Principal responsável pela operação policial Ouvidos Moucos – e, consequentemente, pelo suicídio, em 2 de outubro de 2017, de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, então reitor afastado da Universidade Federal de Santa Cataria (UFSC) – a delegada federal Erika Mialik Marena foi acusada, no ultimo dia 26 de abril, em audiência na 1ª Vara Federal de Florianópolis, presidida pela juíza Janaina Cassol Machado, de modificar o depoimento de uma testemunha ouvida no inquérito.
Não foi a primeira vez que a mesma delegada teve seu nome envolvido em possíveis falsificações de depoimentos em inquéritos policiais. Os primeiros casos surgiram com a Vaza Jato que revelou diálogos, pelo Telegram, entre os membros da Força Tarefa de Curitiba da Operação Lava Jato. Em janeiro de 2016, os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello Júnior comentaram através do aplicativo que a delegada Erika “lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada… Dá no mínimo uma falsidade…” A existência desses diálogos foi noticiada amplamente, inclusive pelo site Conjur na reportagem – Polícia Federal forjou depoimentos para ajudar ‘lava jato’, mostram diálogos – e pelo 247 – Delegada Erika Marena, que comandou operação contra Cancellier, ex-reitor que se matou, falsificou depoimento na Lava Jato, em fevereiro de 2021.
O mesmo diálogo dos procuradores nas mensagens levadas ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pela defesa do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indicou que outros casos de falsificação de depoimentos podem ter ocorrido. Naquela conversa por aplicativo, Martelllo Júnior escreveu: “o mesmo ocorreu com padilha e outros. Temos q chamar esse pessoal aqui e reinquiri-los. Já disse, a culpa maior é nossa. Fomos displicentes!!! Todos nós, onde me incluo. Era uma coisa óbvia q não vimos” (sic).
A nova modificação de depoimento, desta feita na Ouvidos Moucos, foi apontada pela administradora Simone Machado Moretto Cesconetto. Ela atuou como tutora de alunos no curso de graduação em administração do programa de Ensino a Distancia (EaD). A Polícia Federal de Santa Catarina, tendo à frente a delegada Érika, investigava uma suposta organização criminosa supostamente constituída por professores e servidores da UFSC. Falava-se em um desvio de R$ 3,3 milhões no EaD.
Desencadeada em 14 de setembro de 2017, a operação Ouvidos Moucos repetiu os moldes da Lava Jato curitibana: prisão dos suspeitos antes mesmos de serem chamados a se explicar. Foram presos seis professores e o reitor Cancellier, que sequer era acusado de corrupção. Falou-se que ele estaria interferindo nas investigações, o que jamais foi provado.
Algemado nas mãos e nos pés, obrigado a trajar um macacão comum aos presidiários ao passar a noite no presídio, afastado do cargo e impedido de ingressar no campus, Cancellier, mesmo tendo sido solto no dia seguinte e apesar de toda a solidariedade que recebeu, entrou em depressão. Em conseqüência, em 2 de outubro, jogou-se do sétimo andar do Shopping Beira mar, no centro de Florianópolis. No bolso um bilhete com a explicação: “Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”.
Responsável pela operação, a delegada logo depois foi transferida para Sergipe, com a promoção ao cargo de superintendente. Uma sindicância do próprio DPF concluiu que não houve irregularidade alguma na ação que comandou e levou o reitor ao suicídio.
No governo Bolsonaro, foi levada pelo ex-juiz Sérgio Moro para o ministério da Justiça. Nomeada diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça, perdeu o cargo junto com a queda de Moro. Retornou para a Superintendência do Departamento de Polícia Federal do Paraná (SRDPF-PR), onde atua na Delegacia de Repressão a Entorpecentes.
O relatório final do inquérito policial da Operação Ouvidos Moucos indiciou 23 pessoas, mas o Ministério Público Federal denunciou apenas 13, entre eles o filho de Cancellier, Mikhail Vieira De Lorenzi Cancellier. Este e mais dois réus terminaram por fazer um acordo com o Ministério Público. Comprometeram-se a pagar cestas básicas para instituições de caridade.
Na audiência de instrução do processo em que a administradora Simone foi interrogada como testemunha, alguns advogados dos réus estranharam quando a ela discordou dos termos que constam do seu depoimento na Polícia Federal. Notadamente Alexandre Salum Pinto da Luz, que defende o servidor Roberto Moritz da Nova, acusado de ser braço operacional e financeiro do grupo. Pelo termo de depoimento à polícia anexado ao inquérito, a administradora admitia que Roberto lhe pediu emprestado contas bancárias para pagamentos de terceiras pessoas. Em juízo, a testemunha alegou ter dito exatamente o contrário, ou seja, negado tal fato.
A audiência não está transcrita. Foi totalmente gravada em vídeo. Apesar do som distante, consegue-se perceber que Simone discordou de alguns trechos importantes, em especial nas acusações a Roberto.
A primeira surpresa para os advogados foi quando, aos dois minutos, a testemunha declarou que na sala onde prestou o depoimento ela estava sozinha com a delegada. Admitiu que naquele momento estava “fragilizada”, pois era o período em que amamentava seu filho pequeno, por isso se preocupava com a demora.
No termo de depoimento, porém, consta a assinatura de César Akio Assakawa, Escrivão de Policia Federal, assumindo a redação do documento – “que o lavrei”. Segundo Simone, quem digitou o depoimento foi a própria delegada, “uma mulher loira de cabelo curto”. Ou seja, repetiu-se na Ouvidos Moucos o que já tinha ocorrido na Lava Janto. Como descreveu o procurador Martello, no depoimento que a delegada Erika foi acusada de ter forjado, constava a participação de um escrivão. Os procuradores, porém, admitiram que não houve o depoimento.
Na audiência da Ouvidos Moucos, de 26 de abril, Simone afirmou que não estava acompanhada de advogado e também não conseguiu ler o depoimento que assinou. Atendendo ao apelo dos advogados das partes, a juíza concordou em ler a íntegra do depoimento para que a testemunha conferisse a realidade do que estava escrito.
Em determinado trecho consta que Simone ao assumir a supervisão da tutoria de alunos passou a receber um “valor adicional de R$ 200,00. Esses pagamentos eram coordenados por Roberto da Nova Moritz”. Consta ainda que “quando não havia pagamentos (ela) apenas subia ao andar acima da sala de trabalho da declarante e perguntava a Roberto o motivo do atraso, ao que era informada que não havia recursos disponíveis”.
Ao ouvir tudo isso, a testemunha apenas comentou: “Não lembro”.
Já quando surgiu o trecho em que ela confirma que “na sua condição de supervisora de tutoria na época do Projeto Piloto 1, teve conhecimento de ingresso no programa de pessoas que não preenchiam os critérios da CAPES”, Simone negou, alegando que “não foi isso o que disse, o sentido era quanto ao comprometimento”. Pelo áudio da audiência não se consegue ouvir detalhes a respeito da resposta que explique claramente o que teria falado.
Mais adiante veio o trecho em que ela diz que negou exatamente o que consta como tendo confirmado. No depoimento à polícia está que “perguntada se já emprestou sua conta para o recebimento de bolsa de EaD destinadas a outras pessoas, a declarante informa que não, jamais emprestou sua conta e seu nome para que outras pessoas recebessem valores. Que perguntada se isso já foi solicitado à declarante, esclarece que o funcionário Roberto da Nova, por três ou quatro vezes, fez tal solicitação”. Em juízo ela garantiu ter negado isso à delegada.
Da mesma forma disse não ser verdadeiro ter admitido à delegada “que Roberto abordou a declarante perguntando se poderiam depositar valores em sua conta, dizendo que precisaria pagar um professor ou um tutor e que não teria como pagar se não fosse dessa forma; Que Roberto, nas três vezes em que abordou a declarante como pedidos dessa natureza não informou a que títulos se dariam referidos recebimentos, assim, não sabe se seriam como “bolsas” e se os valores viriam de fundação de apoio ou da CAPES; que em uma das conversas Roberto chegou a sugerir que a declarante poderia ganhar R$ 200,00 (duzentos Reais) de comissão por emprestar sua conta; Que como a declarante negou em todas as vezes e vinha se mostrando cada vez mais desconfortável com a abordagem, Roberto passou a não mais lhe fazer esse tipo de pergunta”.
Em juízo garantiu que “nunca foi abordada pelo professor Roberto para emprestar sua conta”, estranhando, portanto, os termos que lhe foram atribuídos no depoimento.
Também não confirmou, antes pelo contrário, disse ter negado na delegacia, saber que Roberto fez esse tipo de proposta (empréstimo de conta bancária) para outros colegas de declarante no EaD. No depoimento consta que “sim, pois já viu Roberto fazendo a mesma proposta para outras pessoas, porém não sabe dizer quem teria concordado ou não com esse empréstimo de conta”.
As revelações da testemunha chamaram a atenção do procurador da República André Bertuol que acompanhou a primeira hora de audiência (depois foi substituído pelo seu colega Marco Aurélio Dutra Ayros). Aos 7 minutos da audiência, antes da leitura da íntegra do depoimento à polícia, Bertuol já destacava o fato de que Simone “nega peremptoriamente” ter sido abordada pelo professor Roberto com relação ao empréstimo de contas bancárias.
Simone ainda esclareceu que a delegada era incisiva e foi hostil. Disse ter saído da Polícia Federal “muito constrangida e agredida moralmente e emocionalmente. Foi uma experiência muito ruim”. Admitiu que sabia de outras pessoas que prestaram depoimento à Erika naquele dia e saíram/sentiram-se constrangidas.
A partir de todas essas constatações, a pedido do advogado Salum Pinto da Luz, a juíza Janaina determinou à secretaria da Vara o encaminhamento à Corregedoria da Superintendência da Policia Federal em Santa Catarina de cópia dos depoimentos. Para o advogado é necessário “apurar possíveis crimes cometidos pela delegada Erika contra a administração pública e da justiça”.
No ofício endereçado em 11 de maio passado, a diretora da secretaria da Vara, Fernanda Ferreira Fernandes Cardoso encaminhou (i) Copia da Ata de Audiência realizada em 26.04.2023, (ii) Vídeo do depoimento da testemunha Simone Machado Moretto Cesconetto e, também (iii) copia do depoimento da Sra. Simone junto à Polícia Federal no inquérito nº 50184693220164047200. No documento ela ressalta as “possíveis inserções indevidas nas declarações prestadas pela testemunha perante a autoridade policial, conforme alegado pela defesa do réu Roberto Moritz da Nova, Dr. Alexandre Salum Pinto da Luz”.
Ao longo dessa semana que passou, o Blog enviou pedido de esclarecimentos da delegada Érika. Duas mensagens encaminhadas pelo WhatsApp para a Assessoria de Comunicação Social da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, sem merecer qualquer resposta. Da mesma forma que ficou sem resposta o e-mail encaminhado diretamente para a delegada. Ficamos no aguardo de uma manifestação da mesma.
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2 Comentários
Essa delegada Erika marena, ainda vai pagar pelos seus crimes,abusos de autoridade etc… não na justiça dos homens mais com toda certeza com a justiça Divina a qual,não existe Injustiça.
ASSASSINA