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Suicídio do reitor: “Agora, é claro, não aparecerá responsável”.
15 de outubro de 2017

Marcelo Auler (*)

claudio-fonteles-vivemos tempos obscuros2O suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luis Carlos Cancellier, em 2 de outubro, é a demonstração clara dos “tempo sombrios” a que Claudio Fonteles, o primeiro a ser empossado Procurador-geral da República pela escolha direta de seus pares (governo Lula, 2003/05), se refere no texto que assina no seu blog e pede sua reprodução.

Sem dúvida, sua abordagem da questão, embora enfática, evita os detalhes que tornam o Caso do Reitor nítida demonstração do autoritarismo implantado entre nós. Ele poderia abordar a questão de forma mais diretas, indicando erros grosseiros que foram cometidos, passando-se por cima da Constituição. A começar da tradicional presunção de inocência.

Católico tradicional e membro da Ordem Franciscana, Fonteles preferiu reforçar seus argumentos sobre o momento sombrio que vivemos recorrendo às manifestações do Papa Francisco.

O que não se pode esquecer é que, muito antes dos atuais bastiões da moralidade publica deixarem de lado as calças curtas ou mesmo o jardim de infância, este hoje ancião já lutava contra a corrupção.

Tudo, é bom lembrar, dentro do respeito ao Estado Democrático de Direito, embora muitas de suas ações ocorreram em plena ditadura militar. Bem diferente do que se assiste hoje em dia.

Seu ingresso como procurador da República deu-se em 1973, antes de alguns dos protagonistas deste caso terem nascido.

Em 2003, quando da sua indicação por Lula para o cargo de Procurador-geral da República, Cecília Maia, em reportagem na revista IstoÉ Gente, lembrava:

Em 30 anos como procurador, Fonteles se notabilizou por liderar um movimento pela punição dos crimes de colarinho branco, o que lhe permitiu denunciar por corrupção os ex-ministros Zélia Cardoso de Melo e Antônio Magri. Promoveu ações que levaram a Procuradoria a defender mais a sociedade e menos o governo, papel mais tarde confirmado na Constituição de 1988. Por isso, é o que se pode chamar de um procurador “perigoso”.”

Perigoso, porém, respeitador do texto legal e da Constituição que, como procurador, jurou defender.

Abaixo, segue sua reflexão sobre o momento sombrio que vivemos, na expectativa que sirva à reflexão de todos.

“FASCISTAS E DEMOCRATAS USAM A MESMA TOGA”

Claudio Fonteles (*)

São palavras do Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e Professor da Universidade Federal no mesmo Estado, magistrado Lédio Rosa de Andrade, pronunciadas em discurso em homenagem a seu amigo-irmão Luis Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que terminara com sua própria vida, no dia 2, próximo passado.

bilhete do bolsoEstamos em tempos obscuros.

Obscuros porque as ditas elites, que tem a responsabilidade maior na condução de todos os assuntos pertinentes ao bem comum, na especificidade de como se apresentam – seja no governar, no legislar e no julgar – divorciaram-se, por completo, de tão valorosa missão.

O que se assiste é a prática reiterada e desavergonhada do corporativismo a engendrar “pactos”, “soluções de ocasião”, “arranjos”, que espelham a covardia no assumir posições concretas, objetivas, comprometidas com a verdadeira adoção de medidas para, paulatinamente, construírem a sociedade fraterna, porque justa.

Não, nada disso se objetiva.

Familiariza-se e eterniza-se a representação popular; o jogo de palavras e gestual estudado formatam o quadro, assim manipulado, para o exercício da administração pública; o desequilíbrio verborrágico incessante atropela, letalmente, a serenidade e a imparcialidade de todos quantos decidem.

Torno ao Professor e Desembargador Lédio Rosa de Andrade a dizer:

“É claro que um Estado Democrático de Direito precisa de imprensa livre. É claro que um Estado Democrático de Direito precisa de independência do Judiciário. Que o Judiciário e os juízes julguem, livremente, sem pressão. Só que, também, é claro que essas instituições absolutamente importantes para a democracia a cada dia, a cada momento, são deturpadas. Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade da empresa privada para impor desejos privados à coletividade. Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam”. (Jornal do Brasil: publicação eletrônica do dia 07/10 às 13h.24).

E, com pleno acerto encerrou o Professor e Desembargador Lédio Rosa de Andrade:

“Bertolt Brecht já nos disse. Já estão levando não só os vizinhos, já estão levando nossos amigos próximos e vão nos levar. A vida é isso, companheiros. É luta permanente. E a democracia não permite descanso. Não permite descanso. Eu, hoje, como professor da UFSC sou uma pessoa que tem orgulho e alegria. Como desembargador, tenho vergonha. Porcos e homens se confundem. Fascistas e democratas usam as mesmas togas”. (publicação citada).

Trago, aqui e agora, porque tão oportunas e sábias, as palavras do Papa Francisco, na mensagem quaresmal para o corrente ano, motivadas pela cena evangélica do pobre Lázaro e o homem rico:

“O apóstolo Paulo diz que a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro (1 Tm 6, 10). Esta é o motivo principal da corrupção e uma fonte de invejas, contendas e suspeitas. O dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico (cf. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 55). Em vez de instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço ao amor e dificulta a paz. Depois a parábola mostra-nos que a ganância do rico fá-lo vaidoso. A sua personalidade vive de aparências, fazendo ver aos outros aquilo que se pode permitir. Mas a aparência serve de máscara para o seu vazio interior. A sua vida está prisioneira da exterioridade, da dimensão mais superficial e efêmera da existência (cf. ibid., 62).

O degrau mais baixo desta deterioração moral é a soberba. O homem veste-se como se fosse um rei, simula a posição dum deus, esquecendo-se que é um simples mortal. Para o homem corrompido pelo amor das riquezas, nada mais existe além do próprio eu e, por isso, as pessoas que o rodeiam não caem sob a alçada do seu olhar. Assim o fruto do apego ao dinheiro é uma espécie de cegueira: o rico não vê o pobre esfomeado, chagado e prostrado na sua humilhação”. (mensagem quaresmal do Papa Francisco para o ano de 2017).

Comecei este escrito, dizendo: “Estamos em tempos obscuros”.

Sim, estamos.

Aos 16 anos de idade, e esta semana chego aos 71, sonhando e me empenhando com tantas e tantos mais por nosso Brasil, brasileiro; por nosso Brasil honesto, justo, fraterno e vi-me, então aos 18 anos de idade (1964), derrotado, destroçado, sofrido,

mas permaneci fiel ao sonho, que sonhei. Não o abandonei, e o dia amanheceu porque nuvens obscuras nunca impedirão que o sol sempre nasça, e ilumine.

Com muita alegria, venho de ler palavras do Papa Francisco, ditas há pouco, na Audiência Geral da quarta-feira, dia 20 de setembro, que me fazem tão bem, porque me entusiasmam a não desistir. Diz Francisco:

“Cultiva ideais. Vive algo que supera o homem. E mesmo se um dia estes ideais apresentarem uma conta alta a pagar nunca deixe de os conservar no coração. A fé obtém tudo. Se erras, levanta-te: nada é mais humano do que cometer erros. E aqueles mesmos erros não se devem tornar para ti uma prisão. Não fiques preso nos teus erros. O Filho de Deus veio não para os sadios, mas para os doentes: portanto, veio também para ti. E se errares ainda no futuro, não temas, levanta-te! Sabes porquê? Porque Deus é teu amigo. Se a amargura te atinge, crê firmemente em todas as pessoas que ainda trabalham pelo bem: na sua humildade está a semente de um mundo novo. Frequenta pessoas que conservam o coração como o de uma criança. Aprende da maravilha, cultiva a admiração. Vive, ama, sonha, crê. E, com a graça de Deus, nunca te desesperes”. (mensagem quaresmal mencionada).

Paz e Bem.

Fonteles por ele mesmo: Nasci no dia 11 de outubro de 1946,na cidade do Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca. Em 1960,vim para Brasilia. Graduei-me e pós-graduei-me em Direito, na Universidade de Brasilia.Em 7 de novembro de 1973, após aprovação em concurso público , tomei posse no cargo de procurador da República. No magistério superior,ingressei em 1971, lecionando Direito Penal e Direito Procedssual Penal. Recentemente, em junho do ano em curso, graduei-me em Teologia pelo Instituto S. Boaventura dos Frades Menores Conventuais. Atualmente, leciono Doutrina Social da Igreja no curso superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília. Sou casado com Ângela, desde 9 de julho de 1971 e temos quatro filhos: Flavia,Fernanda, Claudia ( falecida ) e Gabriel. Sou franciscano leigo da fraternidade de S. Francisco de Assis. Atuo com irmãs e irmãos dependentes químicos; em comunidades simples e exerço a missão de ministro extraordinário da sagrada Eucaristia, celebrando a Palavra e me dedicando ao viático, ou seja, levar a Eucaristia a irmãs e irmãos que, por razões de saúde, não podem se locomover até à Igreja. Sou vascaíno convicto.

(*) A matéria foi reeditada às 14h20 do dia 10/10 para substituir a ilustração com a frase que constava no bilhete encontrado no bolso da calça do reitor. O Blog errou na frase na versão anterior e, poreste motivo, pede desculpas a todos os leitores.

4 Comentários

  1. Giordano disse:

    O Dr. Cláudio Fontes merece o respeito de todos nós é tem autoridade para fundamentar seu texto nas palavras do Papa Francisco.
    Precisa ser mais ouvido por este Pais embrutecido por uma mídia inimiga sempre apoiada pela elite do dinheiro e uma justiça de conveniências, vergonhosamente parcial.
    Somos hoje, nesse Brasil pós golpe, uma vergonha mundial, onde ” porcos e homens se confundem. Fascistas e democratas usam a mesma toga”.

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