A viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Brasília no transcorrer desta semana – 03 a 08 de maio – com uma agenda de encontros típica de estadista, será mais um motivo de preocupação para Jair Bolsonaro. Como se não bastasse as possíveis insônias provocadas diante da perspectiva dos depoimentos dos seus ex-ministros da Saúde na CPI do Genocídio, previstos para terça, quarta e quinta-feira.
Bolsonaro, como noticiou Lauro Jardim, em O Globo – Em encontro fora de agenda com Sarney, Bolsonaro pergunta sobre Renan e…Lula – já recorreu ao ex-presidente José Sarney, provavelmente por ter sabido que Lula estará com o mesmo. Não importa o que conversaram. Vale o gesto de ter ido à residência da raposa política maranhense, antecipando-se ao ex-presidente petista. Mas a conversa pode ter sido pouco proveitosa.
A preocupação do hoje acuado capitão-presidente, assim como dos seus seguidores extremados, porém, deve servir de alerta à equipe do ex-presidente petista. É preciso estar atento e forte, como diz a velha canção. Não se pode descartar nem mesmo o risco de tentativa de agressões por parte de gente mais aloprada.
Ainda que um atentado pareça ser ato extremado, difícil de ocorrer, não é demais imaginar o ex-presidente sob vigilância constante. Até mesmo por servidores da própria estrutura governamental, no que será um evidente desvio de função. Algo que, em priscas era, aconteceu com o próprio Lula, sem que ele mesmo tivesse conhecimento, ou imaginasse à época.
Como demonstra um documento oficial que o jornalista Hélio Doyle, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e atual conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) resgatou junto ao Arquivo Nacional, ao pedir os dados a seu respeito acumulados pela chamada repressão política.
Intitulado “Informe nº 4451/31/AG/78” (leia íntegra abaixo), datado de 26 de setembro de 1978, o documento de oito páginas é um belíssimo retrato de como agia a repressão na época com os supostos inimigos da ditadura militar. Descreve passo a passo a estada de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, na capital federal entre os dias 11 e 14 de setembro daquele ano. Revela os encontros e as pessoas com quem conversou, em ambientes oficiais- como o Congresso Nacional – ou em encontros mais privados. Por exemplo, na noite em que esteve com jornalistas na casa de Carlos Alberto Sardenberg, então repórter da revista Veja.
Lula desembarcou em Brasília na manhã da segunda-feira (11/09) para reunir-se com outros vinte líderes sindicais de diversos pontos do país. Foram à capital, depois de terem se encontrado no Rio de Janeiro, no dia 2 do mesmo mês. Foram à capital levar a posição deles com relação à reforma política proposta pelo governo do general Ernesto Geisel, que estava sendo debatida no Congresso. Também se posicionaram com relação a lei de greve, que tramitava no legislativo.
Na véspera de sua chegada com outras lideranças sindicais, o então ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, em uma cadeia nacional de rádio e televisão em pleno domingo, advertiu-os, ameaçando com intervenção nos sindicatos cujos líderes fossem à Brasília. No sábado, ele editou uma portaria que tratava como ilegal o encontro de sindicalistas de categorias diferenciadas. Alegava que a legislação trabalhista e a própria lei de segurança nacional consideravam ilegais os organismos intersindicais, ou seja, as centrais sindicais. Prieto dizia ainda que “sindicato não é entidade para fazer política partidária”.
Sabendo que a reunião ocorreria na sede do Sindicato dos Jornalistas, naquela época presidido pelo veterano colunista político Carlos Castello Branco, Prieto o procurou e deixou claro que se a reunião ocorresse haveria intervenção na entidade.
Castelinho – forma carinhosa como o colunista era tratado pela sua baixa estatura – recuou e avisou a Doyle, então representante do Sindicato junto à Federação Nacional dos Jornalistas, que não poderiam receber os demais sindicalistas. Rapidamente a reunião inicial de todos foi marcada para o famoso Clube de Imprensa, sob o qual o ministério não tinja jurisdição.
Acabou desmoralizado, não apenas pela presença de aproximadamente 20 sindicalistas do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e do Rio Grande do Sul que não deram ouvidos às ameaças e desembarcaram na capital assim mesmo. Juntaram-se às lideranças de entidades do Distrito Federal.
A desmoralização acabou corroborada também por lideranças políticas ligada ao governo militar tais como os senadores Petrônio Portela (Arena-PI), Jarbas Passarinho (Arena-PA), então líder do partido no Senado, e o deputado Marco Maciel (Arena-PE). A conversa mais difícil foi justamente com o então senador Sarney (Arena-MA), relator do projeto das reformas políticas. Nenhum deles, porém, se recusou a conversar com os sindicalistas. Antes pelo contrário, elogiaram a iniciativa.
O acompanhamento dos agentes de segurança deu-se especificamente a Lula, pelo que consta no documento atualmente guardado no Arquivo Nacional. Eles o seguiram por todos os lugares, anotando placas de carros nos quais o líder metalúrgico foi conduzido, ou mesmo das pessoas que com eles foram se encontrar. Relataram onde ele almoçava e/ou jantava, embora nem sempre tenha conseguido identificar as pessoas que estiveram com Lula.
Coincidentemente, no mesmo dia 11 de setembro em que Lula desembarcou em Brasília, o editor deste BLOG iniciou um novo contrato de trabalho na sucursal do Jornal do Brasil, no Distrito Federal. Provavelmente por ter sido um dos primeiros repórteres a chegar na redação naquela segunda-feira, acabou escalado para acompanhar os sindicalistas. Reuniu-se ainda com os mesmo em outros horários, motivo pelo qual o carro que possuía à época foi identificado no relato feito pelos olheiros da repressão que acompanhavam o dia-a-dia de Lula na capital.
Da mesma forma como foram citados outros jornalistas, inclusive as três colegas – Ângela Ziroldo, da Veja, Beth Cataldo, do Estado de S Paulo e Vanira da Silva, do Diário do Comércio e Industria DCI – que hospedaram Lula e Afonso Silva Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Panificação de São Paulo, no apartamento em que residiam na SQS 407.
Lula, que despontou como liderança sindical nos anos de 1977/78, já havia estado em Brasília antes. Inclusive convocado pelo então senador Petrônio Portela, encarregado pelo presidente Geisel de criar o projeto que ficou conhecido como “distensão política”. O político piauiense conversou com diversos representantes da chamada sociedade civil.
Aquela viagem, porém, foi a primeira de muitas que se sucederiam no decorrer do tempo, de comissões de sindicalistas. Eles aprenderam a pressionar políticos na defesa de suas bandeiras. Nem sempre foram vitoriosos. Como na votação da Lei da Greve em que se sentiram prejudicados. A partir destas viagens e das derrotas acumuladas junto ao Congresso que surgiu a ideia, em mesas de bares da capital nos anos de 1978 e 1979, da criação de um partido de trabalhadores. O que aconteceu oficialmente em 1980.
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