A campanha de Jair Bolsonaro, que tem por hábito acusar o adversário de uma futura hipotética perseguição às igrejas, está mantendo os padres João Lucas e Ricardo Gomes, bem como o diácono Vitor Henrique, confinados na Paróquia Nossa Senhora do Desterro, localizada na Praça Dom João Esberard, em Campo Grande, zona Oeste do Rio de Janeiro. Trata-se de um bairro dominado pela milícia.
Os três religiosos estão acuados na casa paroquial desde que recusaram, no sábado, a ceder espaços da igreja, incluindo o amplo estacionamento e o auditório, para que os bolsonaristas montassem a chamada “base de apoio” para o comício que o presidente, candidato à reeleição fará nessa quinta-feira (27/10), na praça defronte.
Pelas redes sociais, padre João Lucas, pároco da igreja, explicou que os religiosos não têm poderes sobre o uso da praça, bem como não podem autorizar o uso de imagens e espaços da igreja:
“Gostaria de esclarecer que a Praça Dom João Esberard, situada em frente à Paróquia de Nossa Senhora do Desterro em Campo Grande, não pertence à paróquia, mas a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Desta forma, qualquer evento a ser realizado nesta referida Praça, a autorização deverá ser requerida ao órgão responsável na prefeitura.
Sobre o uso de imagens – vídeos e fotos – das igrejas no território da Arquidiocese, a autorização deverá ser solicitada ao Vicariato para Comunicação Social, por e-mail e com antecedência”, explicou no Instagram da Paróquia.
Desde que, no sábado, alegaram não ter autoridade para ceder o uso de espaço da igreja para a campanha bolsonarista, os religiosos e os fiéis – que os apóiam – estão com medo da reação.
Missas e atos religiosos foram suspensos e os padres se mantêm confinados, tal como explicou, também nas redes sociais, o diácono Vitor Henrique:
“É um absurdo, sinceramente. Por isso fechamento da Igreja e ficamos sem missa. Queriam entrar. A gente aqui está sendo assediado, ligando sem parar, mensagens, dizendo que estão ‘de olho em nós’. Não sabemos se podemos sair de casa. Lamentável isso” (sic), diz na sua mensagem.
Ele prossegue:
“Cobrando coisa que não compete a nós. Espaço da Igreja não é pra isso, se a praça não é, menos ainda a Igreja. Qualquer candidato que seja.
Agora estão aí na porta, pessoas, carros e não pode abrir o portão senão querem falar com o padre. Já falaram com padre e ele já explicou.
Não sei quem ou que grupo, mas estão arrancando as grades da praça”. (sic)
A esdrúxula situação levou o professor José Francisco da Silva Alves, paroquiano da igreja, a denunciar o caso na pelo site do Ministério Público Estadual. Sua manifestação foi protocolada com o nº 20220087122.
Na denúncia ele lembra lembra que no dia 25 de outubro comemora-se o Dia da Democracia em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado sob torturas, em 1975. Em eguida, detalha o que esta ocorrendo.
Acusa “os atos ilícitos do Sr Jair Messias Bolsonaro e de seus apoiadores, que de maneira grotesca, dantesca e ameaçadora estão desde o dia 22/10/2022 tentando invadir o espaço da Paróquia para montar sua base para um comício; não obstante, quando no último dia 25/10/2022, dia do qual celebramos o Dia da Democracia em nosso país, o espaço da praça em frente à referida igreja foi invadida por apoiadores do Sr Jair Messias Bolsonaro, derrubando as grades da praça, derrubando árvores, ameaçando por telefonemas e mensagens aos sacerdotes”.
Após lembrar que os religiosos “estão acuados na casa paroquial, sem o gozo do ir e vir, como prescreve nossa Carta Magna”, o professor/paroquiano solicita “providências contra a candidatura, que impediu aos atos litúrgicos e demais movimentos sociais que são cotidianamente realizadas em nossa comunidade eclesial e, especialmente, a retratação aos nossos sacerdotes.”
Na denúncia encaminhada virtualmente ele destaca:
“Quanta hipocrisia aventar suposto risco de “fechamento das igrejas” caso não se perpetuem no poder, quando eles mesmos, desde já, são causa do fechamento da Igreja. Não é algo hipotético, já está consumado”.
Abaixo a íntegra do relato feito na denúncia enviada à Justiça Eleitoral:
Aos Juízes do TSE,
Nós, paroquianos da Igreja Nossa Senhora do Desterro gostaríamos de denunciar, indicar os atos ilícitos do Sr Jair Messias Bolsonaro e de seus apoiadores, que de maneira grotesca, dantesca e ameaçadora estão desde o dia 22/10/2022 tentando invadir o espaço da Paróquia para montar sua base para um comício; não obstante, quando no último dia 25/10/2022, dia do qual celebramos o Dia da Democracia em nosso país, o espaço da praça em frente à referida igreja foi invadida por apoiadores do Sr Jair Messias Bolsonaro, derrubando as grades da praça, derrubando árvores, ameaçando por telefonemas e mensagens aos sacerdotes, que estão acuados na casa paroquial, sem o gozo do ir e vir, como prescreve nossa Carta Magna.
Solicitamos providências contra a candidatura, que impediu aos atos litúrgicos e demais movimentos sociais que são cotidianamente realizadas em nossa comunidade eclesial e, especialmente, a retratação aos nossos sacerdotes.
Os padres estão aquartelados, no interior da igreja, sofrendo todo tipo de ameaças. Estão associando o nome da igreja ao comício, sendo que não houve nenhum apoio por parte dos padres e da Arquidiocese.
As grades em volta da igreja foram arrancadas se sem a devida autorização da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, as missas foram desmarcadas pelos padres, com receio que algo ocorresse com os fieis.
“(…) o diabo o levou a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares.” (Mt. 4, 8-9).
Triste perceber a que ponto chegou a sede pelo poder.
Resta clara a atuação diabólica no que estamos presenciando. Valer-se da Igreja com o objetivo de legitimar atos políticos é algo nefasto.
Quanta hipocrisia aventar suposto risco de “fechamento das igrejas” caso não se perpetuem no poder, quando eles mesmos, desde já, são causa do fechamento da Igreja. Não é algo hipotético, já está consumado.
Para esses sedentos de poder, a igreja não passa de um instrumento útil. Não em vão, o tamanho desrespeito para com os nossos padres e diácono, quando simplesmente seguem a orientação de Cristo: diferenciar o que é de César daquilo que é de Deus.
Nossa Paróquia existe a quase 270 anos, sendo 90 anos administradas pelos Padres da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria e da Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento do Altar, e nunca passamos por tamanho medo (esta é a palavra exata), mediante a madeira truculenta da qual nossos religiosos foram tratados – realizar do espaço religioso um trampolim político é ultrajante.
A igreja não é palco para demagogia, é a casa de Deus.”
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1 Comentário
Não por coincidência, Campo Grande é um bairro dominado por milicianos.