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Nomeação a saltos de guepardo, justiça a passos de cágado

Marcelo Auler

Compartilho no blog a matéria que está sendo veiculada pelo site www.jota.info. Ela aborda a nomeação para o Tribunal de Constas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) do deputado estadual Domingos Inácio Brazão que não preencheria as exigências constitucionais para tal cargo.

No passado, como lembro na matéria, o então procurador-geral de Justiça do Rio, Antônio Carlos Biscaia, agiu de forma rápida e conseguiu evitar a posse no mesmo TCE-RJ do então deputado José Nader, por falta de idoneidade para o cargo.

Desta vez, quem tomou a iniciativa de tentar evitar a posse de Brazão foi a Associação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas do Brasil (Audicon) que no início de abril, bem antes da escolha do deputado pelo plenário da Assembléia Legislativa do Rio, ingressou com um Mandado de Segurança para evitar que ele fosse indicado ao cargo. O juiz rejeitou a ação por entender que o Mandado contra o governador Luiz Fernando Pezão, o presidente da Alerj, Jorge Picciani e o presidente do TCE. Jonata Lopes, deveria ser impetrado no Tribunal de Justiça. A associação recorreu ao TJ, mas este só se pronunciou 17 dias depois de o conselheiro ter sido indicado, nomeado e tomado posse, o que ocorreu no espaço de seis horas.

Ou seja, se em 1994 o MP-RJ deu uma de fiscal da lei, desta feita a função parece ter sido terceirizada para uma entidade de classe.

Abaixo reproduzo  a matéria  publicada inicialmente em : http://jota.info/nomeacao-a-saltos-de-guepardo-justica-a-passos-de-cagado

Nomeação a saltos de guepardo, justiça a passos de cágado

Por Marcelo AulerRio de Janeiro

Foi tudo muito rápido. Em seis horas, o deputado Domingos Inácio Brazão foi escolhido, nomeado e tomou posse no cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Em ação milimetricamente orquestrada pelos caciques do PMDB local, o ex-deputado estadual conseguiu a função vitalícia, que lhe renderá salário beirando R$ 30.471,11, entre outras benesses.

Na manhã do dia 28 de abril, a Assembleia Legislativa (Alerj) – presidida por Jorge Piccianni do PMDB – aprovou o nome. Pouco depois, no Palácio Guanabara, o governador Luiz Fernando Pezão (do mesmo partido) nomeou-o para o cargo. À tarde, antes de o Diário Oficial oficializar a nomeação, o vice-presidente do TCE, conselheiro Aloysio Neves Guedes, empossou Brazão. Não houve necessidade de apresentações formais: antes de chegar à Corte de contas, Guedes foi chefe de gabinete e fiel escudeiro de Piccianni, na presidência da Alerj.

Não só os prazos normais e a divulgação no Diário Oficial (exigência do artigo 37 da Constituição) foram atropelados no processo de escolha, que selou um antigo compromisso entre Brazão e Piccianni, firmado quando da eleição deste para a presidência da Assembleia. A Constituição também foi relegada no que tange a exigência, para estes cargos, de “idoneidade moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública, com mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional, que exijam tais conhecimentos” (como previsto no parágrafo 1o do art. 73 da CF, copiado no art. 128 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro). A qualificação técnica apresentada por Brazão é simplesmente sua participação, ao longo dos seus mandatos parlamentares, nas comissões da Alerj.

A questão da idoneidade, porém, ficou na zona nebulosa. Como diz uma nota publicada pela Associação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas do Brasil (Audicon), Brazão é réu por improbidade administrativa em processo que corre em segredo na Justiça.

Até a véspera da posse como conselheiro, o ex-deputado respondia a processo de crime contra a honra, movido pela colega de plenário Cidinha Campos (PDT) que se sentiu ofendida em uma discussão travada entre os dois, em junho de 2014. Mas, na segunda-feira (27/04) o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) arquivou o caso. O relator, desembargador Cláudio de Mello Tavares, considerou que o descontrole de Brazão ocorreu durante discussão acalorada, e que não configuraria ameaça.

Passividade do MP

Apesar de não preencher os requisitos básicos exigidos pela Constituição para assumir o cargo e das dúvidas sobre sua boa índole por conta do processo de improbidade administrativa, o Ministério Público Estadual nada fez, por enquanto, para questionar a nomeação de Brazão. O promotor Flavio Bonazza, da 3a promotoria de Justiça de Tutela Coletiva, analisa o assunto a partir de uma representação impetrada, em 30 de abril, por outro membro do MP-RJ, cuja identidade não foi revelada.

Segundo fontes, a representação decorreu de críticas na internet questionando a passividade da instituição. Passaram-se 20 dias para ele concluir que nada deveria fazer. Procurado, informou na terça-feira (19/05)  que não entraria com uma ação contestando a posse porque o tema já era assunto de processo da Audicon.

Mas não é apenas o MP que anda a passos de cágado. No início de abril, a Audicon ingressou com duas ações no TJ-RJ. No dia 7, com uma ação com pedido de antecipação de tutela na 50ª Vara da Cível, cujos alvos eram o governador Luiz Pezão, Jorge Picciani e o presidente do TCE, Jonas Lopes de Carvalho. A associação quis impedir a deflagração do processo de escolha de Brazão, sua nomeação e posse. O juiz Luiz Umpierre de Mello Serra até andou rápido e, no dia 08/05, concluiu por sua incompetência para julgar Mandado de Segurança contra o governador.

No mesmo dia, advogados da Associação impetraram o Mandado de Segurança no Tribunal, contra os mesmo réus, distribuído ao desembargador Fernando Foch. A decisão dele só foi proferida 15 dias depois de Brazão ser empossado e não podia ser outra: “Não há com deferir a liminar pleiteada, considerando ser fato notório que o cargo vago foi recentemente provido e, sobretudo, que a própria impetrante reconhece que os cargos de auditor não estão providos”. Agora, o MS 0016541.84.2015.8.19.0000, está no aguardo da manifestação dos três réus, mais a Procuradoria Geral do Estado e, por fim, o Ministério Público Estadual.

Após a escolha do deputado pela Alerj, um novo Mandado de Segurança (nª 0134841-02.2015.8.19.0001) foi distribuída à 7a Vara da Fazenda Pública com a finalidade de impedir a posse, mas ela ocorreu mais cedo do que imaginavam, no mesmo dia 28/04. Ao despachar o pedido de liminar, no dia 15 de maio, ao juiz Eduardo Antonio Klausner coube reconhecer que era um fato consumado, “presumindo-se que tal ato esteja revestido dos necessários requisitos de legitimidade e legalidade”.

Na decisão, acrescentou com relação ao possível desrespeito à Constituição arguido pela Audicon: “O eventual desrespeito por parte das autoridades envolvidas no processo de escolha e nomeação do novo membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro aos critérios exigidos para o preenchimento do cargo depende de prova segura, sujeita ao contraditório. Assim, não estão presentes os requisitos do artigo 273 do CPC para o deferimento da pretendida medida de urgência, motivo pelo qual indefiro tal pedido”.

Um terceiro princípio constitucional, para a Audicon, está sendo desrespeitado. Trata-se da nomeação, entre as três vagas destinadas ao preenchimento pelo governador do Estado, de alternadamente um membro do ministério público do TCE e um auditor de carreira, o que eles chamam de “conselheiro substituto concursado selecionado em lista elaborada pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento”,

A cobrança se respalda nas previsões dos artigos 73 combinado com o 75 da Constituição Federal, como já admitiu o Supremo Tribunal Federal, recentemente, em uma decisão do seu presidente, Ricardo Lewandowski, ao conceder liminar na ADI 4.812, impedindo a Assembleia do Mato Grosso de escolher um conselheiro para a vaga que pertenceria a um auditor ou membro do ministério público.

A questão é que o estado do Rio não tem como atender tal requisito, como bem lembrou o desembargador Foch, pois até hoje – 27 anos após a promulgação da Constituição de 1988 –, o TCE-RJ não fez  concurso para preenchimento destes cargos. O primeiro ocorrerá nos próximos meses. Ou seja, a Audicon defende que a vaga seja preenchida por um profissional que ainda não existe dentro do tribunal.

Precedentes perigosos

A corrida contra o relógio dos caciques do PMDB fluminense teve motivos claros: evitar os percalços judiciais que ocorreram no passado. Em pelo menos duas ocasiões tentou-se evitar a posse de conselheiros do TCE, por medida judicial.

Em 2000, o hoje presidente do TCE-RJ, Jonas Lopes viu-se impedido de assumir a cadeira, por algumas horas, por conta de uma liminar concedida em ação ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ex-advogado de Anthony Garotinho, Lopes fora nomeado pelo então governador do Rio.

O PT questionava a constitucionalidade da emenda que alterou a composição da Corte, aumentando de dois para três o número de indicações do governo. Ao todo, são sete conselheiros.

A liminar foi cassada, em poucas horas, pelo então presidente do TJ-RJ, Humberto Menes com a fundamentação de que o instrumento usado – uma ação popular – era inadequado.

Na eleição de Brazão, o PT mudou de lado, defendendo-o. Ao relatar o projeto que o indicava para a função, o deputado petista André Ceciliano endossou a tese de que “conhecimentos jurídicos, econômicos e de administração”, necessários para vaga no TCE” foram acumulados nos quase 20 anos de vida parlamentar do candidato.

Em 1994, a indicação do então presidente da Alerj, José Nader, teve desfecho mais demorado. Foi o próprio procurador-geral de Justiça, Antônio Carlos Biscaia, quem propôs uma ação civil pública e obteve uma liminar para impedir a posse.

Alegou que o escolhido não preenchia “os pressupostos constitucionais de idoneidade moral e reputação ilibada, incompatibilizando-o definitivamente com a nomeação ao cargo de conselheiro”. Foi além. A nomeação, explicou, violava “frontalmente os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade pública.”

Paralelamente, um grupo de deputados estaduais, capitaneados por Carlos Minc (PT), tentou impedir a posse de Nader com uma ação popular. Minc dizia que a indicação era como “colocar a raposa tomando conta do galinheiro”. Na escolha de Brazão, ele não apareceu no plenário.

Em 1994, as duas iniciativas foram apreciadas pelo juízo da 4a Vara da Fazenda Pública. Uma liminar impediu a posse. Posteriormente, uma única sentença nas duas ações, assinada pelo juiz Ademir Paulo Pimentel, declarou nulo o decreto de nomeação e tornou definitivas as liminares.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça, até maio de 1998, quando, cinco desembargadores do 5º Grupo de Câmaras Cíveis acolheram embargos contra as ações que impediam a posse do ex-deputado. Entenderam que o Judiciário não poderia interferir em decisão do Legislativo. Uma hora após o julgamento, Nader – ávido pela cadeira que esperava há quatro anos -, bateu à porta do TCE. Não conseguiu naquele fim de tarde, mas foi empossado na manhã seguinte.

Índole violenta

Desde julho de 2011, Brazão ocupava cadeira de deputado estadual por conta de uma liminar concedida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspendendo a decisão, por unanimidade, do TRE-RJ que lhe cassou o diploma político e o tornou inelegível. Contra ele pesou a acusação de compra de votos através do Centro de Ação Social Gente Solidária, que distribuía serviços e bens com finalidade eleitoreira. Foi o ministro Lewandowski, na condição de presidente do TSE, concedeu a liminar suspendendo a cassação. Até hoje, porém, o caso não foi apreciado pelo plenário.

Além da pleiteada por Cidinha Campos, Brazão já escapou de outra condenação. Em setembro de 2003, em seção sigilosa, o Órgão Especial o absolveu (processo 0024304.93.2002.8.19.0000) das acusações de homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e à traição) contra Luiz Claudio Xavier Reis e tentativa de homicídio triplamente qualificada (motivo fútil, à traição e para assegurar a ocultação de outro crime) contra Jairo Neves dos Santos. Os crimes ocorreram em 8 de março de 1987, na Barra da Tijuca.

O processo originariamente correu na 1ª Vara Criminal Regional
de Jacarepaguá, onde seria submetido ao júri popular. Mas, desde dezembro de 1990, primeira data marcada para o julgamento, o caso foi sendo adiado pelo juiz Hélio de Farias, e ficou na prateleira até 2001.

Com sua eleição para a Alerj em 1998, o juiz encaminhou o processo ao Órgão Especial (composto pelos 25 desembargadores mais antigos) por ter o réu adquirido direito a foro privilegiado. Paralelamente, os advogados do deputado requereram a suspensão do feito, por conta da sua imunidade. Ou seja, queriam que o Legislativo autorizasse o prosseguimento do caso.

O plenário da Alerj evita decidir sobre estes tipos de pedido.

No seu parecer, o então procurador-geral de Justiça, José Muiños Piñeiro Filho, ao se manifestar contra a suspensão do feito, assinalou: “A autoridade policial  destacou, à época, a índole violenta e perigosa do réu, que constantemente portava arma e se unira a “grileiros” que disputavam a posse das terras na região. Ademais, ameaçara de morte a todos que pudessem delatá-lo, sendo, por isso, inicialmente muito difícil a sua identificação”.

Por unanimidade, o Órgão Especial acatou o voto do relator, desembargador Paulo Vasconcellos, que concordou com o Ministério Público.
Vasconcellos rejeitou o pedido de suspensão do processo, uma vez que a imunidade parlamentar só ocorre com crimes cometidos durante o exercício do mandato. Determinou, porém, que o processo criminal fosse julgado no Órgão Especial.

Inexplicavelmente, desde então o caso passou a tramitar em segredo de justiça. A única coisa que se sabe é que em 29 de setembro de 2003, por maioria, os desembargadores o inocentaram.

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