“O que fez eu concordar? Foi ter sido enterrada viva. Estar praticamente no além do último estágio da minha vida. E a opção de retornar à carceragem da PF foi para eu poder viver com um pouco mais de dignidade. Poder comer. Dormir e receber a visita da minha família sem tanta humilhação. Troquei por um prato de comida. E um cobertor!” (sic)
Em janeiro de 2015, a doleira Nelma Kodama estranhou ao ser levada da Penitenciária Feminina de Piraquara (PR) à Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR), no bairro Santa Cândida, em Curitiba.
Afinal, àquela altura já se encontrava presa pela Operação Lava Jato há 10 meses, sete dos quais recolhida na penitenciária e há dois condenada em primeira instância pelo então juiz Sérgio Moro a uma pena de 18 anos. Não havia motivos para um novo depoimento.
Mais surpresa diz ter ficado ao ouvir a delegada Tânia Prado – originalmente lotada em São Paulo, na época em missão em Curitiba -, questionar-lhe sobre o interesse em prestar possíveis delações.
Até porque, Nelma, como registraria em maio seguinte em um bilhete endereçado ao desembargador João Pedro Gebran Neto, relator dos recursos da Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), foi transferida da custódia da SR/DPF/PR para o complexo penitenciário, em 11 de junho de 2014, justamente por se recusar a fazer qualquer delação. Na mensagem a Gebran, explicou a consequência da sua recusa:
“conheci o inferno, em meio a 450 detentas, fui ameaçada (abri inquérito) e nas minhas condições de saúde emagreci 15 quilos e fiquei emocionalmente abalada.”
O que a doleira já condenada desconhecia naquele momento é que a conversa serviria para lhe envolver na armação de uma “denunciação caluniosa”. Denunciação esta que, cinco anos depois, está sendo apontada pelos advogados Elioena Asckar e Michel David Asckar na Ação Ordinária de Reparação por Danos Morais. Defendem o delegado federal Mario Renato Castanheira Fanton, respectivamente seu esposo e seu genro. Buscam indenização pelos danos morais e à saúde do delegado, em consequência de uma perseguição que ele sofre há cinco anos.
Na inicial, protocolada em 11 de março passado junto à 2ª Vara Federal de Bauru (SP), denunciam crimes cometidos pela Força Tarefa de Curitiba. Falam da distribuição de celulares a presos, como noticiamos na primeira reportagem desta série. Foi publicada na quarta-feira (06/05) – Crimes da Lava Jato (I): acusações a quem investiga Bolsonaro. Estenderam-se sobre a “denunciação caluniosa” onde a doleira foi envolvida e pela qual agora ela é processada, foco da reportagem de hoje. E ainda avançam a respeito da perseguição a Fanton.
Nelma, como admitiu ao BLOG em outubro passado, só percebeu o que desejavam dela quando a delegada lhe questionou sobre um suposto dossiê que estaria sendo elaborado com denúncias de irregularidades da Operação Lava Jato. Espertamente, ela aproveitou a deixa para tentar tirar algum proveito:
“Aí eu peguei e vi qual que era o sentido de estar ali e como eu estava morrendo no presídio, passando fome e frio, eu ia morrer no presídio, eu falei, ‘opa, pera aí, o que vocês querem? Vocês querem isso? Então, é o seguinte, me traga para cá’…’, explicou, via WhatsApp, cujo resumo transcrevemos na ilustração abaixo.
A doleira tirou o proveito desejado. Não retornou mais à penitenciária, onde deveria cumprir sua pena. Pena que, por sinal, acabou encurtada. A partir daquela negociação, trocou o presídio pela custódia da Superintendência do DPF. Lá conquistou algumas regalias. Até recebeu caixa de bombom de um agente que por ela se apaixonou e a visitava nos finais de semana. Com as visitas extras, ela e suas companheiras saiam da cela. Os demais presos ficavam na tranca de sexta-feira à tarde até o banho de sol na segunda-feira.
O acordo que fez, porém, passou por cima de uma decisão anterior do então juiz Moro. Sua ordem era pela transferência dos presos já condenados para o sistema penitenciário. No jogo de pressão da Força Tarefa da Lava Jato por delações dos réus, criaram exceções a essa ordem para beneficiar os que concordassem em delatar. Caso em que se encaixou a doleira.
Beneficiou-se apesar de as suas delações jamais terem sido homologadas, o que demonstra que não foram importantes para as investigações da operação. Tampouco o que disse mostrou-se verdadeiro. Por tudo isso, seu lucro foi ainda maior.
Ao justificar sua decisão ao BLOG por meio de WhatsApp (veja ilustração ao lado), deu a explicação que colocamos na epígrafe desta reportagem. Na realidade, porém, ganhou muito mais do que simplesmente “um prato de comida. E um cobertor!“.
Para os delegados da Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba, porém, a participação dela era fundamental. Não especificamente no combate à corrupção que alardeavam fazer. Mas em uma retaliação montada, contra o também delegado federal de Curitiba Paulo Renato Herrera. Tinham motivos pessoais. Porém, o interesse maior era esconder os “mal feitos”. Na verdade, crimes. por eles praticados, alguns dos quais os defensores de Fanton relacionam na ação em Bauru.
O depoimento da doleira, oficializado apenas em março, levou o delegado Fanton a instaurar oficialmente o Inquérito Policial (IPL) 737/2015. Ele se recusava a fazê-lo apenas com base em dois “informes” redigidos, em dezembro de 2014, pelo então Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR) da SR/DPF/PR, Igor Romário de Paula. Este, blindado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), permanecerá na nova gestão que na segunda-feira (04/05) assumiu o DPF. Continuará tocando a Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DICOR) e permanecerá chefiando a equipe encarregada de, entre outras missões, investigar o presidente Jair Bolsonaro. Como a primeira reportagem dessa série – Crimes da Lava Jato (I): acusações a quem investiga Bolsonaro – informou, na ação em trâmite em Bauru, Romário de Paula é responsabilizado por grande parte dos crimes da Força Tarefa de Curitiba. Promovendo ou simplesmente encobrindo-os.
Foram os “informes” de Romário de Paula a origem da falsa história de que um dossiê contra a Lava Jato estava sendo elaborado. Dossiê que jamais foi apresentado. A partir deles criou-se a figura dos “Dissidentes da PF”. Envolveu Herrera, o ex-Agente da Polícia Federal (APF) Rodrigo Gnazzo e os advogados Marden Maués (de Curitiba) e Augusto de Arruda Botelho Neto (São Paulo), ambos atuando em defesas de réus da operação.
Todos, ao fim e ao cabo, inocentados. Passaram, porém, 34 meses sendo massacrados. Massacres que deixou sequelas na saúde de alguns. A versão dos “Dissidentes da PF” e do falso dossiê foi amplamente divulgada por todas as mídias. Os envolvidos foram criminalizados antes de qualquer julgamento. A absolvição deles jamais mereceu o mesmo espaço nessas mídias tradicionais.
Os quatro eram os alvos da investigação (IPL 737/2015) entregue a Fanton. Mesmo permanecendo pouquíssimo tempo em Curitiba, – foi afastado em maio de 2015 – o delegado de Bauru conseguiu concluir que a “República de Curitiba” armou, na verdade, uma perseguição a desafetos. Esta percepção acabou por torná-lo também persona non grata para a Força Tarefa da Lava Jato.
Por conta de tais conclusões de Fanton é que seus advogados, no processo impetrado em Bauru, classificam os informes de Romário de Paula como “denunciação caluniosa”. Alertam ainda para a participação de membros do Ministério Público Federal do Paraná nesta armação. Como neste trecho que transcrevemos abaixo:
“Na presidência dos procedimentos investigativos acima, identificou que o inquérito policial 737/2015 foi uma fraude criada pelo Delegado IGOR ROMÁRIO DE PAULA, ROSALVO FERREIRA FRANCO, MÁRCIO ADRIANO ANSELMO, ERIKA MIALIK MARENA e MAURÍCIO MOSCARDI GRILLO, com a participação dos Procuradores da República atuantes na operação “lava jato”, para incriminar servidores públicos inocentes, que testemunharam que eles mandaram instalar uma interceptação ambiental sem autorização judicial na cela dos presos da operação “lava jato” ocupantes da carceragem da PF de Curitiba, e acobertaram o fato mediante a simulação da sindicância 04/2014 da PF de Curitiba/PR.
Contudo, a questão se mostrou muito séria, porque a informação de fls. 70/71 era da lavra do Delegado de Polícia Federal coordenador da operação “lava jato”, Sr. IGOR ROMÁRIO DE PAULA, e citava como fonte ideológica de dados os PROCURADORES DA REPÚBLICA ATUANTES NA OPERAÇÃO.
Ou seja, o crime de denunciação caluniosa provado pela nova sindicância 04/2015 tinha autoria certa.” (sic)
As acusações da chamada “República de Curitiba” aos “Dissidentes da PF” eram de que denunciavam inverdades sobre a Operação Lava Jato. Tal como a escuta ilegal instalada na cela dos doleiros, descoberta pelos presos no final de março de 2014. No entendimento dos advogados, como posteriormente uma nova investigação sobre o fato gerada pelo alerta do próprio Fanton – a sindicância 04/2015, feita pela Coordenadoria de Assuntos Internos (Coain) da Corregedoria Geral do Departamento de Polícia Federal (COGER/DPF) – confirmou a existência e funcionamento da escuta ilegal na cela, as inverdades estavam na acusação. Logo, na interpretação dos defensores, delegados e procuradores praticaram uma “denunciação caluniosa” contra os quatro.
O que a ação em Bauru não esmiúça, mas noticiamos diversas vezes no BLOG, é que esta retaliação ao delegado Herrera foi armada a partir da divulgação na imprensa de páginas do Facebook onde os mesmos delegados da Força Tarefa de Curitiba faziam campanha política. Foi na disputa eleitoral de 2015, quando encamparam a candidatura do tucano Aécio Neves.
Ao mesmo tempo ridicularizavam a candidata à reeleição de Dilma Rousseff (PT), bem como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não escapava nem o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, superior hierárquico deles. O que por si só deveria gerar alguma punição, ainda que mera censura. Mas nada aconteceu, pois Cardozo e o governo Dilma se omitiram com medo da chamada opinião publicada. Ou seja, da grande mídia, que abraçara e defendia a Operação Lava Jato.
As páginas com as propagandas políticas foram noticiadas por Juliana Duailibi, em O Estado de S.Paulo, em 13 de novembro de 2014, na matéria “Delegados da Lava Jato exaltam Aécio e atacam o PT na rede“. Uma história que o BLOG contou desde nossa primeira matéria sobre a operação comandada por Sérgio Moro Foi em agosto de 2015, na reportagem Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR.
Tais reproduções realmente partiram de Herrera. Preocupado com as ilegalidades cometidas por seus colegas da superintendência, que até poderiam gerar nulidade da operação, buscou, sem sucesso, providências dos seus superiores no DPF em Brasília. Diante da inércia na instituição, decidiu levá-las ao conhecimento do então ministro da Justiça, Cardozo. Para isso contou com a ajuda do advogado Maués. Por precaução, o ex-APF Gnazzo, seu amigo pessoal, passou a intermediar a conversa com o advogado curitibano.
Maués procurou o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos através do escritório que o representa em Curitiba. Arruda Botelho foi escalado como interlocutor entre os paranaenses e o ex-ministro. Foi Thomaz Bastos quem repassou as reproduções das páginas do Facebook à jornalista. Herrera as entregou a Arruda Botelho e este levou ao ex-ministro.
Com a perseguição, Herrera teve que se licenciar por questões médicas. Principalmente por conta do massacre sofrido nas mídias onde era apontado como “Dissidentes da PF”, autor de um “dossiê”. Dossiê, repita-se, que jamais apareceu. As informações vazadas para a grande mídia diziam que o tal “dossiê” seria negociado ao preço de milhares de dólares, uma vez que apresentaria provas para sustentar a nulidade da operação que combatia a corrupção. Portanto, os “Dissidentes da PF” estariam defendendo os corruptos. Na verdade, combatiam as ilegalidades na operação, que a mesma grande imprensa se recusava a noticiar.
Os informes de Romário de Paula – um dos que teve as páginas do Facebook divulgadas -, como ele mesmo diz nos documentos, foram construídos com informações recebidas de jornalistas, procuradores ou, simplesmente, “fonte humana”. Tal como o BLOG noticiou, em novembro de 2016, em Com ajuda de jornalistas, delegados criaram versão do dossiê contra Lava Jato. Como mostramos nessa reportagem citada, algumas informações foram desmentidas. Inclusive pela direção do jornal Folha de S.Paulo. Por conta dos informes, porém, surgiu a investigação.
A decisão de instaurar o procedimento criminal só foi oficializada em fevereiro, mês em que Fanton aportou em Curitiba, convocado para ajudar na superintendência. Foi para o Paraná para colaborar na investigação que, em 2017, resultou na Operação Carne Fraca. O caso dos “Dissidentes da PF” lhe caiu no colo. Recebeu ainda o IPL 768/2014, que investigava um vazamento de informação envolvendo a descoberta de celulares entre os presos. Na realidade, eram aparelhos grampeados com os quais os delegados pretendiam obter informações dos doleiros. Como o BLOG narrou na primeira reportagem desta série sobre os Crimes da Lava Jato, quarta-feira (06/05).
No entendimento de Fanton, porém, os dois informes de Romário de Paula não justificariam a instauração de um inquérito. Eram fracos. Foi preciso surgir uma testemunha para a investigação ser aberta. Como o delegado explicou no despacho que deu nos autos ao ser informado do seu retorno a Bauru. Ou seja, ao ser obrigado a deixar o caso. Nesse documento, com data de 4 de maio, último dia em que atuou na capital paranaense, lê-se sobre sua a importância do depoimento da doleira:
“A partir do momento em que o testemunho da presa Nelma Kodama subsidiou em parte as notícias crimes apresentadas pelo Delegado Igor Romário, vimos indícios de verossimilhança de que as notícias fossem verdadeiras e fidedignas para instaurar o Inquérito Policial“.
O envolvimento da doleira Nelma com esses episódios começou bem antes da barganha que ela fez, em janeiro de 2915, trocando um testemunho – constatado depois que em parte era falso – por uma cela mais confortável. Ou, nas suas palavras, “por um prato de comida. E um cobertor”.
Tampouco esse envolvimento se encerrou com o depoimento dado sobre o falso dossiê e o seu retorno à custódia da superintendência. Hoje, enquanto os chamados “Dissidentes da PF” estão livres das acusações que lhes fizeram, a doleira se vê obrigada a explicar na Justiça o falso testemunho que prestou, como se verá adiante.
Recordando-se. Nelma foi presa ao tentar embarcar para Milão, na Itália, na noite de sexta-feira, 14 de março, no aeroporto internacional de Guarulhos. Transportava ilegalmente 200 mil euros. Segundo o flagrante, na calcinha. Informação que ela nega. Sua prisão ocorreu, portanto, antes mesmo de a Operação Lava Jato ser deflagrada, o que aconteceu na segunda-feira seguinte, 17 de março.
A doleira, como muitos réus daquela primeira fase da operação, vinha sendo monitorada. Tanto que a Polícia Federal soube de sua viagem e a tratava como uma possível fuga. Houve até uma tentativa de alguém, a pedido da Força Tarefa de Curitiba, buscar evitar o embarque. Pretendiam não antecipar a operação com a prisão dela. Para isso, anonimamente ligaram para o então namorado da doleira e inventaram a versão de que ela iria se encontrar com um amante. Como seu viu, a armação não foi bem sucedida. O embarque foi mantido, obrigando à sua prisão antes dos demais. O telefonema ao suposto amásio é fato comentado na superintendência do DPF em Curitiba. Jamais registrado em documento.
As armações não pararam aí. Na busca por provas contra a doleira, delegados de Curitiba determinaram a um Agente de Polícia Federal, em missão na região de Jundiaí (SP), que adquirisse um chip de telefone celular. Deveria ser registrado em nome da Labogen S/A Química Fina e Biotecnologia, sediada em Indaiatuba, proximidades de Jundiaí.
Trata-se de uma empresa atribuída ao doleiro Alberto Youssef, com quem Nelma já havia se relacionado amorosamente. Queriam, porém, criar um envolvimento dela com a empresa.
Do celular com o chip adquirido, o policial – descrito por colegas como obeso, “massudo” -, deveria ligar para o celular dela. O registro da ligação surgiria nos relatórios das empresas de telefonia encaminhados à polícia. Tornar-se-ia mais uma prova nos autos processuais.
O chip foi comprado, mas o agente “massudo” não conseguiu registrá-lo com o CNPJ do laboratório.
Posteriormente, esta armação foi levada ao conhecimento de Nelma, quando ainda estava presa e tinha Maués como seu defensor. Ela a relatou este fato no depoimento que prestou a Fanton, em 24 de março de 2015, sem a presença do advogado. Foi quando, cumprindo o acordo firmado em janeiro, admitiu que ele lhe falara da elaboração de dossiê. Ou seja, aceitou denunciar o próprio defensor. Em seguida, destituiu-o.
O caso do chip também foi relembrado por Nelma na troca de mensagens com o BLOG, em 24 de outubro passado, por WhatsApp, como relatado acima. O assunto surgiu quando questionamos ela por não ter relatado a negociação para retornar à custódia no livro que escreveu recentemente. O livro também nada falou sobre o chip. Para quem conhece detalhes da história dela na Lava Jato, o livro vale mais pelo que omite do que pelas revelações ali narradas. No WhatsApp ela então explicou:
“Amigo há … Muitas situações que não consegui revelar… Por exemplo… A compra de um chic… Chip… Pela PF no meu nome CPF endereço… E outro em nome da laborgem… Pra me incriminar… Pode dar destaque a esse episódio… Aos métodos obscuros da Lava Jato… Está aí a Intercept… Pra contar a estória verdadeira”. (sic)
Ainda que Nelma tenha dito no depoimento que soube da compra do chip através de Maués, então seu advogado, o fato é por demais comentado na Superintendência do DPF em Curitiba. Diversas fontes o confirmaram ao BLOG. Mas não se conhece nenhum outro registro documental dele, além do depoimento prestado pela doleira. Por isso, poucos revelam o nome do agente “massudo” que tentou, sem êxito, cumprir a missão. Coincidência ou não, ele depois passou anos recebendo missões fora do Paraná. Com direito a diárias.
Não foi a única denúncia contra a Força Tarefa da Lava Jato que Nelma relatou no depoimento a Fanton. Contou a pressão junto a um dos doleiros que estava preso – cujo nome o BLOG, em respeito ao próprio, reserva-se ao direito de não divulgar. Ele foi coagido a colaborar. Para “convencê-lo”, recorreram à chantagem. Apresentaram um vídeo, extraído do seu computador pessoal, ameaçando divulgarem-no. Ao que consta, o doleiro aparecia em “cenas de sexo explícito com um homem negro”. Trata-se de outra história comentada dentro da superintendência e que foi relatada ao BLOG antes de conhecermos o depoimento de Nelma no IPL 737/2015.
Nada disso, porém, chegou a ser investigado. Seja pelo DPF, através da sua Corregedoria Geral, pela Procuradoria da República de Curitiba, a quem cabe o papel de controle externo da polícia, ou mesmo a mando do juiz da 14ª Vara Federal de Curitiba, Márcio Josegrei da Silva, nas mãos de quem tramitou o IPL, que jamais virou Ação Penal. Ou seja, houve denúncia de pretensos crimes sem que nada fosse feito para responsabilizar os responsáveis. Ao que parece falou mais alto o interesse de não permitir qualquer nulidade na operação. Já as acusações infundadas aos chamados “Dissidentes da PF” perdurou por quase três anos.
O envolvimento de Nelma com a história dos “Dissidentes da PF” foi involuntário. Na custódia ela caiu nas graças de um agente federal que sofria problemas psiquiátricos, Rogério Knoblauch, de 47 anos. Em vez de afastá-lo para tratamento, a superintendência o removeu para o serviço de dia. Passou então a visitar a presa, inclusive levando bombons e doces. Também, como dissemos, ia nos fins de semana. Mas foi impedido de entrar no dia em que levou flores.
Seu envolvimento com Nelma gerou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), de cuja comissão Herrera fez parte. Foi durante o depoimento da doleira nesse PAD que Herrera conheceu o advogado Maués, ainda defensor dela. Ali, trocaram as primeiras informações sobre irregularidades na Lava Jato. Quanto a Knoblauch, em 6 de abril de 2014, um domingo, quando estava em casa apenas com sua filha, enforcou-se.
Oficialmente, a delação de Nelma à Polícia Federal nunca foi homologada. Nem aprovada pelo Ministério Público Federal. Mas serviu não apenas para que ela voltasse à custódia da SR/DPF/PR. Também a ajudou junto ao então juiz Moro. Em junho de 2016, por conta desta “colaboração”, ele antecipou a progressão do regime de sua pena. Autorizou sua prisão domiciliar, com tornozeleira. Apesar de tudo não ter passado de um falso testemunho. Não apenas porque o dossiê jamais existiu. Mas nem tudo o que falou depois foi confirmado. A tornozeleira foi posteriormente retirada quando um indulto natalino assinado por Michel Temer a beneficiou.
Assim como Nelma serviu para Fanton concordar em instaurar o IPL 737, ela também provocou o desentendimento dele com os delegados da “República de Curitiba”. Diante de um álbum de fotografia dos servidores da superintendência, a doleira apontou alguns policiais como tendo estado na custódia. Um deles foi o agente Fábio, lotado no Núcleo de Inteligência Policial (NIP), então chefiado pela delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, a esposa de Romário de Paula.
Era falso. Fábio, no período citado pela testemunha estava em missão fora de Curitiba. Fanton foi pressionado, inicialmente por Daniele, mas depois pelos demais, como o delegado Mauricio Moscardi Grillo, a retirar isso do inquérito. Não aceitou. Propôs que apresentassem as explicações necessárias para explicar os fatos, inocentando o indicado. Esse desentendimento demonstro aos delegados da Força Tarefa que a condução daquele inquérito fugiria ao controle dos mesmos. Foi o que bastou para selarem a decisão de afastá-lo da investigação.
O Agente Fábio, porém, não foi o único a sofrer uma falsa acusação da doleira. Ela também apontou o delegado Rivaldo Venâncio como contumaz visitante da custódia para conversar com os presos da Lava Jato. Venâncio, porém, comprovou que esteve ali uma única vez, na companhia de procuradores da República, acompanhando uma vistoria. Após isso, representou criminalmente contra a doleira junto ao Ministério Público Federal
A partir da sua representação, não houve alternativa ao MPF. A procuradora da República Yara Queiroz Ribeiro da Silva Sprada, que atuou em processos contra os chamados “Dissidentes da PF”, denunciou Nelma por falso testemunho. A primeira audiência do processo foi marcada para julho próximo.
Na véspera do feriado prolongado de 1 de maio de 2015 (uma sexta-feira), Fanton foi informado de que sua missão em Curitiba chegara ao fim. Quebravam assim o acerto anterior de que ficaria até o fim dos inquéritos. A suspensão do trabalho surpreendeu a ele e aos dois agentes que formavam sua equipe, Dalmey Fernando Werlang e José Eraldo de Araújo.
Ao debaterem os possíveis motivos desta decisão, Werlang acabou por revelar o que o delegado até então desconhecia. Assumiu a autoria da instalação da escuta na cela dos doleiros. Não apenas confirmou que ela existira, como explicou que cumpriu uma ordem que lhe foi repassada pela cúpula da superintendência. Grampo que só depois que foi descoberto pelos presos é que ele, Dalmey, veio a saber que não tinha autorização judicial. Ou seja, era ilegal.
O grampo na cela foi instalado no dia 17 de março de 2014, quando da primeira fase da Operação Lava Jato em que foram presos os doleiros. A ordem, como sustenta Werlang desde 2015 em todos os seus depoimentos, foi dada pelo próprio Romário de Paula, na manhã daquele dia. Ao lado dele estavam o superintendente Franco e o delegado Adriano Anselmo. Já a delegada Mialiki Marena recebia o pen drive com as gravações captadas, quando este não era entregue a Adriano Anselmo. Os dois dividiam a coordenação de toda a operação. A escuta ilegal veio a público e abril de 2015, após ser descoberta pelos próprios presos, em 29 de março.
Muitos policiais da superintendência sempre foram críticos aos métodos adotados pela Força Tarefa. Criticavam não apenas o grampo ilegal, mas todas as outras armações, como algumas reveladas acima, como a compra do chip e as pressões por delação. Também sabiam que a escuta na cela existiu e era ilegal. Werlang, porém, acabou não revelando tudo a Fanton. Dias depois, ainda em maio, enquanto o delegado de Bauru estava em Brasília revelando o que descobrira, o agente confessou a colegas a instalação de uma segunda escuta clandestina.
Foi colocada na escada do prédio da superintendência, na sexta-feira santa (3 de abril), em um local que os servidores improvisaram como fumódromo. A ordem do grampo, segundo revelou Werlang, desta vez partiu da sua chefe imediata no NIP, a delegada Daniele. Estava interessada em saber o que os demais servidores comentavam sobre a Operação Lava Jato. Coube ao delegado Rivaldo, juntamente com o também delegado Reginaldo Gallan, resgatar o aparelho.
A revelação de Werlang confirmou oficialmente o que todos na superintendência comentavam: a Sindicância 04/2014, instaurada após a descoberta do grampo pelos doleiros e presidida pelo delegado Moscardi Grillo para investigar a escuta clandestina, foi falsa. Afinal, ela conclui que o aparelho de escuta estava na cela desde março de 2008, quando da passagem do traficante Fernandinho Beira-Mar por Curitiba. Garantiu que ele estava desativado.
O então juiz Moro, apesar de garantir que não havia autorizado nenhuma escuta ambiental, jamais entrou em detalhes sobre estes grampos ilegais. Questionado, tangenciava, alegando que na operação nenhuma das provas surgiram por meio de tais escutas. Certamente não. Mas isso não impede que as conversas dos doleiros tenham ajudado nas investigações. Ou mesmo tenham sido usadas nos interrogatórios. O suficiente para colocar em discussão a legalidade do que foi feito. Tudo o que a República de Curitiba não desejava.
Bem ou mal, Moro acabou ajudando a encobrir a ilegalidade. Aliás, o próprio delegado Moscardi Grillo revelaria anos depois, processo disciplinar que respondeu, que Moro lhe determinara que fosse informado sobre o relatório da Sindicância 04/2014 – a que se mostrou falsa – antes dele ser sacramentado. Tal como mostramos, em julho de 2019, com parte do vídeo do depoimento do delegado, em Exclusivo: Moro interferiu na sindicância do grampo ilegal na PF.
Em 2019, quando o ex-juiz ocupava a cadeira de ministro da Justiça, Moscardi Grillo acabou beneficiado e impune. Como registramos na reportagem Ministério de Moro promove impunidade na PF, respondendo interinamente pelo ministério, o delegado federal Luiz Pontel de Souza, no cargo de secretário-executivo, através da Portaria 787, anulou o Processo Administrativo Disciplinar 08200.001127/2015-96 (PAD 04/2017 COGER-PF). Foi o processo respondido por Moscardi Grillo que acabou o punindo com oito dias de suspensão por causa da falsa sindicância. Mais uma vez abafaram as ilegalidades da “República de Curitiba”.
A nova sindicância – a 04/2015 -, instaurada a partir da revelação de Werlang e dos relatórios de Fanton à Corregedoria, comprovou, através da perícia da própria Policia Federal, que o grampo que a sindicância inicial apontou como inativo captou 260 horas de conversas. Ficou evidente a má fé da primeira investigação.
Esta comprovação também gerou problemas para o Ministério Público Federal. Para não ser obrigado a admitir o grampo ilegal, foi preciso criar uma versão totalmente falsa para os áudios que a escuta ilegal captou e a perícia recuperou no computador da superintendência utilizado por Werlang. Outra informação adiantada por este BLOG, em agosto de 2017 – MPF, para esconder grampo ilegal, lança versão incongruente.
Ao instaurar o IPL 737, em março de 2015, Fanton anexou a íntegra da sindicância 04/2014. Era o que tinha em mãos. Por mais incrível que possa parecer, a nova sindicância que revelou a autenticidade da denúncia dos “Dissidentes da PF” jamais foi levada àquele inquérito. A delegada Tânia Fogaça não viu importância de levá-la aos autos. Tampouco os procuradores da República. Nem mesmo o juiz Josegrei, que acompanhou o caso de perto, foi alertado pela defesa de Fanton e, por fim, sacramentou o arquivamento da investigação. Oficialmente, no inquérito arquivado, o que existe é a falsa sindicância. O que demonstra que tanto o DPF como o Ministério Público e o juízo em Curitiba mantiveram a disposição de esconder o a escuta ilegal. Provavelmente para evitarem o comprometimento da Operação Lava Jato.
A descoberta da falsa sindicância e do funcionamento do grampo ilegal, em 2015/16 não amenizou a situação dos “Dissidentes da PF”. Apesar de provado que eles estavam corretos quando procuraram levar às autoridades – e não às defesas dos réus – as ilegalidades cometidas pela Força Tarefa da Lava Jato. Tanto assim que o IPL 737/2015 persistiu por quase três anos (na verdade, 34 meses). Como mostramos na reportagem MPF da Lava Jato, enfim, joga a toalha, apenas em dezembro de 2017 foi que os procuradores da República concordaram em arquivá-lo. Depois de inúmeras tentativas fracassadas para sustentarem o que a defesa do delegado de Bauru classifica de “denunciação caluniosa” que eles ajudaram a levantar e manter contra os quatro.
Resistiram, inclusive, às pressões feitas pelo juiz Josegrei, que não via motivos para as investigações prosseguirem. Este, em fevereiro de 2017 – portanto 10 meses antes de os procuradores aceitarem encerrar o caso – simplesmente revogou o indiciamento dos quatro investigados, demonstrando que não enxergava qualquer ato criminoso por parte deles. O que noticiamos em Dissidentes na PF: nova derrota da Força Tarefa.
|o decidirem jogar a toalha no caso, enterrando o inquérito, os procuradores regionais da República Antônio Carlos Welter e Januário Paludo acabaram por confirmar o que sempre este BLOG noticiou. A causa da perseguição foi a divulgação das páginas do Facebook dos delegados no jornal Estado de S.Paulo. Na manifestação dos dois, em dezembro de 2017, consta:
“A investigação, em síntese, teve por foco três eventos principais: (i) a veiculação na imprensa de material depreciativo a Policiais Federais responsáveis pela Operação Lava Jato, a qual foi impulsionada por PAULO RENATO DE SOUZA HERRENA, com o auxílio de RODRIGO GNAZZO, MARDEN ESPER MAUÉS e AUGUSTO ARRUDA BOTELHO NETO (…)”
Curiosamente, porém, a confirmação de todos estes fatos não arrefeceu em momento algum a perseguição da “República de Curitiba” ao delegado Fanton. Mesmo ele já tendo sido inocentado em nove procedimentos que lhes moveram, persiste até os dias atuais. Decorridos cinco anos da sua estada em Curitiba, ele ainda responde uma ação criminal e um Processo Administrativo Disciplinar. Tal como mostraremos na terceira reportagem desta série: “Crimes da Lava Jato (III): freios e omissões do Judiciário“.
Leia também: Crimes da Lava Jato (I): acusações a quem investiga Bolsonaro
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6 Comentários
Marcelo, esse é o real livro da Lava Jato. Poderia chamar-se ” Lava Jato, a verdade por trás de uma “Operação”
Por que você não pública um livro-reportagem sobre o assunto?
Excelente idéia, camarada, mas para escrever é preciso apoio financeiro. Seria interessante abrir uma vaquinha para que as pessoas doassem o que pudessem para o Auler realizar um livro-reportagem. Ninguém esmiuçou tanto essa história quanto ele. Pode até dar cursos na pós-graduação.
Parabéns, Marcelo Auler, cabra macho!
Esses servidores públicos da PF do Paraná deveriam ser investigados por : Formação de quadrilha , coação no curso do processo , denunciação caluniosa , fraude processual , advocacia administrativa , peculato , tortura psicológica a presos para delatarem o que queriam que falasse , uso de inquéritos pra perseguições , Inserção de provas em buscas e apreensões fraudadas , uso de provas falsas ou adulteradas em processo , fraude em sindicâncias internas para encobrir esses crimes , etc etc etc
MAS NÃO VEM AO CASO PARA A CORREGEDORIA DA PF NEM O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DO PARANÁ NEM A JUSTIÇA FEDERAL
Mais uma matéria sobre o chorume de Chernobyl. Se a Justiça fosse seria esses sujeitos estariam presos ao invés de terem sido promovidos por Serio Moro e Mauricio Valeixo. E ha quem diga que Moro não interferia na PF, mas sim Bolsonaro kkkkkk. Não sabem nada inocentes.
Pode-se afirmar sem nenhuma sombra de dúvida, ainda que guardada as devidas proporções, que a Lava-Jato é uma repetição fiel da repressão sangrenta e criminosa levada a termo pelos Gorilas Verdes-Oliva Assassinos durante a Ditadura Militar, de 1964 a 1985. Traçando-se um paralelo entre ambas podemos identificar elementos de alta periculosidade como Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, delegado Sérgio Fleury e Major Curió que foram doutrinados, treinados e colocaram em prática com louvor todos os ensinamentos do General francês Paul Aussaresses, o Carniceiro da Guerra da Argélia, que também é considerado um dos Assassinos mais Sanguinários que a humanidade já conheceu.