A omissão do procurador-geral da República, Augusto Aras, frente aos inúmeros crimes que o presidente Jair Bolsonaro e seu desgoverno cometem no enfrentamento da pandemia, já recebeu críticas diversas, inclusive de seus colegas subprocuradores-geral. A elas soma-se também a de um dos ícones do Ministério Público Federal (MPF), antecessor de Aras no cargo, durante o primeiro governo de Lula, Claudio Fonteles. Aposentado, e isolado socialmente, ele associou-se ao coro dos que questionam: “E o que faz o procurador-geral da República?“
O questionamento dele foi feito domingo (24/01) em seu Blog. Ao contrário de todos os demais questionamentos e representações criminais que foram feitos, seu foco não abrange a pandemia. Ele é direcionado à absurda declaração de Bolsonaro, em 18 de janeiro, quando afirmou que “Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”.
A posição defendida pelo ex-procurador-geral da República tem objeções em diversos segmentos jurídicos, pois ele apela para um dos chamados “entulhos” da ditadura militar, a Lei de Segurança Nacional (LSN). Curiosamente, a legislação a que o ministro da Justiça, André Mendonça, erroneamente, tem se apoiado para tentar intimidar jornalistas e críticos do presidente que ele bajula. O ministro não encontra respaldo na famigerada lei para punir críticos do presidente.
Fonteles rebate os críticos, entre os quais muitos amigos com os quais certamente já debateu a questão. Entende que, mesmo tendo sido editada em 1983 – final do período da ditadura militar no país – a lei não pode ser considerada entulho da ditadura. Acha defensável até que ela venha a ser aperfeiçoada, mas entende que o fato de defender o estado democrático de direito e a democracia, ela pode ser usada, na defesa de ambos. E no seu entendimento, ao ameaçar o estado democrático de direito, pode sim ser enquadrado nela.
“Apresentando Jair Messias Bolsonaro, como opção a ser considerada, no mesmo patamar da democracia, a ditadura, sem a menor dúvida expõe a lesão o regime representativo e democrático.”, diz na sua cobrança.
Em seguida, acrescenta: “Essa sua conduta tipifica-se, criminalmente, no âmbito da Lei nº 7170/1983 que, justamente, foi promulgada para descrever as condutas delituosas “que lesam ou expõe a perigo de lesão o regime representativo e democrático, a Federação, e o Estado de Direito (artigo 1º da Lei nº 7170/83, grifei).” Mais adiante ele conclui:
“Ora, Jair Messias Bolsonaro, como presidente da República, em pronunciamento público que faz, propagando o que propaga – as Forças Armadas como juiz único sobre a forma de governo do Brasil: se democracia ou ditadura -, claramente motiva, incita seus correligionários – como aliás já o fez em fatos sob apuração em sede de inquérito judicial em tramitação no Supremo Tribunal Federal sobre comportamentos antidemocráticos – a indisporem-se contra o regime representativo e democrático.”
Em seguida, relembra a seu colega, hoje procurador-geral da República, que a Constituição, no seu artigo 127 diz textualmente que o Ministério Público tem, como razão de ser, a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (grifo do original).
O silêncio de seu sucessor, porém, o incomoda. a ponto de ele questionar e ele mesmo responder (grifo mantido):
E o que faz o procurador geral da República, Augusto Aras, ante essa situação gravíssima?
Nada!
Leia a íntegra do artigo de Claudio Fonteles:
“Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”.
São palavras de Jair Messias Bolsonaro, ditas na segunda-feira, dia 18 de janeiro do ano em curso. (jornal Correio Braziliense de 19/01/2021).
Palavras gravíssimas.
Primeiro porque enunciadas por quem preside a República Federativa do Brasil, definida como Estado Democrático de Direito e fundamentada na: soberania; na cidadania; na dignidade da pessoa humana; nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.
Assim somos nós, brasileiras e brasileiros por nosso pacto de convivência social, elaborado por nossos representantes, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, e expresso no artigo 1º e seus cinco (5) incisos da Constituição Federal de 1988.
Segundo porque a missão das Forças Armadas, também definida em nossa Carta Constitucional, não é de julgar coisa alguma; não é de decidir nada de natureza política – tomado o termo política, aqui, como a significar a condução dos assuntos pertinentes ao interesse social e ao bem comum -; não é de imiscuir-se em assuntos que não os que, estrita e textualmente, postos no artigo 142 da Constituição Federal.
“Artigo 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Portanto, nas atribuições de “defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, lugar não há para que se tenha as Forças Armadas como juízes a decidir sobre a forma de governo: democracia ou ditadura.
Aliás, apresentando Jair Messias Bolsonaro, como opção a ser considerada, no mesmo patamar da democracia, a ditadura, sem a menor dúvida expõe a lesão o regime representativo e democrático.
Essa sua conduta tipifica-se, criminalmente, no âmbito da Lei nº 7170/1983 que, justamente, foi promulgada para descrever as condutas delituosas “que lesam ou expõe a perigo de lesão o regime representativo e democrático, a Federação, e o Estado de Direito (artigo 1º da Lei nº 7170/83, grifei).
E, dentre as condutas elencadas e definidas como crime está a de: “incitar à subversão da ordem pública e social”. (artigo 23, inciso I, da Lei nº 7170/83.
Ora, Jair Messias Bolsonaro, como presidente da República, em pronunciamento público que faz, propagando o que propaga – as Forças Armadas como juiz único sobre a forma de governo do Brasil: se democracia ou ditadura -, claramente motiva, incita seus correligionários – como aliás já o fez em fatos sob apuração em sede de inquérito judicial em tramitação no Supremo Tribunal Federal sobre comportamentos antidemocráticos – a indisporem-se contra o regime representativo e democrático.
O artigo 127 da Constituição Federal é textual no dizer que o Ministério Público, instituição permanente, tem sua razão de ser, o porquê de sua existência na “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
E o que faz o procurador geral da República, Augusto Aras, ante essa situação gravíssima?
Nada!
Cabe, para finalizar, a transcrição de sábia advertência que o Papa Francisco faz a propósito do “Fim da Consciência Histórica”:
“14. São as novas formas de colonização cultural. Não nos esqueçamos de que “os povos que alienam a sua tradição e – por mania imitativa, violência imposta, imperdoável negligência ou apatia – toleram que se lhes roube a alma, perdem, juntamente com a própria fisionomia espiritual, a sua consistência moral e, por fim, a independência ideológica, econômica e política”. Uma maneira eficaz de dissolver a consciência histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça é esvaziar de sentido ou manipular as “grandes palavras”. Que significado têm hoje palavras como “democracia”, “liberdade”, “justiça”, “unidade”? Foram manipuladas e desfiguradas para serem utilizadas como instrumentos de domínio, como títulos vazios de conteúdo que podem servir para justificar qualquer ação”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 14 – pg. 17/18 – edições CNBB, grifei).
Paz e Bem!
Aos leitores e seguidores do Blog – A manutenção e o sustento deste Blog, que se dispõe a reportagens maiores e exclusivas, dependem das contribuições de seus leitores/seguidores. Com essas contribuições é que enfrentamos despesas com processos que nos movem, bem como nossos investimentos em viagens na busca por informações exclusivas para nossos leitores. Nosso trabalho depende dessas contribuições, em qualquer valor, em qualquer periodicidade. Para apoiar o Blog e nosso trabalho, utilize a conta bancária exposta no quadro ao lado.