Os onze padres que assinaram um manifesto a favor da candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio de Janeiro – como noticiamos em Seguindo orientação do Papa, padres cariocas optam por Freixo e Luciana – foram convocados à Mitra Arquidiocesana. A reunião, iniciada por volta de 15hs, com o bispo-auxiliar, dom Luis Henrique, Vigário da Cúria, terminou no início da noite. A preocupação demonstrada pelo Núcleo Político do Pensamento Católico – NUPPEC era de possíveis sanções aos religiosos. No final do encontro, porém, constatou-se que não houve nada nesse sentido, embora ainda não se saiba detalhes das conversas.
A notícia da convocação dos padres à Cúria surgiu na nota do NUPPEC, um grupo formado por “12 professores, historiadores e psicólogos católicos, de esquerda”. Eles se dedicam “à análise do contexto político e social com base na doutrina da igreja e na práxis política e social do Brasil e da América Latina”, como explicou um deles. O grupo analisou os dois programas de governo e chegou a uma conclusão que contradiz tudo o que vem sendo alardeado para impedir o voto católico em Freixo:
“Não encontramos no programa de governo dos dois candidatos à prefeitura do Rio indícios de ações para viabilizar o aborto, a poligamia, o uso de drogas, a violência nem o terrorismo. Dessa forma, estariam os dois candidatos habilitados para receber o consciente voto dos católicos. óbices colocados pela Arquidiocese para o voto dos católicos em Freixo – defesa da eutanásia, do aborto, a poligamia, o uso de drogas, a violência nem o terrorismo. Dessa forma, estariam os dois candidatos habilitados para receber o consciente voto dos católicos”.
Também foi feita uma “análise discursiva da nota da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro – que noticiamos em O Papa Francisco, dom Orani e a eleição no Rio -, em resposta ao manifesto de padres em apoio à Freixo. A conclusão foi de que “a nota da Cúria Arquidiocesana demonstra uma parcialidade política ímpar”, ao compararem a reação ao grupo pró-Freixo com a que ocorreu junto aos padres pró-Crivella.
Todo este debate acabou por revelar que, no último dia 21 de outubro, o bispo licenciado da Igreja Universal assinou documento assumindo compromissos com os católicos. Estranhamente, apesar de Crivella, ainda no primeiro turno, ter apelado até para a divulgação, sem autorização, da foto feita com dom Orani, sobre a Carta Compromisso com o Povo Carioca sua campanha praticamente nada falou.
Na carta, o candidato do PRB se compromete a “respeitar todas as crenças e a diversidade religiosa desta cidade; defender e promover o direito pleno à vida e combater a ideologia de gênero”, justamente os pontos ressaltados pela Nota Oficial da Arquidiocese que impediriam o voto em Freixo.
“Crivella se emendou” – O compromisso de Crivella quase não foi divulgado. Saiu no JB On Line e foi reproduzida em algumas postagens do Face book. Mas, na quarta-feira, ela apareceu na página do Padre Augusto Bezerra. Ali, ele confessa que a Arquidiocese viveu dias difíceis até que “Marcelo Crivella decidiu de modo público firmar a carta compromisso com a Igreja Católica”. Para ele, o bispo licenciado da Universal fez isso
“procurando se emendar para estabelecer um canal de diálogo“.
Segundo o padre, “desde esse momento numerosos católicos começaram a correr para o lado do candidato do PRB e muitos dispensaram a posição anterior de anulação do voto”.
Bezerra ainda acusa seus colegas religiosos pró Freixo de terem falsificado as declarações do Papa Francisco: “um pequeno grupo de padres, aliado a alguns que se autodenominam católicos de esquerda, como se isso pudesse ser coerente, resolve declarar apoio oficial a candidatura do Marcelo Freixo com direito a citações falsificadas a pessoa do Papa Francisco, ao Magistério da Igreja e usurpando a autoridade católica para si”.
Ele é um dos que têm se manifestado nas redes sociais pregando abertamente o voto no bispo licenciado da Igreja Universal e condenando o voto em Freixo com base em teorias que o estudo dos acadêmicos católicos derrubou de vez.
Análise crítica – Nesse estudo dos membros da NUPPEC, o mais curioso foi demonstrar que nada existe no programa de governo de ambos candidatos a impedir o voto dos católicos, dentro das normas desenhadas pelo cardeal arcebispo dom Orani, como divulgado na sua Nota Oficial. Logo, toda a pregação contra Freixo não encontra respaldo em fatos concretos e torna-se mera questão ideológica. Abaixo transcrevemos a íntegra do estudo:
CATÓLICOS/AS COM FREIXO: “Nós, padres da Arquidiocese do Rio de Janeiro, no horizonte do Evangelho da Libertação, da efetivação de uma “Igreja em saída” (como compreende o Papa Francisco) e da antecipação do Reino de Justiça e paz inaugurado por Jesus Cristo, entendemos que a candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio de Janeiro é a que mais sintoniza com a construção de uma cidade mais justa, fraterna e igualitária.”
ARQUIDIOCESE: “A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, diante da manifestação pública de alguns membros do clero e do laicato, esclarece que não autorizou ninguém a falar em seu nome, nem dos padres, tampouco em nome de movimentos, pastorais, associações e paróquias acerca do atual processo político carioca.”
COMENTÁRIO: O aposto – padres da Arquidiocese – foi o fator gerador da ambiguidade. São todos os padres da arquidiocese que lançam esse manifesto? Sabemos que a resposta é não, uma vez que, ao final do documento, os sacerdotes que o emitiram se identificam, desfazendo qualquer dúvida acerca dos emissores do comunicado: é um grupo restrito dentro da arquidiocese e não uma análise em nome da igreja local.
CATÓLICOS/AS COM FREIXO: “No horizonte do Evangelho da Libertação, da efetivação de uma “Igreja em saída” (como compreende o Papa Francisco) e da antecipação do Reino de Justiça e paz inaugurado por Jesus Cristo, entendemos que a candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio de Janeiro é a que mais sintoniza com a construção de uma cidade mais justa, fraterna e igualitária.”
ARQUIDIOCESE: Não é possível compactuar com posições que entram em confronto com princípios contrários aos valores cristãos, tais como o respeito à vida e a clara oposição ao aborto e à eutanásia; a tutela e a promoção da família, fundada no matrimônio monogâmico entre pessoas de sexo oposto e protegida em sua unidade e estabilidade, frente às leis sobre o divórcio; o tema da paz, que é obra da justiça e da caridade, e que exige a recusa radical e absoluta da violência, anarquismo e terrorismo. Devem ser reafirmados o acolhimento e a tutela com relação ao ensino religioso nas escolas além dos outros temas explicitados nas orientações referidas.
COMENTÁRIO: Este segundo trecho em análise demonstra os valores cristãos que cada grupo elege como prioridade na governança da cidade. Enquanto no texto divulgado pelos padres, fala-se em “justiça, igualdade e fraternidade”, a nota da arquidiocese prefere priorizar os valores morais: aborto, família e postura social.
CATÓLICOS/AS COM FREIXO: “Na companhia de um grande número de católicos e católicas, leigos e leigas comprometidos com a Democracia, com a Vida e a Dignidade humanas na história concreta de nossa Cidade marcada pela violência, injustiça e exclusão social, nos unimos, à luz da Fé, na luta pela VIDA e pela PROMOÇÃO DA PESSOA HUMANA na força evangélica da “opção preferencial pelos pobres”.
ARQUIDIOCESE: “Portanto, o voto do católico só poderá assim ser considerado se os programas dos candidatos merecedores desse voto também estiverem em comunhão com os princípios humano-cristãos.”
COMENTÁRIO: Nestes trechos, temos um fator de convergência e outro de divergência. Convergem no discurso de busca pelos valores evangélicos. Divergem no apontamento desses valores. Para o grupo de padres que apoiam Freixo, em primeiro lugar vem “a opção preferencial pelos mais pobres”. Para a arquidiocese, em primeiro lugar está a definição do voto católico como aquele que não vai de encontro aos clássicos temas do aborto, da homossexualidade e do casamento.
CONCLUSÃO: A nota da cúria arquidiocesana demonstra uma parcialidade política ímpar. Quando vigários episcopais, padres comunicadores nos veículos de informação da arquidiocese e leigos com cargos de destaque na igreja carioca utilizaram suas redes sociais para amedrontar os fiéis com o risco de excomunhão caso votassem em candidatos de esquerda – desligamento esse não previsto pelo Código de Direito Canônico –, a reação da cúria arquidiocesana foi uma nota superficial afirmando ser a Igreja apartidária.
Porém, no momento em que a manifestação partiu de um grupo de padres identificados com a Teologia da Libertação, a reação foi rápida e desproporcional. Inclusive os padres que assinaram o manifesto estão sendo convocados pela igreja do Rio de Janeiro para dar explicações a bispos e estão à disposição de sanções como mudança de paróquia, que é uma antiga forma de castigar padres no Rio de Janeiro.
Por fim, uma última reflexão. Diz a arquidiocese: “o voto do católico só poderá assim ser considerado se os programas dos candidatos merecedores desse voto também estiverem em comunhão com os princípios humano-cristãos”.
Não encontramos no programa de governo dos dois candidatos à prefeitura do Rio indícios de ações para viabilizar o aborto, a poligamia, o uso de drogas, a violência nem o terrorismo. Dessa forma, estariam os dois candidatos habilitados para receber o consciente voto dos católicos.
Intolerância e desconhecimento – Um abaixo assinado que a assessoria da Cúria diz não ter sido protocolado lá, circula pela Internet como demonstração de intolerância por parte de setores à direita da Igreja. Ele pede a excomunhão dos 11 padres e de todos os que endossaram o documento encabeçado por eles. A autoria é desconhecida. Nem o nome do autor, nem daqueles que aderiram ao documento consta do documento.
A tese para pedir a excomunhão é que católicos não poderiam apoiar comunistas/socialistas. Além da intolerância, fica demonstrado o desconhecimento. Desde o pontificado do Papa Paulo VI que esse óbice não existe mais nas normas da Igreja Católica. Foi quando Paulo VI fez o discurso agora repetido pelo Papa Francisco de que a política é “uma das formas mais elevadas de amor, de caridade, em face da qual não podemos “lavar as mãos”, como Pilatos o fez”.
O texto do abaixo assinado apela para o Papa Bento XVI, quando fala que ele ensinou, às vésperas de eleições no Brasil, que “o católico não deve votar em pessoas contrárias aos ensinamentos de sua fé”. Em seguida, avança:
“Acusamos a tais pessoas, que se apresentam como católicas, publicamente a Vsa. Eminência, como apóstatas e solicitamos de vós que apliqueis, para a salvação das almas, as penas previstas no Código de Direito Canônico aos que cometem tal crime. Acusamo-los também de caluniarem o Santo Padre dizendo que os ensinamentos do Pontífice estão em acordo com as propostas do candidato”.
A dita falsificação não fica clara, mas o que sobressai de toda esta discussão é que no seio da Igreja Católica do Rio perduram acusações e intolerância ideológica.
* Este texto foi reeditado às 21H30, após se confirmar que no encontro dos padres não se falou em punições.
2 Comentários
I think this is a real great post.Much thanks again. Keep writing.
A minha conclusão é que a religião (qualquer uma) é um dos maiores males entre os que assolam a humanidade, assim como a existência de bancos e de forças armadas.