instável. Em 2007, quando o governo Lula decidiu criar a Empresa Brasil de Comunicação – EBC – foi dado um prazo de validade para a Associação Roquete Pinto. Ela atuaria até 2010, na sua função: produtora de conteúdos audiovisuais e gestora de dois canais de televisão e de cinco rádios. A tenacidade de um grupo de funcionários conseguiu reverter a morte anunciada.

A ACERP se transformou em uma empresa de pesquisa e desenvolvimento na área de comunicação digital. Voltada sempre para o campo público. Dos seus 1.800 servidores da época, mais de 800 passaram por treinamentos e foram requalificados para a nova realidade da TV digital no Brasil. Sendo que 300 deles em cursos de pós-graduação ministrados pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Com aulas ministrados dentro das suas dependências, no Centro do Rio

Esse notável esforço de seus funcionários foi o grande argumento para convencer o governo rever a decisão de acabar com a associação. Mais do que se preparar para o futuro das comunicações no Brasil, a ACERP também passou a criar soluções que deveriam ser aplicadas pelas demais emissoras públicas do País.

TV Escola: instrumento importante na educação

A primeira grande beneficiada destas mudanças foi a TV Escola. Analógica, ela transmitia seu sinal através de satélites captado por antenas parabólicas instaladas em 2 mil escolas pelo País. Uma solução anacrônica. Foi totalmente digitalizada. Ganhou espaços no lineup das operadoras de TV a cabo. Desta forma, todos os estabelecimentos de ensino que precisavam dos seus conteúdos passaram a ter o acesso facilitado à programação da nova TV Escola.

A legendagem (close caption – para surdos-mudos) e a audiodescrição (para cegos) mereceram da ACERP grandes investimentos em tecnologia para permitir que as emissoras públicas pudessem adotar os softwares que permitem essas interações com um baixo custo.

Quando os dirigentes da ACERP, juntamente com os do INES, decidiram fazer uma televisão dedicada exclusivamente aos surdos foram considerados “seres delirantes”.

Os técnicos e professores do INES sabiam como ninguém que os surdos “ouvem pelos olhos”. Nada mais audiovisual do que um canal de televisão. Os parceiros na ACERP entenderam isso e construíram as soluções técnicas que permitiram o canal ser exibido através das plataformas IOS, Android e no Youtube.

TV INES: feita por surdos e ouvintes para surdos e ouvintes

O grande desafio foi fazer um canal que falasse simultaneamente em três linguagens diferentes: o português, a Libras (linguagem dos sinais brasileiros) e as legendas. Só desta maneira o canal seria acessível perfeitamente aos ouvintes, surdos e mudos. Não se pretendia fazer um canal para guetos. Mais sim um meio de comunicação que integrasse ouvintes e surdos.

Na grade da TV INES há telejornais, humorísticos, filmes de sucesso, musicais, reportagens e talk show produzidos para deficientes em todos os níveis de surdez. É uma programação leve. E, muito divertida. Feita por surdos e ouvintes para surdos e ouvintes.

Aqui vai uma sugestão: se você ficou curioso, acesse uma das plataformas. Verá algo muito bem feito de brasileiros para brasileiros. Mas, faça isso rapidamente. É quase certo que com a decretação da morte da ACERP, a TV INES também deixará de existir.

A ACERP, a TV ESCOLA e a TV INES estão sendo destroçadas. Isso não é motivo para admiração. Centenas de conquistas da sociedade brasileira (especialmente na área dos direitos trabalhistas e humanos) que vinham sendo detonados nos últimos três anos, são destruídas com muito mais agilidade nesses menos de um ano de governo. Não serão as únicas. Como bem disse Weintraub, ele, seu chefe Jair Bolsonaro, e todo o staff do atual governo estão aí “para destruir e não construir”.

Os mesmos cidadãos brasileiros que se beneficiaram de avanços – como o da TV INES – estão inertes. Assistem esse processo de destruição de braços cruzados. Neste universo de desmonte do Estado brasileiro, a ACERP é muito pequena. É inexpressiva. É uma bronca menor. É muito provável que quando estiverem lendo este texto, já tenham esquecido das agruras dessa Organização Social.

Mas, é assim, pelas beiradas, que se faz uma demolição. Não se assustem quando a Petrobras, Eletrobras, Caixa Econômica, Banco do Brasil e tantas outras foram vendidas na bacia das almas ou simplesmente extintas. Tudo em nome de um neoliberalismo econômico insano.

(*) Arnaldo César Ricci é jornalista, colaborador do Blog. Foi presidente da ACERP de 2007 a 2014. Liderou a equipe que reformou a TV Escola e criou a TV INES.

 

 

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1 Comentário

  1. Maria Christina disse:

    Fabuloso o artigo do Arnaldo César !
    Lamentável a ação de desmonte de ferramentas fundamentais a inclusão social , especificamente no caso da TV INES , com o evidente papel da TV Escola .
    A comunicação é a forma mais plena da conexão do saber , da informação, enfim da dinâmica da vida , do humano .
    De qualquer maneira , avante !

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