“Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo e da decisão de vossa excelência, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. (…) solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal“. (Sérgio Moro, em ofício ao ministro Teori Zavascki, encaminhado ao STF em março de 2016).
Dezesseis meses após encaminhar um aparentemente humilde pedido de desculpas ao falecido ministro Teori Zavascki, então relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz paranaense Sérgio Moro demonstra que o que poderia ser visto como reconhecimento de um erro foi apenas uma estratégia.
A incoerência sobressaiu ao defender, inclusive como constitucional, sua decisão de divulgar conversas grampeadas da então presidente Dilma Rousseff como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na entrevista a dois repórteres da Folha de S. Paulo e outros seis estrangeiros de um denominado “grupo internacional de jornalismo colaborativo”, publicada na edição do jornal de domingo (30/07). Nela, esquecendo o pedido de “respeitosas escusas” que encaminhou ao então ministro do STF, o responsável pela Operação Lava Jato em Curitiba, defende os atos criticados pelo ministro e que ele parecia ter admitido como “incorreto”. Na entrevista, enaltecendo sua posição, reafirma:
“A escolha adotada desde o início desse processo era tornar tudo público, desde que isso não fosse prejudicial às investigações. O que aconteceu nesse caso (dos grampos de Dilma e Lula) não foi nada diferente dos demais. As pessoas tinham direito de saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos. E por isso que foi tomada a decisão do levantamento do sigilo. Um efeito indireto ao dar publicidade para esses casos foi proteger as investigações contra interferências indevidas. Afinal de contas, são processos que envolvem pessoas poderosas, política e economicamente. Na prática, pode haver tentativas. Então, tornar público também acaba funcionando como uma espécie de proteção contra qualquer obstrução à Justiça. E isso é muito importante. Foi seguida a Constituição. Dentro de uma democracia liberal como a nossa, é obrigatório que essas coisas sejam trazidas à luz do dia”.
Antes mesmo de entrar na discussão da constitucionalidade – não reconhecida pelo Supremo – da decisão do juiz, convém lembrar (o que, infelizmente, não fez nenhum dos oito jornalistas que lhe entrevistaram) que a ilegalidade dela teve início no fato de a gravação ocorrer após o término da autorização judicial que a permitiu, como lembrou Zavascki em sua decisão do dia 22 de março de 2016:
“Foi também precoce e, pelo menos parcialmente, equivocada a decisão que adiantou juízo de validade das interceptações, colhidas, em parte importante, sem abrigo judicial, quando já havia determinação de interrupção das escutas”.
Atropelo à Constituição e às leis – Ao que parece, ao juiz Moro o que vale é a interpretação sua pessoal, e de seu grupo de atuação, a respeito das leis e da Constituição. Para ele, de resto, suas decisões têm sido dentro do que determina a Carta Magna, apesar de os ministros – e a jurisprudência – da corte encarregada de analisar a constitucionalidade das decisões até mesmo do próprio Judiciário dizerem o contrário. Cite-se, mais uma vez, o que Zavascki colocou em seu despacho:
“Enfatiza-se que, segundo reiterada jurisprudência desta Corte, cabe apenas ao Supremo Tribunal Federal, e não a qualquer outro juízo, decidir sobre a cisão de investigações envolvendo autoridade com prerrogativa de foro na Corte, promovendo, ele próprio, deliberação a respeito do cabimento e dos contornos do referido desmembramento (…). No caso em exame, não tendo havido prévia decisão desta Corte sobre a cisão ou não da investigação ou da ação relativamente aos fatos indicados, envolvendo autoridades com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, fica delineada, nesse juízo de cognição sumária, quando menos, a concreta probabilidade de violação da competência prevista no art. 102, I, b, da Constituição da República“.
Mais ainda, quando moro defende na entrevista que “As pessoas tinham direito de saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos. E por isso que foi tomada a decisão do levantamento do sigilo”, ele atropela novamente o entendimento do STF. No despacho que deu sobre o caso, Zavascki também abordou essa questão, lembrando de outro princípio constitucional atropelado pelo juiz da “República de Curitiba”:
“(…) a divulgação pública das conversações telefônicas interceptadas, nas circunstâncias em que ocorreu, comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo, que tem assento constitucional. O art. 5º, XII, da Constituição somente permite a interceptação de conversações telefônicas em situações excepcionais, “por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Há, portanto, quanto a essa garantia, o que a jurisprudência do STF denomina reserva legal qualificada.
A lei de regência (Lei 9.269/1996), além de vedar expressamente a divulgação de qualquer conversação interceptada (art. 8º), determina a inutilização das gravações que não interessem à investigação criminal (art. 9º). Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que – repita-se, tem fundamento de validade constitucional – é descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”.
Ou seja, no entendimento de Zavascki, além de atropelar o principio constitucional que garante o sigilo das conversas telefônicas, Moro passou por cima da legislação que determina a inutilização das gravações sem interesse à investigação. Em outras palavras, ele entendeu que os trechos divulgados não guardavam relação com a investigação. Logo, o interesse em torná-los públicos era outro. Não expressou, mas deixou no ar que poderiam ser políticos.
De certa forma, o próprio Moro confirma isso ao insistir que a divulgação de investigações é necessária como forma de protegê-las, principalmente quando envolve pessoas poderosas: “tornar público também acaba funcionando como uma espécie de proteção contra qualquer obstrução à Justiça. E isso é muito importante”.
Silêncio quando convém – Trata-se, aliás, de uma prática que a Força Tarefa da Lava Jato adotou o tempo todo com vazamentos seletivos de parte das investigações. Seletivos por serem apenas daquilo que interessa ao grupo da Força Tarefa. Do contrário outras divulgações, que podem ser consideradas importantes para o público acompanhar o trabalho de investigação que Moro defendeu na entrevista ser isento, deveriam ser feitos.
Fiquemos em apenas uma questão, que a Força Tarefa evita comentar: o grampo encontrado na cela do doleiro Alberto Youssef dez dias depois dele ser preso e levado para a custódia da Polícia Federal do Paraná. Desde o início, a Força Tarefa desdenhou este grampo ilegal, porque sem autorização judicial.
Convém lembrar que, em 20 de agosto de 2015, na primeira matéria que este Blog publicou sobre as investigações que estavam sendo feitas em Curitiba – Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR – afirmamos sobre este grampo, que na época ainda não se sabia se estava ou não ativado:
“(…) o aparelho que o doleiro encontrou, pode sim colocar em risco todo o trabalho de investigação já realizado que, pela primeira vez na história da República, enfrenta com êxito a corrupção a políticos, praticada por empresários interessados em abrir portas para seus negócios junto aos governos das três esferas e de todas as colorações partidárias.
Muito embora os chamados operadores da Lava Jato – juiz, procuradores e delegados federais -garantam que em nenhuma das 36 ações – criminais e de improbidade – já propostas contra 180 pessoas (veja infográfico ao lado) tenha sido usado material de escutas clandestinas, há sempre o risco de surgir o que no Direito chamam de “fruto da árvore podre”. Isto é, as defesas poderão questionar se informações colhidas ilegalmente alimentaram em algum momento as ações policiais“.
Mas, os operadores da Lava Jato, Moro à frente, sempre desdenharam as denúncias sobre este grampo ilegal, mesmo depois de confirmada que a primeira sindicância sobre o caso, feita pelo delegado Maurício Moscardi Grillo, teve um resultado dirigido, para desmerecer as acusações.
Tal descoberta gerou uma segunda sindicância, feita pela Corregedoria Geral do Departamento de Polícia Federal (COGER/DPF) que confirmou que o grampo estava ativo. Aqui no Blog noticiamos no último dia 22 de fevereiro na postagem Armação federal (I) que o grampo coletou gravações das conversas entre os presos da cela 5 da custódia por 12 dias (de 17 a 28 de março). Na postagem detalhamos:
“Ao contrário do que o Blog anunciou em 12 de outubro de 2015 em Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas, a perícia da Polícia Federal resgatou 263 horas e 41 minutos de gravações. Confirmou que as conversas eram entre presos da Lava Jato ao confirmarem as vozes, tais como as de Carlos Alberto Pereira da Costa, Carlos Alexandre de Souza Rocha e Alberto Youssef. Mas, conforme as informações passadas ao Blog por fonte de Brasília que acessou cópia de toda essa documentação, segundo a sindicância, não houve conversas relevantes com relação à Operação Lava Jato”.
O curioso é que nem o juiz Moro, nem os procuradores da República de Curitiba – que constitucionalmente exercem o controle externo da Polícia Federal – se interessaram pelo crime de instalação ilegal de um grampo em uma cela da custódia em uma operação da qual participaram.
Mesmo que se alegue que as conversas captadas são irrelevantes para a Operação Lava Jato, é de se questionar ao juiz que defende a transparência nas investigações: por que não tornar pública estas gravações para que todos confiram que realmente elas não influenciaram na decisão dos presos em se tornarem delatores?
O assunto, ao que parece, caiu no esquecimento. Algo normal na Operação Lava Jato quando se trata de alguma coisa que não beneficie a acusação.
Aliás, na entrevista a oito jornalista, Moro cometeu outro equívoco que nenhum dos oito repórteres presentes foi capaz de cobrar – por conveniência? conivência? -, mas que Fernando Brito, no Blog Tijolaço, não deixou passar batido.
Moro reclamou do desinteresse dos políticos no combate à corrupção ao dizer que “vejo uma ausência de um discurso mais vigoroso por parte das autoridades políticas brasileiras em relação ao problema da corrupção. Fica a impressão de que essa é uma tarefa única e exclusiva de policiais, procuradores e juízes“.
Isso mostra que sua visão veda-se quando se trata de iniciativas dos governos petistas. Pois, como Brito lembrou na postagem O Jânio Quadros de Maringá, durante os governos petistas de Lula e Dilma é que se promulgaram diversas leis e se criaram vários mecanismos, além de se dar total autonomia à Polícia Federal para a investigação de casos de corrupção. Medidas, aliás, que propiciaram o trabalho da Força Tarefa da Lava Jato, nas investigações que fazem. Mesmo que seletivas.
Como de hábito, o Blog procurou o juiz Sérgio Moro para ouvi-lo, mas não recebeu nenhuma resposta às mensagens enviadas.
Aos leitores e seguidores do Blog: a reportagem acima foi feita durante a estada do editor do Blog em Curitiba, onde foi convocado para duas audiências judiciais. Uma das quais, na sexta-feira, no processo em que há 16 meses a delegada federal Erika Mialik Marena obteve a censura de duas postagens no Blog, que permanecem proibida aos leitores até hioje. Estas viagens são sustentadas pelo próprio Blog que, como todos sabem, sobrevive com a contribuição dos leitores. Registramos, mais uma vez, nossos agradecimentos aos que colaboram com a manutenção desta página, e ainda à advogada Ivete Caribe Rocha, que nos acolheu em Curitiba, e ao escritório de advocacia de Rogério Bueno Silva que patrocina nossa defesa nessas ações.
8 Comentários
Incoerente e imaturo. Infelizmente, uma parte do povo ainda está com ele.
Se o Moro não conseguir prender o LULA antes da Eleição 2018 a QUADRILHA GOLPISTA VAI MATAR O LULA em mais um acidente aéreo não investigago pela aéronáutica. LULA, PRESO OU MORTO POR ESTES BANDIDOS NÃO SERÁ PRESIDENTE EM 2018
O cretino é terrível, tanto que, como se lê no início: “solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal“. (Sérgio Moro, em ofício ao ministro Teori Zavascki, encaminhado ao STF em março de 2016).”, ele usa ESTE EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ou seja, ele se considera “dentro e manda-chuva” do stf, pois ESTE (é este aqui) e, jurisdicionalmente, para ele, o correto seria ESSE (esse aí). Quanto ao egrégio supremo, por si só, bem demonstra o desnível de canalhice que lhe é (im)próprio. Mas, num aspecto – infelizmente, para nós – ele tem razão: os ministrecos do stfezinho estão cagados de medo dele, desde o começo. Mesmo o finado Teori fez que reclamou, mas, nada fez de objetivo, qual seja, implicá-lo em processo junto ao cnj (ainda existe, né, dona carmencita?). Haja saco.
Penso que houvesse inteligência institucional no Brasil há muito se saberia que mouro NÃO grampeou a Dilma fora do horário por ele estabelecido.
A gravação teria sido fornecida pelos órgãos de inteligência estrangeiros, os mesmos que noutra oportunidade grampearam a Dilma e a Merkel.
Em “trinta segundos a parada” foi fornecida pronta para o mouro e para a globobo, as divisões avançadas do golpe.
Penso ainda que a infinita convicção contra o Lula advém de informações manipuladas pela mesma fonte. Só isso justificaria a cabeça pequena do julgador condenar o ex-presidente contra o número insignificante de 72 testemunhas que o inocentaram. http://www.plantaobrasil.net/news.asp?nID=97957
O golpe progride e avança!
Basta lembrar que Ronald Reagan renunciou para não sofrer impeachment no famoso “watergate”. Mas aqui um juizeco de 1a. Instância é protegido por um STF acovardado e faz das leis o que ele quiser.
Só uma correção: o presidente em questão foi Nixon.
É que no Brazil (z) existem duas leis: a do país e a do Moro. Nem preciso dizer quem é o mocinho e quem é bandido nessa novela global.
Prezado Jornalista Marcelo Auler, prezados leitores.
Desde que foi deflagrada a chamada “Operação Lava Jato”, eu jamais me deixei enganar quanto aos propósitos político-partidários, golpistas e criminosos que tal ação coordenada pela burocracia estatal cooptada pelos departamentos e agências de espionagem e investigação dos EUA (CIA, FBI, NSA, NRO, DoJ, etc), em parceria com as oligarquias escravocratas, plutocratas, cleptocratas, privatistas e entreguistas representava. Por essa razão sempre chamei tal operação pelo que ela de fato sempre foi e continua sendo: uma Fraude Política a Jato, uma ORCRIM institucional. A série histórica de reportagens publicada aqui, assim como as análises e reportagens de Luís Nassif, no GGN, confirmam isso de forma cabal.
sérgio moro e demais integrantes do núcleo curitibano da Fraude a a Jato – tanto na PF como no MP – cometem crimes de forma reiterada, contumaz. Rodrigo Janot e a cúpula do MPF também agem como criminosos contumazes. Não podemos ser cerimoniosos e/ou lenientes ao tratar com servidores públicos – cheios de regalias, mamatas e privilégios – que cometem crimes e usam de sua posição e de seu poder para ameaçar os cidadãos e os jornalistas que ousam criticá-los e denunciá-los.
Sugiro ao jornalista fazer entrevistas com juristas destemidos, que tenham coragem de mostrar os crimes cometidos pelos lavajateiros, citando os artigos do CPP em que tais crimes são tipificados e qual pena deve ser aplicada a tais servidores do chamado “sistema de justiça”. No caso do grampo de conversa envolvendo a Presidenta da República, além da ilegalidade desse registro, sérgio moro COMETEU CRIME ao divulgá-lo par a TV Globo e deveria ser condenado a 4 (QUATRO) anos de prisão, em regime fechado.