Enfim, confirmou-se: Nísia Lima na Fiocruz
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Marcelo Auler

Alguns dos servidores da Fiocruz, que terça-feira abraçaram o Palácio de Manguinhos, entenderam o "acordo" feito como uma capitulação. Foto: Mario Cesar/Fiocruz

Alguns dos servidores da Fiocruz, que terça-feira abraçaram o Palácio de Manguinhos, entenderam o “acordo” feito como uma capitulação. Foto: Mario Cesar/Fiocruz

Na quarta-feira (04/01), a socióloga Nísia Verônica Trindade Lima, que completará 59 anos dentro de 12 dias, assumiu oficialmente a presidência da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, ao presidir a reunião do Conselho Deliberativo da instituição. Trata-se da primeira mulher a exercer tal cargo. Ela foi a mais votada no pleito realizado em novembro, obtendo o apoio de 59,7% (2.556 votos) dos 4.415 servidores (82,1% do quadro total) que participaram da eleição.

Sua escolha, após muitos contratempos, parecia ter sido um recuo do Governo de Michel Temer para pacificar a Fiocruz depois da rebelião gerada nos três últimos dias do ano, com o anúncio de que o ministro da Saúde, o engenheiro civil Ricardo Barros, havia optado pela segunda da lista, a médica Tania Cremonini de Araújo-Jorge. Mas, justamente no seu primeiro dia do exercício efetivo do cargo – apesar de a posse solene ainda não ter ocorrido – surgiram sinais de que não houve nem uma coisa (recuo do governo), nem a outra (pacificação).

Pelas informações que surgiram em diversas páginas do Face Book, inclusive da médica Tania em uma postagem que durou algumas horas na sua página do Face Book e, depois, na entrevista concedida à Folha de S. Paulo on line – ‘Na sexta era presidente da Fiocruz, na segunda, não era mais’, diz médica“, publicada na quarta-feira, a nomeação da mais votada resultou de um grande acordo político. Um conchavo, no termo popular. Em carta dirigida à comunidade da Fiocruz na manhã desta quinta-feira, Nísia confirmou o que chamou de “negociação” (leia íntegra abaixo).

“No entendimento de alguns funcionários antigos, o acordo deixou a própria instituição vulnerável. Sitiada. Não só por colocar na diretoria alguém da confiança do ministro, mas também porque a Tania tornou-se uma “eminência parda”, que não ficará de “braços cruzados”,

Na carta, muito bem escrita, endereçada aos servidores e que é aberta com trechos de um poema de Carlos Drummond de Andrade, Nísia, de certa forma, minimiza o acordo e alega:

Nísia Verônica Trindade  Lima,  a primeira mulher na presidência da Fiocruz

Nísia Verônica Trindade Lima, a primeira mulher na presidência da Fiocruz

“A participação numa equipe de Presidência de pessoas que defenderam projetos distintos e participaram de diferentes campanhas é uma prática que ocorre com alguma frequência. O mais importante agora é que estejamos juntos e, a partir do respeito às diferentes concepções e à diversidade de pensamento, realizemos uma gestão participativa e de qualidade, e que honre a confiança depositada em nós por todos os trabalhadores da Fiocruz e pela sociedade brasileira”. (veja íntegra abaixo)

Ganhou a democracia na Fiocruz, ganhou a democracia na sociedade!

Esse não parece ser o espírito de Tania, que na quarta-feira, pela manhã, por algumas horas postou um texto no Face Book, depois retirado por conta das muitas críticas que recebeu, nas quais o mínimo que se falava é que ela demonstrava ser mal perdedora. Mas, na sua postagem e na entrevista à Folha On Line, ela deixou transparecer seu espírito beligerante:

A campanha deles (…) vai festejar e capitalizar, mas vai ter que nos engolir também. Nunca imaginaram isso“.

Na Folha, ao falar da posição do ministro da saúde, ela explicou:

“ele comprou uma briga que foi ele que mediu os riscos. Mas ele saiu bastante satisfeito e feliz porque nunca um ministro da Saúde teve tanta influência na Fiocruz”.

A Fiocruz, desde o tempo de Sérgio Arouca na presidência (1985/1988) tem sido governada por grupos de cientistas e pesquisadores de esquerda. Arouca contou com o apoio de pessoas que vieram do antigo Partidão, depois PPS – quando este ainda era visto como esquerda – pelo qual ele concorreu à vice presidência, na chapa de Roberto Freire, em 1989. Depois, as diretorias foram compostas por pessoas de diversas tendência políticas, incluindo o PT e outros partidos. Mas sempre com um grupo coeso, que tinha batalhado junto nas eleições internas.

Hugo Leal (PSB-RJ) e Ricardo Barros (PP-PR) acabaram sozinhos na defesa da nomeação de Tania Cremonini. Fotos reprodução

Ricardo Barros (PP-PR) consegguiu a indicação de um vice-presidente o que não ocorria nos governos anteriores. Foto reprodução

Não havia, como agora acontecerá, representante do governo, tampouco um grupo que rachou a unidade existente anteriormente. O grupo de Tania poderá não contar com todos os que votaram nela, pois muitos a criticam hoje pelas suas posições pós-eleições, mas terá alguma expressividade. O próprio ministro Barros, na entrevista que concedeu terça-feira no Palácio do Planalto anunciando a nomeação de Nísia, deixou claro o processo ocorrido:

Houve conciliação de interesses em torno dos objetivos propostos pela Fiocruz. Dentro desse quadro de diálogo e de articulação, o presidente entendeu que essa era a solução mais adequada e efetiva”.

Acho que o ministro usou de estratégia de colocar suas mãos dentro da instituição“, comentou um dos parlamentares que participaram da pressão a favor de Nísia.

De certa forma, isso acabou pegando mal entre alguns eleitores da nova presidente. Eles, no Face Book, se posicionaram de forma mais radical. Caso da mensagem abaixo que recebemos de duas fontes diferentes sem que fosse revelado o(a) autor(a):

“Não creio que tenhamos o que comemorar, pois o golpe agora está instalado diretamente em nossos gabinetes. Mas parece que a ficha não caiu pra muita gente. A Fiocruz está em processo declarado de intervenção, e de reconhecimento do governo golpista por ambas as forças que disputaram a eleição“.

Uma outra servidora, de quem não obtivemos autorização para identificá-la, fez sua cobrança no mesmo tom:

Reunidos em frente ao Palácio Oswaldo Cruz, em Manguinhos, os servidores exigiram o respeito a voto.

Reunidos em frente ao Palácio Oswaldo Cruz, em Manguinhos, alguns dos servidores que exigiram o respeito a voto cobram que o acordo deveria passar pelo crivo da comunidade.. Foto: Mario Cesar/Fiocruz

A comunidade Fiocruz foi chamada a se mobilizar contra a intervenção do ministro. E compareceu. Agora não se pode encerrar uma situação como essa com acordos de gabinete que não envolvam a total transparência e escuta dessa mesma comunidade. Exceto que se negue tudo que está dito aqui (e tomara que se negue!), a crise não acabou. Ao contrário, ela está apenas começando“.

É uma opinião convergente com a do servidor que acima citamos, para quem a Fiocruz está sitiada. Ele nem se preocupa muito com a indicação do ministro, mas acha que há um quadro de fragilidade que pode colocar em risco a própria Nísia:

A composição da diretoria obedecia a critérios internos, mas também partidarizado, desde que com os nomes aceitos pelo pessoal do partidão, PPS. PT. Agora é que mudou. Mas como há a possibilidade do Barros cair na próxima reforma ministerial, não há nada certo, exceto a nomeação da Nísia. O que também não é algo definitivo, a gente sabe“.

Nessa sua análise, o risco para Nísia está nos atritos internos que este quadro pode provocar. Ele lembra que Tania não se deu por vencida e, como disse acima, “ela não ficará de braços cruzados olhando o panorama da ponte. Ela continuará articulando. Virou eminência parda, legal”. Em seguida, completa:

Evidentemente, a comunidade está receosa, porque, em verdade, a Fiocruz está sitiada. Se o atual quadro se configurar e Nísia não dançar conforme a música, haverá tensão, disputa interna, e sabe-se como é a política. Ela pode ser exonerada. Claro que Temer – se ainda estiver lá em cima – há de pensar três vezes, devido à capacidade de mobilização nacional e internacional da Comunidade da Fiocruz, mas nada pode ser assegurado na política.”

Esse quadro de tensão já começou, não apenas nas postagens do Face Book fazendo cobranças da nova presidente sobre o acordo, mas na disputa entre os dois grupos. Um exemplo veio da médica Célia Almeida, que na terça-feira, 03/01, nos mandou uma carta criticando o blog e defendendo Nísia – Ricardo Barros confirma Nísia Lima na Fiocruz. Nesta quinta-feira, ela divulgou carta aberta à colega Tania. No texto, que também reproduzimos na íntegra abaixo, o tom é duro e as acusações pesadas:

“Estou pasma ao ver o quanto baixo pode chegar a cabeça humana movida pelo rancor, pela raiva insana e pelo despeito. Sim, é verdade, estamos vendo e vivendo essas reações animalescas cotidianamente no mundo atual, fruto do conservadorismo fascista e impiedoso que assola a humanidade. Aliás, objeto de estudo de psicanalistas e psicopatologistas”.

E mais:

“Foi preciso continuar e se rebaixar a ponto de procurar e conchavar com um ministro ignorante, mal informado, incompetente e revanchista, sem qualquer capacidade de conduzir o setor saúde e que, por isso mesmo, faz tudo para destruí-lo. O pior que já tivemos na história da saúde brasileira (até agora, pois já vem coisa por aí)!!!

Foi preciso “vender” a Fiocruz sem qualquer pudor, quase abrindo passagem para que esse ministro fizesse o que sempre quis fazer: intervir na Fiocruz! Como não conseguia decifrar a instituição, queria devorá-la, sem se dar conta que a esfinge não brinca em serviço. E quase foi fritado: o que o salvou foi a difícil conjuntura que essa coalizão de governo enfrenta, pois era caso de demissão!!” (veja íntegra abaixo)

Foi preciso vender a Fiocruz! 

 

Com este clima e todas estas incertezas, fica difícil dizer que o governo Temer recuou ou perdeu. Nem mesmo o ministro Barro, que parece ser a bola da vez para perder o posto, saiu somente como derrotado. O pior, será o trabalho a ser feito por Nísia, de re-costurar a união da comunidade Fiocruz que bem prestando relevantes serviços à nação. Afinal, com os nervos à flor da pele e as trocas de acusações, exercitar o ensinamento do poeta Drummond de Andrade – “Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas” – torna-se tarefa difícil. Ou será impossível?

5 Comentários

  1. Andre r ssousa disse:

    Orientaçao para todo e qualquer cargo, do PGR/Janota incluse: sem lista triplice

  2. Andre r ssousa disse:

    Conversem com a Associacao Nacional dos Procuradores da Previdencia ou alguem que possa lhes contar o que aconteceu com o processo de escolha de um nome por lista triplice para chefiar a PGF/AGU em alguns estados. O governo atraves de Romero Juca e Eliseu Quadrilha sic Padilha Jogou a lista na lata do lixo, aceitou um nome indicado por politicos locais, um nome que fosse palatavel mas de confianca e comecou um servico de apagar incendio para que tal nome fosse aceito. Essa orientacao deve se repetir para a indicacao de todo e qualquer cargo, do PGF iclusive. Fora do poder a direita reclama do mar de lama e clama por republicanismo mas qdo assume, o que sempre ocorre atraves de um golpe de estado ė isso ai.

  3. João de Paiva disse:

    Caro jornalista Marcelo Auler, caros leitores.

    Vocês se recordam do último comentário que fiz ontem? Lembram-se de que eu escrevi uma expressão popular “há muito caroço nesse angu”, para indicar que a situação não estava bem resolvida ou encaminhada? Já estava claro para mim que o governo golpista e os mau-caráter que ocupam a presidência da república e o ministério da saúde não tinham se dado por vencidos e que nas sombras e no submundo dos conchavos, chantagens e negociatas estavam tramando um sórdido plano para controlarem a FIOCRUZ e seu bilionário orçamento.

    Para quem tem acompanhado a atuação desse canalhas da política e sabe dos interesses defendidos por eles – frontalmente contra a tudo que é público, sobretudo Educação e Saúde – o alerta vermelho deve ser mantido ligado. Com a divulgação dessas declarações beligerantes de Tânia Araújo percebe-se que ele foi cooptada pelos inquilinos do Planalto e do MS. A carta daquela que foi mais votada por pesquisadores e servidores da FIOCRUZ, Nísia Lima, mostra que ela tenta por panos quentes e apaziguar a situação, mas está enfraquecida e não terá autonomia para gerir a fundação. Do jeito que as coisas caminham, Nísia poderá ser uma espécie de ‘rainha da Inglaterra’ à frente da FIOCRUZ. Nísia será formalmente a presidente, mas não terá comando.

    Vale repetir a declaração de uma servidora, que confirma a percepção que expus no comentário de ontem.

    “A comunidade Fiocruz foi chamada a se mobilizar contra a intervenção do ministro. E compareceu. Agora não se pode encerrar uma situação como essa com acordos de gabinete que não envolvam a total transparência e escuta dessa mesma comunidade. Exceto que se negue tudo que está dito aqui (e tomara que se negue!), a crise não acabou. Ao contrário, ela está apenas começando“.

  4. Luiz Carlos P. Oliveira disse:

    Quem mesmo é acusado de “aparelhamento” do Estado? Fiocruz, Caixa, SUS, BB, BNDES, SBPC… o que mais irá sucumbir à este desgoverno?

  5. […] “Fiocruz está sitiada; comunidade receosa”, diz servidor  […]

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