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Marcelo Auler (*)

Nos anos 90 era comum o loteamento de agências e postos de atendimento do INSS entre políticos que apoiavam o governo. Francisco Dornelles (PP-RJ), então deputado federal, ministro da Indústria e Comércio no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) e do Trabalho, no segundo governo (1999-2002), usou deste loteamento.

Francisco Dornelles, desde a ditadura militar, sempre aliou-se ao governo, seja ele qual for - Foto: reprodução

Francisco Dornelles, desde a ditadura militar, sempre aliou-se ao governo, seja ele qual for – Foto: reprodução

Sempre aliado dos governos, desde a época da – presidia o extinto Partido Progressista Brasileiro (PPB) -, também indicou apadrinhados para as gerências do INSS. Foi o caso de Maria do Carmo Batista de Almeida, nomeada chefe da Gerência Regional do Seguro Social (GRSS) da Penha (subúrbio do Rio), em 30 de julho de 1996.

Maria do Carmo não tinha propriamente uma ficha limpa. Ao trabalhar no posto do INSS da Avenida Marechal Floriano (centro do Rio), no início da década de 1990, envolveu-se também em fraudes contra a Previdência. Nem por isso deixou de contar com o apoio do então ministro para novos cargos de chefia, como relatou o, na época, superintendente do INSS no Rio, Jackson Vasconcellos (veja trechos do depoimento dele abaixo). Foi no cargo da Marechal Floriano que ela, através da interlocução de João Carlos Boechat Capita, já na época trabalhando para o político, resolveu pendências da família Dornelles junto à Previdência.

Ao assumir a chefia na GRSS da Penha, Maria do Carmo, como destacou  o procurador Marcelo Freire na denúncia que apresentou em 2002 com base em investigação feita pela equipe do delegado federal Luís Flávio Zampronha, “colocou em posições estratégicas servidores de sua inteira confiança, agregados ao propósito criminoso. Para a chefia do Posto do Seguro Social – PSS Filomena Nunes foi designada Antônias Gezilda; para a chefia do PSS André Azevedo, Jair Gonçalves; para o PSS Quitungo, Marcus Eduardo; e para a o PSS Penha Circular, Elso de Souza.

O esquema da fraude à Previdência foi descrito, em 2002 pelo procurador, na acusação apresentada à 8ª Vara Federal Criminal, contra 22 pessoas:

Trecho do depoimento do depoimento do ex-superintendente do INSS, Jackson Vasconcellos, transcrito na denúncia

Trecho do depoimento do depoimento do ex-superintendente do INSS, Jackson Vasconcellos, transcrito na denúncia

 “Ocorreram fraudes em larga escala nos Postos de Seguro Social Filomena Nunes, André Azevedo, Quitungo e Penha Circular, tendo sido causado um prejuízo patrimonial ao INSS na ordem de R$ 2.630.527,94 (dois milhões, seiscentos e trinta mil, quinhentos e vinte e sete reais e noventa e quatro centavos).

 O dinheiro público era desviado principalmente por meio da reativação irregular de benefícios com a emissão de créditos indevidos, recebidos por falsos procuradores dos segurados em agências bancárias conveniadas. 

(…) dentro da dinâmica da fraude, o que ocorria era a reativação irregular de benefícios, originalmente concedidos de forma regular a diversos segurados, e que, por algum motivo estavam fora de cadastro (por exemplo: morte do segurado original, fim do período de afastamento por acidente de trabalho, etc.)

(…) Destaque-se que os segurados originais jamais tomavam conhecimento das reativações de seus benefícios, que eram recebidos por falsos procuradores, pois os fraudadores tinham o cuidado de modificar no sistema os endereços dos titulares dos benefícios para que estes não recebessem correspondências do INSS relativas à reativação dos pagamentos, o que era feito automaticamente pelo sistema informatizado”.

(…) Importante destacar que durante a gestão da denunciada Maria do Carmo como Chefe da Gerência Penha, os postos a ela vinculados emitiram 20% dos Pagamentos Alternativos de Benefícios (PAB´s) pagos por todos os postos do INSS no Brasil, com média de R$ 3.422,00 por PAB contra a média nacional de R$ 529,00″.

Para Freire, o esquema era comandado por Boechat Capita que  “fixava as diretrizes e metas a serem alcançadas pela quadrilha no que se refere ao volume de recursos desviados, tendo inclusive atuado de forma extremamente relevante para que Maria do Carmo fosse nomeada chefe da Gerência Penha. Ademais, Boechat, utilizando-se de sua influência política, garantia aos demais denunciados a perpetuação da empreitada delituosa, merecendo destaque o fato de que a Auditoria do INSS somente interveio após as fraudes terem sido amplamente divulgadas pelos jornais da época”.

Na verdade, é preciso levar em conta que o chefe de gabinete jamais conquistou algum mandato eletivo. Logo, deduz-se que a influência política para nomeações e até mesmo manutenção no cargo dos servidores envolvidos nas fraudes vinha do político Dornelles. Tal e qual narrou o superintendente do INSS no Rio à época, Jackson Vasconcellos, como se verifica em trechos do seu depoimento, postados na foto ao lado.

Apesar disso, Freire fez recair sobre o assessor a responsabilidade do esquema de corrupção, no qual aparecia como intermediário. Ao que tudo indica, ele era o interlocutor do ministro junto aos servidores nomeados por apadrinhamento para o INSS.

Além de Maria do Carmo, o chefe de gabinete dirigia-se também a José Guzzo e Reginaldo Cavalcante da Silva Filho, que não eram servidores do INSS. Aos dois atribuíam a tarefa de arregimentar falsos procuradores que, mediante pagamentos, sacavam nas instituições bancárias os valores correspondentes aos PAB´s fraudulentos.

Dinheiro na sacola de supermercado  –  O próprio depoimento de Maria do Carmo demonstra isto. Embora tenha dito que foi convidada para um “trabalho político” por Boechat Capita, ela relatou que semanalmente levava o dinheiro arrecadado na Avenida Beira Mar, no centro do Rio, onde funcionava o escritório do Partido Progressistas Brasileiro (PPB), presidido por Dornelles (veja detalhes do depoimento na foto). As notas eram transportadas em sacolas de supermercado.

No depoimento de Maria do Carmo relata as sacolas de supermercado com dinheiro encaminhadas semanalmente.,

No depoimento de Maria do Carmo relata as sacolas de supermercado com dinheiro encaminhadas semanalmente.,

Boechat, segundo o procurador, traçava as metas do “trabalho político” a ser desenvolvido pelos nomeados através das indicações e pressões do ministro:

“Segundo apurado pela Autoridade Policial, Boechat dizia a Maria do Carmo e Reginaldo  que a arrecadação da importância de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais) por semana se destinava ao “trabalho político” que estava fazendo, sendo que esta quantia era entregue por Maria do Carmo e Reginaldo a Boechat”. explicou Freire.

O envolvimento de Dornelles, ficou bem caraterizado nos depoimentos do superintendente Vasconcellos que  “recebeu diretamente do ministro Dornelles várias recomendações para ajudar as duas envolvidas Maria do Carmo e Antônia Gezilda” (justamente as apadrinhadas que ele indicou para os cargos).

Também quando o esquema foi descoberto, por conta do excessivo números de PAB’s emitidos por aquela gerência, destoando das demais regiões, telefonemas de Boechat Capita a Vasconcellos tentaram evitar o afastamento dos servidores envolvidos, a começar por Maria do Carmo.

Na época em que Boechat Capita foi preso – outubro de 2002 – o então ministro Dornelles reagiu com irritação ao noticiário que o envolvia com todo o esquema. Em uma entrevista à Isto É Dinheiro: classificou que tudo não passava de uma armação política:

É tudo armação política. Mas quero que investiguem tudo, é preciso que apurem tudo até o final, disse.

Não era bem assim. Como se constata na reportagem “Dornelles, beneficiado por Brindeiro, cai na rede de Janot“”. Nada, porém, foi apurado com relação ao seu possível envolvimento. Todo o material quer o procurador Freire encaminhou para a Procuradoria Geral da República em Brasília por conta do foro privilegiado do ministro, acabou arquivado por Geraldo Brindeiro “por ausência de um suporte probatório, ou mesmo indícios, a lastrear a prática  de atos  de persecução penal em desfavor do Deputado Federal Francisco Dornelles”.

Com relação a Boechat Capita, Dornelles dizia que verificou pessoalmente a conta bancária de seu assessor sem encontrar depósitos acima de R$ 3 mil. “O Boechat é inocente, um pobretão, um homem honesto e de minha total confiança”, assegurou.

No Jornal O Globo a explicação para inocentar o assessor: "ele era pobre".

No Jornal O Globo a explicação para inocentar o assessor: “ele era pobre”.

Em outra entrevista, desta feita a O Globo, ele insistiu no fato de que Boechat era pobre e alegou ainda que, em 1996, ele sequer era seu assessor, apesar de ser membro do partido.

Se Boechat era ou não assessor de Dornelles, pode até ser algo irrelevante, muito embora esta não seja uma versão confiável.

O fato é que, como explicou Vasconcellos, o próprio Dornelles procurou seu colega, o ministro da Previdência e indicou  a gerente regional. Esta, por sua vez, levou gerentes de confiança para os postos daquela área. Em seguida, lembrou Vasconcellos,  houve um aumento vertiginoso da concessão de Pagamentos Alternativos de Benefícios (PAB’s). Ao verificarem esse crescimento desproporcional.esbarraram no esquema fraudulento.

Também é inconteste, pelos depoimentos de Jackson e dos próprios denunciados, que Boechat – sendo ou não assessor de Dornelles -, fez toda a interlocução com os servidores do INSS envolvido nas fraudes.

Pouco relevante também a explicação do ministro com relação à situação financeira do seu chefe de gabinete. Afinal, entre as muitas conversas de Boechat com o ministro, captadas pelo grampo da Polícia Federal, feito com autorização judicial,  houve uma em que os dois abordaram justamente a forma de não permitir discrepância entre os ganhos oficiais do assessor e sua declaração de Renda à secretaria da Receita Federal. Sobre isso, o procurador Freire, comentou na peça acusatória:

Inicialmente, merece destaque o teor de conversa telefônica mantida pelo então Ministro Francisco Dornelles com o denunciado Boechat no qual resta evidenciada uma preocupação dos interlocutores com a situação das declarações de rendimento de Boechat nos anos de 1996-1997, exatamente no período em que ocorreram as fraudes colacionadas na presente inicial. (apenso nº 106)

Resta consignado de forma expressa nas degravações quando Boechat afirma que tem possibilidade de “compor” suas declarações, ou seja, justificar seus  obtidos, conforme orientação que iria obter junto a seu contador“, transcreveu.

Se Boechat realmente era “um pobretão”,demonstra que a situação do então ministro era mais complicada. Primeiro seria necessário explicar  o motivo de tê-lo questionado, sendo ele seu chefe de gabinete ou não, sobre  a declaração de renda. Afinal, “pobretão” não costuma ter esse tipo de preocupação, já que não há muito que declarar ao fisco.

Mas não é só. Como sempre falou Maria do Carmo, o chefe de gabinete tratava como um “trabalho político” a arrecadação de verbas proveniente das fraudes. Logicamente que este dinheiro não se destinaria ao próprio que, como já se disse, nunca foi eleito para qualquer cargo. Isto permite concluir que o dinheiro destinava-se aos projetos políticos de Dornelles, para quem Boechat trabalhava ou, quando menos, do partido, o PPB, que ele presidia.

Confirmando-se esta tese – de que Boechat não se beneficiou com a verba desviada -, se verificará que enquanto o parlamentar/ministro beneficiou-se por suas ligações com o governo da prática de engavetar inquéritos adotada por Brindeiro, seu chefe de gabinete, “um pobretão”, pagou o pato sozinho, até com alguns dias de cadeia. Tudo sem ganhar nada em troca pois, afinal, ele “era um pobretão”.

 (*) Corrigindo uma falha, acrescentei neste domingo (26/06) a informação dando conta que toda a investigação em torno deste caso – bem como de várias outras fraudes contra o INSS – foi comandada pelo delegado federal Luís Flávio Zampronha.

7 Comentários

  1. Luciana disse:

    Muito boa a reportagem. O pobretão João era meu vizinho de porta, e suas filhas, minhas amigas de infância. Um belo dia ele apareceu com carros novos e caros. Mudou-se para a Zona Sul, para um apê de um andar inteiro. No fim das contas, valeu a pena para ele, já que o processo não afetou em nada sua vida, nem de sua família, que continuou usufruindo do dinheiro ilícito, assim como todos os que cometem os crimes de colarinho branco. Dornelles tá aí, firme e forte, como nosso (des)governador.

    • Claudia disse:

      Informe-se melhor antes de falar sobre a vida alheia e fatos inverídicos, vizinha de porta Luciana? Morava no andar de cima, e a vizinha deles era Rosi de porta. E você, conheceu o apartamento na zona sul, pelo visto não, informações incorretas, coleguinha.

  2. Plínio disse:

    E e olha o vovô metralha de novo e seus pares sempre arrasando com o dinheiro público !

  3. Paulo Diniz d'Avila disse:

    Muito boa matéria. Me fez lembrar muitos fatos. Seria muito interessante e neste momento muito oportuna uma pequena matéria contando como, quando, por quem e porquê a Força Tarefa do Rio que avançava a passos largos nos meandros da corrupção no INSS – sem o alarde da Lava Jato – foi simplesmente extinta. O Marcelo Freire poderia dar boas dicas.

  4. Ed Sampa disse:

    Parabéns, Marcelo Auler, por seu trabalho exemplar. Você honra como poucos a profissão de jornalista. E nos brinda com reportagens sempre pertinentes, profundas e esclarecedoras sobre os episódios que a mídia tradicional prefere esconder debaixo do tapete.

  5. Annibal Botto disse:

    Parabéns pela reportagem. Costumo procurar (e encontrar) na blogosfera as lacunas existentes nas notícias dadas pela mídia tradicional. Isto quando a mídia NÃO ESCONDE a notícia toda…Mas só gostaria de complementar: O Sr. Francisco Dornelles É PRIMO do Sr. Aécio Neves.Imagine se a mídia conservadora e PARCIAL iria noticiar fato como este?

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