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Rui Xavier (*)

O desmonte de importantes conquistas dos brasileiros não está acontecendo só no atacado, ou seja, no plano federal. De vez em quando, aparece aqui e ali alguém destruindo coisas que nos são muito caras e estão ajudando a tornar o Brasil um país pior. É o que ocorre no Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da conceituada Fundação Getúlio Vargas.

Quem faz a denúncia são cerca de 2.500 pessoas que firmaram um abaixo assinado intitulado “Contra a destruição do CPDOC: pela readmissão de Luciana Heymann e Dulce Pandolfi”.

Elas são duas das professoras/pesquisadoras mais conhecidas e identificadas com a instituição, que deram grande contribuição para que o CPDOC seja considerado um dos mais importantes centros de pesquisa histórica da América Latina.

A alegação para as demissões é a falta de recursos. Mas é fácil concluir que existe alguma coisa esquisita nessas demissões, basta olhar os nomes que estão firmados na petição pública, especialmente aqueles do mundo acadêmico.

Eis alguns exemplos: Otavio Velho e José Sergio Leite Lopes (ambos do Museu Nacional), Luís Eduardo Soares, Silke Weber, Joana Pedro (atual presidente da Associação Nacional de História – ANPUH), Rodrigo Motta (ex-presidente da ANPUH), Gustavo Luís Ribeiro (ex-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais ANPOCS), José Ricardo Ramalho (ex-presidente da ANPOCS), James Green (historiador, EUA), Kenneth Sebirn  (historiador, EUA), Ênio Candotti (da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

Além desses, outros dois importantes exemplos: Celina Vagas do Amaral Peixoto, neta do presidente Getúlio Vargas, fundadora do CPDOC e sua primeira diretora, Aspasia Camargo, a segunda diretora da instituição.

A professora Dulce Pandolfi, há quatro anos, prestou valiosa contribuição para que a instituição não continuasse degradando sua imagem pública. Ela foi pivô de uma disputa com a direção da época (que, aliás, é a mesma de hoje).

Nesse ano foi demitida pouco antes de ter completado 65 anos, como determinava a norma interna no CPDOC de afastar qualquer pesquisador(a) quando chegasse a essa idade. Isso provocou protestos tão fortes da área acadêmica que a diretoria da instituição foi obrigada a readmiti-la, pondo um fim nessa norma retrógrada e, para usar um termo bem grosseiro, burra.

Luiz Eduardo Wanderley com mais de 80 anos continua ministrando aulas ( Foto Agência UEL de Notícias – Universidade Estadual de Londrina – PR)

Quando esse princípio ainda vigorava, a instituição fez outras vítimas que o mundo acadêmico coloca no grupo das mais competentes pesquisadoras da história contemporânea do Brasil, como, as historiadoras Ângela Maria de Castro Gomes e Marly Motta, além da socióloga Maria Lippi Oliveira.

O professor visitante de gerontologia da USP, Jorge Félix (um dos autores do livro “Política nacional do idoso – velhas e novas questões”) achou estranho quando soube que esse princípio já vigorou em tão afamada instituição. Segundo ele, “não existe nenhuma pesquisa que consiga relacionar a idade e a produtividade das pessoas”.

E dá um exemplo que ele conhece bem, seu respeitado ex-professor de sociologia, Luiz Eduardo Wanderley, ex-reitor da PUC/SP que exerce, com competência, a docência até hoje, a despeito de ter mais de 80 anos.

O abaixo assinado em favor das duas demitidas – Contra a destruição do CPDOC/FGV: Pela readmissão de Luciana Heymann e Dulce Pandolfi – destaca que:

“Numa conjuntura de extrema dificuldade das instituições de ensino e pesquisa devido à política anti-intelectual do governo federal e de governos estaduais como o do Rio de Janeiro, política disfarçada de pretensa austeridade, vemos um centro de pesquisa ser destruído por decisão de sua chefia. Enquanto faculdades particulares se aproveitam da “reforma” trabalhista para demitir milhares de professores, um renomado centro de pesquisa sobre a memória nacional, da Fundação Getulio Vargas, destrói deliberadamente a sua própria memória. As consequências nefastas dessa decisão em muito superam supostos benefícios financeiros de dimensões mesquinhas. (…)

O menosprezo pela memória da instituição vem sendo praticada desde pelo menos 2012 quando foi implementada uma política de dispensa de docentes e pesquisadores ao completarem 65 anos, privando o CPDOC (quando nas universidades públicas a compulsória passou de 70 para 75 anos) da presença daquelas (e daqueles) que o construíram ao longo de seus mais de 40 anos de existência. O corte da convivência destes docentes com as novas gerações é um dano irreparável que faz obstáculo à transmissão prática da memória no ensino e na pesquisa documental e fragiliza as novas gerações diante das idiossincrasias da Direção”.

O que é mais triste em toda essa história é assistir a FGV permitir que o CPDOC, um dos seus mais famosos departamentos, vá se apequenando por desprezar o que ele deveria defender a todo custo – o seu ativo intelectual, representado por pesquisadores e pesquisadoras que passaram a vida estudando a nossa história.

(*) Rui Xavier é jornalista profissional.

 

 

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