A frase do desembargador Luiz Zveiter, pronunciada logo após o pleno do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ter lhe reconduzido à presidência com 113 votos, reflete o que de fato aconteceu. Conforme noticiou o próprio site do TJ-RJ, emocionado, ele agradeceu e prometeu:
“preservar a independência do Tribunal, valorizando os magistrados e os servidores desta casa”. (o grifamos)
No fundo, mais uma vez, venceu o corporativismo. Ele conseguiu derrotar a desembargadora Maria Inês da Penha Gaspar (47 votos) por ser identificado como o presidente que melhor garantirá as benesses para o corpo de magistrados e de servidores do Judiciário fluminense.
“Na minha opinião, o Dr. Zveiter foi um dos presidentes do TJ que mais se preocupou com os servidores do TJERJ.“, destacou uma de nossas leitoras nos comentários deste blog.
O curioso é a sua reeleição – cuja legalidade terá que ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), provavelmente na próxima sessão – ocorrer poucas horas depois de a ministra Carmen Lúcia, em encontro de magistrados em Brasília, ter vaticinado:
“É preciso estarmos atentos ao que o Brasil espera de nós e o que fazer para atender essas demandas. Qualquer servidor público atua para atender à população. Julgamos conflitos na sociedade e vivemos um momento particularmente grave” — disse a ministra.
Ao eleger Zveiter, os 113 desembargadores do Rio, ao que parece não se preocuparam com a voz vinda das ruas. Conforme amplamente noticiado nas redes sociais e na reportagem que postamos na manhã de segunda-feira (05/12) – “Luiz Zveiter: o dilema do Tribunal de Justiça do Rio (2)” -, no domingo, manifestantes que foram à Praia de Icaraí, em Niterói, protestar contra a corrupção e a favor da Lava Jato, ao se depararem com ele na calçada em frente ao prédio que reside e cantaram em coro:
“Luiz Zveiter, poder esperar. A sua hora vai chegar!“
Verdade que, no tempo de barbárie que estamos vivendo, a manifestação extrapolou quando passaram a tentar agredi-lo, inclusive não respeitando uma criança ao lado dele. É o chamado efeito “manada” que a grande mídia anda incentivando, ainda que indiretamente. Mas, de qualquer forma, tirando a agressão, o recado foi dado. A população fluminense já sabe das relações próximas que Zveiter e sua família com o ex-governador Sérgio Cabral e ainda dos negócios suspeitos na sua gestão no TJ com a Delta Engenharia. Aguarda apenas que tudo venha à tona e seja posto em pratos limpos.
A propósito, vale repetir aqui parte da nota oficial emitida pelo presidente do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro, Álvaro Quintão, no mesmo dia em que ocorreram as manifestações (a íntegra pode ser lida aqui):
“O Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro repudia os atos de violência perpetrados contra o ex-presidente do TJ-RJ, desembargador Luiz Zveiter, hoje (04), em Niterói, por populares que participavam de manifestações em favor da Lava Jato e dos procuradores.
Por mais que existam denúncias graves contra o desembargador, ele tem direito a um julgamento dentro da lei, dentro do que o código penal e a nossa Constituição regem – de resto todas as pessoas têm esse direito.
Algo diferente disso nos levará à idade média, ao estado anterior ao estado de direito que hoje o nosso país vive; nos levará ao “julgamento” com as próprias mãos, ao linchamento tão abominado pela civilização.
Esse Sindicato muitas vezes se colocou contra os atos políticos e administrativos do ex-presidente do TJ-RJ, mas daí a concordar que ele deve sofrer um “julgamento” pela imprensa e por populares raivosos vai uma larga diferença!”
Independentemente da violência que deve ser repudiada, os protestos não podem ser ignorados. Mas, no dia seguinte, sem que os gritos da véspera fossem ouvidos – ou talvez influenciados por eles como admitiu um advogado carioca -, o Tribunal o elegeu novamente presidente após duas horas de discussão. Não deram atenção ao que disse a presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) naquela mesma manhã:
“Toda sociedade tem um momento que se vê em uma encruzilhada. Ou a sociedade acredita em uma ideia de Justiça, que vai ser atendida em uma estrutura estatal, e partimos para o marco civilizatório, ou a sociedade deixa de acreditar nas instituições e por isso mesmo opta pela vingança“,
Carmen Lúcia ainda acrescentou que quando as demandas da sociedade não são atendidas,
“a não resposta da Justiça” gera sentimento de vingança.
O curioso é que, na análise de um advogado do Rio, os gritos e a tentativa de agredir Zveiter podem tê-lo beneficiado na votação ocorrida no início da tarde de segunda-feira (05/12): “É óbvio que a manifestação despertou solidariedade corporativa. É sempre o raciocínio: “amanhã pode ser comigo”. Não tenho dúvida de que a diferença teria sido menor. Bem menor”.
Já um importante criminalista do Rio acha que, independentemente da votação de Zveiter esta sub judice no Supremo, ele tem tudo para ser um grande administrador do Judiciário Fluminense. Sem entrar nos detalhes das acusações que possam surgir contra ele, lembra que na sua primeira gestão manteve um excelente relacionamento com a OAB.
Ajuda de Luiz Fux – A permanência de Zveiter à frente do TJ-RJ no próximo biênio (2017/2018) dependerá agora da discussão da ADI 5.310 no Supremo Tribunal. Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade, cuja relatora é a ministra Carmen Lúcia, foi provocada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em abril de 2015. Ela questiona a Resolução 1/2014, que o Tribunal de Justiça do Rio editou, em 9 de setembro de 2014, a tempo de Zveiter poder concorrer naquele ano à reeleição.
Aprovada por maioria simples, a Resolução abriu chance da reeleição de um desembargador à presidência do tribunal, o que é vetado pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). Por esta lei máxima do Judiciário, só poderia haver recondução ao cargo de presidente, após todos os desembargadores já terem ocupado a cadeira. Isso não ocorre no Rio, cujo pleno do tribunal é composto por 180 magistrados.
Tão logo o TJ editou esta Resolução, ela foi questionada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que a suspendeu por considerá-la inconstitucional, na medida em que as eleições em tribunais são regidas pela Lei Nacional, cuja iniciativa deve partir do Supremo Tribunal Federal.
O TJ do Rio recorreu ao STF com um mandado de segurança (MS 33.288) que depois de ser distribuído à ministra Carmen Lúcia, foi repassado ao ministro Luiz Fux, por prevenção, já que ele tinha outro processo discutindo normas de eleições no tribunal do Rio Grande do Sul.
Fux concedeu uma liminar, em dezembro de 2014, suspendendo a decisão do CNJ. Com ela, Zveiter, dois dias depois, em 4 de dezembro, concorreu, pela primeira vez à reeleição. Perdeu nos votos para o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho. Desta vez, ainda respaldado na liminar, Zveiter conquistou a sonhada reeleição.
Fux, como se sabe, é oriundo do Tribunal do Rio onde conviveu com Zveiter. Em março, ele viu sua filha, Mariana, de 35 anos, receber 126 votos dos desembargadores quando seu nome constou da lista sêxtupla apresentada pela OAB. Foram muitos questionamentos, por ela não ter comprovado 10 anos de militância como advogada. Mas, ainda assim, tornou-se a mais nova desembargadora, pelas mãos do governador Luiz Fernando Pezão.
Supremo com a palavra final – Os efeitos da liminar de Fux, porém, poderão ser derrubados quando a ministra Carmem Lucia levar à apreciação dos demais ministros a ADI 5.210. Ela a incluiu na pauta de quinta-feira (1/12), mas o julgamento da abertura de processo penal contra Renan Calheiros ocupou toda a sessão. Pelo que ela informou naquele dia, os demais processos da pauta serão apreciados na sessão de quarta-feira (07/12). Novamente, porém, Renan terá prioridade, na medida em que o ministro Marco Aurélio Mello levará a plenário a sua decisão desta segunda-feira (05/12) afastando o presidente do Senado do cargo.
A tese sustentada por Janot é respaldada no meio jurídico. Mas, Zveiter, nesta eleição, demonstrou força e apoio entre seus pares no Tribunal de Justiça do Rio, apesar dos protestos públicos e das informações de que será cobrado sobre um sobrepreço em obra realizada na sua primeira gestão com a Delta Engenharia. A depender da decisão do Supremo, ele poderá conquistar um novo título: o de presidente de um tribunal com o menor mandato: apenas alguns dias. Afinal, a própria ministra Carmen Lúcia parece estar atenta ao que a sociedade clama, pois na palestra de segunda-feira, deixou claro:
“Não esperamos que a sociedade precise desacreditar (do Judiciário) a tal ponto”.
Veja a íntegra da manifestação de Rodrigo Janot.
Parecer do PROCURADOR GERAL da REPÚBLICA na ADI 5310