Marcelo Auler
O Brasil voltou a ser ridiculizado por outros países. O FBI, a Receita Federal e os procuradores dos Estados Unidos, junto com a polícia Suíça fizeram com os cartolas da FIFA o que há muito a Polícia Federal, o Ministério Público brasileiro, o Judiciário pátrio e até mesmo o Congresso Nacional, através de algumas CPIs, tiveram todas as chances de fazer, mas não deram conta. Nossa vergonha não deve ser pelo envolvimento de três brasileiros, com a possibilidade de outros dois figurões serem incluídos. Com relação a isto, não há surpresas. Mas sim por tudo o que deixamos de fazer, apesar de muitos dos casos que agora ressurgem terem se passado sob às nossas vistas ou, pelo menos, nossas desconfianças.
Ricardo Teixeira
Ressalte-se o esforço de alguns poucos procuradores da República que tentaram enquadrar nossos cartolas. Ricardo Teixeira, por exemplo. Também houve caso de juízes que não se deixaram levar pelo prestígio dos envolvidos, e não só aceitaram abrir processos contra eles, como até condenaram o ex-presidente da CBF. Mas, além de serem raros, todos esbarraram em muralhas intransponíveis, construídas ao longo de muitos anos, algumas à base de muitas mordomias. Investigações foram paralisadas e condenações foram revistas.
Quem tem memória lembra-se dos famosos “voos da alegria”, como denominou Juca Kfouri por diversas vezes, promovidos pela CBF presidida por Ricardo Teixeira, nas Copas do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, e em 1998, na França, quando até desembargadores da Justiça do Rio de Janeiro, com suas mulheres, foram convidados da CBF em hotéis cinco estrelas.
Há tempos que se espera uma ação enérgica da polícia, do MP e do Judiciário em torno dos desmandos da CBF que, embora seja um ente privado, joga, e muito, com dinheiro público. Não apenas ela. Assistimos nos Jogos Pan-americanos montanhas de dinheiro serem investidas na construções de prédios, arenas e estádios, com ajuda federal, estadual e municipal, para depois, estarrecidos, vê-los serem demolidos ou reformados para atendermos exigências dos organizadores da Copa do Mundo ou das Olimpíadas.
No caso da CBF e de Ricardo Teixeira, a “limpeza” vem sendo adiada desde, pelo menos, 1994. quando do retorno da seleção pentacampeã no chamado “voo da muamba”. Na ocasião, por pressão do seu presidente e até mesmo dos jogadores, que ameaçavam não desfilar em carro aberto, apesar da multidão que os esperava em plena noite, toda a bagagem foi desembarcada sem passar pela alfândega. Liberaram-na em nome da segurança das instalações aeroviárias do Rio e do próprio risco de tumulto pelos populares. Entre equipamentos eletrônicos, maquinas de lavar, geladeiras e outros babilaques, beneficiaram também modernos equipamentos de chope que Ricardo Teixeira instalou no Bar El Turf, inaugurado meses depois, no Jóquei Clube.
Quem o descobriu foi o Copei, grupo de inteligência da Receita Federal, então comandado no Rio pelo auditor Deomar de Moraes, (já aposentado). Na época, uma denuncia chegou a ser formulada em juízo por procuradores da República e o equipamento chegou a ser confiscado. Mas nem Teixeira foi condenado, nem tampouco o bar deixou de ser inaugurado com o modernoso equipamento que permitia ao cliente servi-se de chope a própria mesa.
Nos os últimos 21 anos, acumularam-se as denúncias contra os cartolas – Teixeira e seu ex-sogro, João Havelange, sempre em posições de destaque -, sem que eles conseguissem ser importunados. Tivemos a CPI do Futebol, no Senado, presidida por Álvaro Dias (PSDB-PR) e a CPI da CBF-Nike, na Câmara, com o deputado Aldo Rabelo (PCdoB-SP) cujo relatório nem sequer foi votado. Hoje, vemos o FBI e a Receita Federal investigarem as relações da Nike com a CBF, por conta de supostos pagamentos de propina. Fomos incompetentes?
Mais recentemente, uma nova CPI foi bloqueada por pressão de Ricardo Teixeira. Nesta quinta-feira (28/05) , após a ação das polícias americana e suíça, finalmente o senador Romário conseguiu desengavetar o pedido de nova CPI da CBF que aguardava uma decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros. Pode ser que, beneficiando-se com informações vinda dos Estados Unidos, se consiga resultados melhores. Para isso, será preciso driblar a conhecida “bancada da bola”.
No Rio de Janeiro, outras tentativas foram feitas pelo procurador da República Marcelo Freire. Com base nos resultados das CPIs, ele solicitou à Polícia Federal a designação de um delegado específico e determinou a abertura de 11 inquéritos. No final do trabalho do policial, ele propôs o arquivamento de todos.
Freire não se deu por vencido. Denunciou Teixeira em quatro casos que foram acatados pelos juízes de primeira instância. Um dos processos, que corria na 6ª Vara Federal Criminal, dizia respeito aos juros exorbitantes pagos pela CBF em empréstimos concedidos pelo Delta Bank.
A ação penal estava próxima de receber a sentença da juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, conhecia por ter a mão pesada contra corruptos e sonegadores. Os processos, inclusive esses, acabaram trancados pelo Tribunal Regional Federal do Rio.
Andre Jennings, vna Comissão de Educação do Senado Federal – Foto Senado federal
Em 2011, a partir de uma representação feita pelo jornalista inglês Andrew Jennings, da BBC de Londres ao procurador-geral da República, Freire voltou a mexer com casos envolvendo Teixeira e novamente determinou a abertura de vários inquérito. Um deles relacionava-se com a empresa Sanud Etabilissement, criada em Liechtenstein. Embora fosse dadas por desativada no paraíso fiscal, ela continuava aparecendo na Junta Comercial do Rio de Janeiro (Jucerj) como detentora de 50% das ações da empresa R.L.J.Participações. As outras ações pertenciam aos familiares do então presidente da CBF.
A Sanud, segundo denunciou Jennings em audiência na Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal, serviu de intermediária para que Teixeira, na condição de dirigente da FIFA, recebesse, nos anos 90, US$ 9,5 milhões (R$ 16 mil) de suborno da empresa de marketing esportivo ISL.
A investigação em torno da ISL que Freire quis fazer, a Justiça Federal no Rio impediu. Hoje, pelo que se leu, são as autoridades americanas que estão debruçadas sobre as relações da empresa de marketing com os dirigentes da FIFA.
O MPF do Rio também queria saber se o então presidente da CBF mantinha dinheiro no exterior, fruto do recebimento das propinas, denunciadas por Jennings. Mais uma vez teve barrada suas pretensões por decisões judiciais. Outro inquérito pedido foi para averiguar se operações de câmbio (troca de Reais por outras moedas) e de empréstimos da CBF, na gestão de Teixeira, provocaram danos ao patrimônio da Confederação. Mas nada mais se falou a respeito.
Jogos Pan-Americanos – As tentativas de apurar gastos demasiados com esporte atingiu os Jogos Pan-Americanos realizados em 2007, no Rio. Uma a Ação de Improbidade Administrativa foi apresentada, em Brasília, pelo procurador da República, Paulo Roberto Galvão, contra o ex-secretário Nacional de Segurança, Luiz Fernando Correa. Ele, e o Diretor de Logística da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos do ministério da Justiça, Odécio Carneiro, foram acusados da compra de um sistema de segurança com um sobrepreço de R$ 17,9 milhões. A perícia técnica da Polícia Federal – que Correa dirigiu ao sair da Secretaria Nacional de Segurança Pública – concluiu esse pagamento a mais para o Consórcio Integração Pan, capitaneado pela Motorola do Brasil. Carneiro perdeu o cargo com a denúncia e Correa chegou a ser afastado da diretoria de Segurança da Empresa Olímpica Municipal do Rio de Janeiro.
Dessa vez, porém, foi o juiz da 8ª Vara Federal de Brasília, Antonio Claudio Macedo da Silva, quem rejeitou a ação, em 2012, alegando que os indícios apresentados “são meras afirmações genéricas, fundadas em laudo pouco explicativo”. Mas, em janeiro passado, por dois votos a um, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília) entendeu de forma diversa e mandou que os dois fossem processados. Apesar da decisão, Correa, agora réu em um processo, é mantido no cargo para o qual voltou com a ajuda do presidente do COB, Carlos Artur Nuzman.
Foram poucos os casos que se teve notícia de investigações sobre despesas feitas tanto nos Jogos Pan-Americanos como na Copa do Mundo de 2014, que agora o FBI fala em investigar. Algumas investigações chegaram a ser iniciadas, sem resultarem em processos. Muitas promessas foram feitas de controle do dinheiro publico, mas o que se viu foram orçamentos iniciais de despesas serem alterados com gastos aumentando de forma exorbitante. Fique-se no exemplo do Maracanã, que consumiu cerca de R$1,25 bilhão, dos quais R$ 500 milhões dos cofres públicos, para ficar dentro das exigências da FIFA. Ao atenderem-nas, garantiam que o legado ficaria para a cidade. Mas, como já anunciaram, para a realização dos Jogos Olímpicos em 2016, o estádio irá passar por novas obras.
Jogos Olímpicos – Pelo menos uma Ação de Improbidade Administrativa já foi interposta por conta das Olimpíadas no Rio em 2016. A iniciativa foi da procuradora da República Marta Cristina Pires Anciães pelo gasto indevido de aproximadamente R$ 800 mil com tradução de folhetos que serviriam na campanha em favor da cidade na disputa pela sede dos jogos, em 2008. Pagou-se por uma tradução em francês que não aconteceu. Entre os envolvidos na ação está o Comitê Olímpico Brasileiro e seu vice-presidente, André Gustavo Richer. O processo corre na 21ª Vara Federal.
Diante de informações que chegaram à Procuradoria da República do Rio, seu chefe, o procurador Lauro Coelho Junior, criou um novo grupo de acompanhamento dos preparativos para as Olimpíadas, coordenado Por Sérgio Pinel com a participação da sua colega Gabriela Figueiredo. Alguns pedidos de esclarecimento já chegaram à Empresa Olímpica do Município.
Curioso é que quando pediu demissão da CBF, após ter seu nome envolvido em um processo na Suíça, no qual firmou um acordo, devolvendo dinheiro que teria recebido de propina, Ricardo Teixeira abandonou o Brasil e mudou-se para Miami. Mal sabia ele que lá, atualmente, corre muito mais risco do que aqui, já que um dos alvos do FBI é a relação da FIFA com a ISL, como Freire queria apurar. Ficando por lá, Teixeira corre os riscos desenhados pelo delegado federal aposentado Jorge Pontes, no artigo que assina nesta página (
FBI no caso da FIFA, mãos na cabeça !). Por aqui, só nos restará esconder a vergonha, por nada termos feito.
3 Comentários
Quem ri por último ri melhor!
Republico aqui o comentário que meu velho colega dos bancos do Colégio Marista São José, Francisco Guida, me fez através de e-mail:
Marcelinho ,
li e concordo que perdemos oportunidades de desmascararmos e punirmos
esses cartolas assim como estamos perdendo oportunidade de fazer o
mesmo com esses maus políticos que são a grande maioria , independente
do partido .
Mas como podemos lutar se os 3 poderes estão comprometidos com o status quo, só legislam em causa própria e a bomba sempre estoura para nós que somos pagadores
de impostos aviltantes que nos levam 5 meses de salários ao ano e não temos
retorno algum ?
Como podemos lutar se o exemplo vem de cima (nossa querida presidente
liberou os impostos para a Fifa no valor de 5 bilhões como se não tivéssemos
precisando para educação e saúde , coisa que nenhum outro país organizador
de copa do mundo fez) .
Esse petrolão será “prato pequeno” quando for aberta a caixa preta do BNDES,
vc não acha ?
Esses caras devem estar se borrando pois nos EUA a justiça acontece independente
de quem quer que tenha cometido o crime e lá o dinheiro irá retornar para os cofres
públicos , coisa que aqui os políticos recebem uma punição branda e o dinheiro é
retornado , quando é retornado , em migalhas .
Infelizmente no Brasil vale a pena ser corrupto pois os que comandam tem “telhado
de vidro”, portanto , acaba não dando em nada .
Agora , vai vc cometer um engano contra a Receita Federal ou qualquer outro órgão
do governo , aí estamos ferrados e mal pagos .
Abraço .
Francisco Guida
está ótimo, Marcelo. Seu blog e os últimos acontecimentos indicam que há muita luz no fim do túnel. Resta saber a extensão do túnel. Abs.