Há muita gente no Brasil que ainda acredita que o País deixou de ser uma colônia no dia 07 de Setembro de 1822. A leitura da entrevista concedida, ao jornal O Globo, no dia 29 de julho passado, pelo embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Todd Chapman, mostra, exatamente, o contrário. O País continua subserviente. Só que de um outro colonizador.
Chapman ocupou uma página inteira do matutino carioca para fazer chantagens. Sem qualquer respeito à soberania brasileira ameaçou: “Haverá consequências para o Brasil, caso o País permita que a Huawei forneça equipamentos para a rede 5G”. Fazia tempo que os Estados Unidos não interferiam em questões internas do Brasil de maneira tão explícita e grosseira.
Do alto de sua prepotência, o Sr. Embaixador não economizou bravatas. Na hipótese de os chineses virem a participar do fornecimento de tecnologia do 5G, empresas norte-americanas irão deixar o Brasil, asseverou o diplomata com a certeza de estar dando os elementos necessários para o seu colega Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores brasileiro, iniciar uma perseguição ao conglomerado chinês. A exemplo do que já aconteceu no Canadá, Inglaterra, França, Portugal e, obviamente, nos Estados Unidos.
Cinco dias antes da entrevista de Chapman, o presidente Donald Trump mandou expulsar 72 funcionários do consulado chinês na cidade de Houston, no Texas. Acusou-os de estarem fazendo espionagem industrial. Como sempre acontece nestes episódios, não foi apresentada nenhuma prova concreta contra os acusados. Trump produziu mais um de seus infindáveis “factoides”. Tudo com o propósito de turbinar sua capenga campanha eleitoral de novembro próximo.
Sufocados por tantas bizarrices na política e por uma devastadora crise sanitária que ceifou, até agora, perto de 100 mil vidas, os brasileiros não conseguiram dar muita atenção às marmotas do embaixador. Mesmo porque, o tema é complexo. Envolve comércio exterior, fornecimento de tecnologia de ponta, telecomunicações, recuperação econômica, etc..
O que está por trás deste bate-boca não é pouca coisa. As quatro grandes operadoras de telefonia móvel no Brasil – Oi, Claro, Vivo e Tim – estão estimando investimentos da ordem de US$ 33,1 bilhões, em três anos, só na ampliação da rede de fibra ótica e na instalação de novos equipamentos que garantirão a transmissão de dados, áudios e imagens em altíssima velocidade.
A cifra em questão enche os olhos de chineses da Huawei, dos finlandeses da Nokia e dos suecos da Ericsson. São eles os detentores das tecnologias mais avançadas para operar a quinta geração do telefone celular no mundo. A romaria de executivos dessas companhias em Brasília começou no final do ano passado. Em novembro, um dos que estiveram no Palácio do Planalto mostrando suas intenções a Bolsonaro foi Yao Wei, o chefão da Huawei.
É bom não esquecer que, muito antes das ameaças do embaixador Chapman, os chineses já vinham testando sua tecnologia com a operadora OI, na cidade de Búzios, no litoral norte do Rio de Janeiro, e com a Tim, em Florianópolis. O processo está muito mais avançado do que se imagina.
A vassalagem com que Bolsonaro e o seu chanceler vêm tratando o atual governo norte-americano não deixa de ser um complicador nesta história. Desde 2016, quando o senador José Serra (PSDB-SP) assumiu o Ministério das Relações Exteriores no governo do golpista Michel Temer, o pragmatismo da política externa brasileira foi jogado para escanteio. Deixou de prevalecer o interesse nacional. O que vale agora são as idiossincrasias daqueles que estão empoleirados no Palácio do Planalto.
Os brasileiros sabem muito bem onde essas coisas vão parar, quando nacionalismos exacerbados tomam o lugar da racionalidade. Nos anos 70, a ditadura militar reinante tentou impor um padrão nacional para as transmissões analógicas de televisão em cores, um tal de “Pal-M” Deu no que deu. Quase que ficamos isolados no mercado mundial de conteúdos audiovisuais. Por pouco, o Brasil não ficou isolado.
Logo em seguida, os mesmo miliares tentaram impor goela baixo dos brasileiros a famigerada lei de reserva de mercado para o desenvolvimento e fabricação de computadores de uso pessoal – PCs – e seus respectivos softwares Como sempre, o avanço tecnológico andou mais rápido do que o desejo dos milicos e a iniciativa deu com os burros n’água.
Em 2007, quando o Brasil optou pelo padrão japonês de transmissão de televisão digital – ISDB, Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial – prevaleceu o bom senso. Foi escolhida a mais robusta tecnologia para atender as demandas de uma nação de tamanho continental e completamente viciada em televisão. Com o passar do tempo, o ISDB provou a sua eficiência e acabou sendo o mais usado no mundo.
Escorraçar a gigante chinesa do 5G como fizeram o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e os primeiros ministros do Canadá, Justin Trudeau e da Inglaterra, Boris Johnson e como deseja a multidão de parvos olavista que cerca Bolsonaro, não é tão simples quanto parece.
A Huawei não é uma empresa de fundo de quintal. Ela tem 180 mil empregados espalhados por 170 diferentes nações. No ano passado, seu faturamento foi de US$ 121,1 bilhões com um crescimento de 19,1% em relação a 2018. O lucro líquido alcançou US$ 8,8 bilhões. Em seus laboratórios de Pesquisa e Desenvolvimento trabalham mais de 15 mil cientistas. O que lhe coloca na posição de líder do mercado mundial de Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC.
Portanto, trocar caneladas com a empresa sediada na cidade de Shenzhen, no delta do Rio das Pérolas, é coisa para cachorro grande. Sem contar que ela atua neste mercado de tecnologia apoiada pelo peso da China, hoje a segunda maior economia do mundo.
Como já foi amplamente decantado em prosa e verso, os chineses são o principal parceiro comercial do Brasil. De acordo com a Fazcomex, uma consultoria especializada em comércio exterior, no ano passado o Brasil vendeu para a China US$ 62,8 bilhões e comprou US$ 35,2 bilhões. O que deixou na balança comercial entre os dois países um saldo positivo a nosso valor de US$ 27,6 bilhões.
A mesma assessoria, verificou que em 2019, o País do embaixador Chapman comprou do Brasil US$ 29,5 bilhões e vendeu US$ 30 bilhões. O déficit de US$ 500 milhões favoreceu os norte-americanos.
Ninguém é ingênuo de achar que as relações entre nações se baseiam única e tão somente em torno dos números da balança comercial. Há um jogo geopolítico pesadíssimo por trás disso tudo. Sem falar das questões tecnológicas igualmente intricadas. Por exemplo: há décadas a Huawei fornece equipamentos para as transmissões de 3-G e 4-G para companhias telefônicas brasileiras. Na hipótese de um boicote aos chineses, como é que fica? Desliga-se tudo e eles vão embora? E, os usuários desses telefones fazem o quê?
Os questionamentos acima têm tirado o sono dos técnicos mais sensatos do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação – MCTI -, assim como do Ministérios da Economia e das Comunicações. Hoje, segundo os números da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, há 260 milhões de aparelhos de telefonia móvel ativos no Brasil. É isso mesmo: há mais aparelhos de celular do que pessoas vivendo neste País.
Os especialistas sabem que um “apagão” nas telecomunicações, por conta de um ataque de pelanca de uma autoridade qualquer, poderá produzir um desastre na economia brasileira maior do que a tragédia econômica provocada pela pandemia do Covid-19. Até o ultraliberal e americanófilo ministro da Economia, Paulo Guedes, já andou soprando nos ouvidos do “Capitão Corona” (apelido dado pelo colunista de O Globo”, Bernardo Mello Franco, ao chefe de estado brasileiro que viralizou mundo a fora pelo jornal britânico Financial Times), um pedido de cautela com os assuntos relacionados ao 5G.
Em outubro do ano passado, Bolsonaro se reuniu com o presidente XI Jiping, no Grande Palácio do Povo, em Pequim. Na ocasião, firmaram vários acordos de cooperação comercial e tecnológica. Resta saber, se o mandatário brasileiro cumprirá os papeis que assinou. Quando se trata de demonstrar sabujice ao seu chefe Donald Trump, Bolsonaro costuma ser imprevisível e, às vezes, vergonhoso.
Há de se levar em conta também que os filhos adultos do capitão, identificados por uma sequência numérica que vai de 1 a 3, costumam falar pelos cotovelos. Em março passado, o Zero Três, deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ofendeu os chineses de maneira torpe. Acusou-os de terem propagado intencionalmente o coronavírus.
A reação da Embaixada da China, em Brasília, veio no mesmo diapasão: “Lamentavelmente, você é uma pessoa sem visão internacional nem senso comum, sem conhecer a China nem o mundo. Aconselhamos que não corra para ser o porta-voz dos EUA no Brasil, sob a pena de tropeçar feio”.
O presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, foi obrigado a entrar em cena para serenar os ânimos. Pediu desculpas pelos arroubos infantilóides do “Zero Três”. O barraqueiro, além de presidir a Comissão de Relações Exteriores daquele parlamento também chegou a ser cogitado, pelo pai, para assumir o cargo de embaixador do Brasil em Washington.
No currículo Eduardo Bolsonaro carrega o grande feito de ter trabalhado, há 14 anos, na cadeia de lanchonetes “Popeyes”, na cidade Fairfax, no Estado da Virginia, como “chapeiro”, fritando hamburgueres. Uma alma amiga conseguiu convencer o pai do “Zero Três” a não cometer tamanho desatino.
Surpreendentemente, há três semanas, quando o presidente do Chile, Sebástian Piñera (outro americanófilo de carteirinha) anunciou o ingresso do seu País na tecnologia do 5G não fez qualquer restrição aos chineses. Acontece, contudo, que o Chile não é tão determinante na geopolítica do continente sul americano quanto o Brasil.
Se Bolsonaro boicotar a Huawei para fazer média com o seu patrão Trump, muito provavelmente todos as demais governo sul americanos conduzidos por líderes populistas de extrema direita seguirão seus passos.
Por isso, o posicionamento de Brasília está sendo esperado com certa ansiedade. O vice-presidente brasileiro, coronel Hamilton Mourão, andou dando algumas declarações de que a soberania brasileira será respeitada e que prevalecerão, nesta questão, os interesses nacionais.
Recomenda-se: dar tempo ao tempo! Mourão nunca esteve com essa bola toda.
(*) Arnaldo César é jornalista e colaborador deste blog.
2 Comentários
O fato é um só: não é mais suportável o (des)governo Bolsonaro. O sujeito, além de ser uma anta, não tem o mínimo apreço pela liturgia do cargo e muito menos pela soberania nacional. Trata-se de um criminoso, energúmeno, mentecapto, que se acha o imperador do Brasil e, subserviente ao Trump, vai levar o país à destruição total, seja do ponto de vista social, econômico e civilizatório. Inacreditável que tenhamos chegado a este ponto!
Nunca estivemos tão dominadose humilhados pelo imperialismo, como agora com esse desgoverno. Brilhante e profunda essa matéria.