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Marcelo Auler

reuniao-tse-sobre-garotinhoAo conceder, nesta quinta feira (24/11) em parte o Habeas Corpus (HC) pedido pela defesa do ex-governador Anthony Garotinho, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, através de seu presidente, ministro Gilmar Mendes, mas com a aparente concordância dos outros seis ministros, criticou violentamente os advogados por conta de diálogos que foram gravados pela Polícia Federal, nos quais falam em procurar a ministra como se fosse algo espúrio.

Por seis votos a um, o TSE libertou Garotinho, mas lhe impôs várias medidas cautelares, como a proibição de ir a Campos dos Goytacazes sem autorização judicial.

O TSE, porém, perdeu a oportunidade de, aproveitando o caso em si, mandar averiguar aquilo que a relatora do processo, ministra Luciana Lóssio e outros ministros classificaram como crime: o vazamento de gravações feitas em investigações que correm em segredo de Justiça.

O vazamento começou no domingo, dia 20/11, no Fantástico da TV Globo e teve nítida intenção de deixar mal justamente a ministra Luciana Lossio, relatora do processo no TSE. O vazamento foi das conversas do Garotinho relatando ao advogado Jonas Lopes de Carvalho Neto e com outro interlocutor falando dos encontros com a ministra e da ida dele à Superintendência da Polícia Federal, deixando no ar dúvidas sobre o comportamento dela.

Juiz não revelou conversas vazadas – Na verdade, como a ministra admitiu no seu voto, o encontro foi institucional, tal como ocorre com outros advogados e outras partes. Segundo disse, ela recebeu o advogado e, pelo que ficou entendido, também a prefeita Rosinha Garotinho e o seu marido, ainda secretário municipal. Mais cedo, porém, a assessoria de imprensa ter repassado que ela não esteve com o casal.

O mais grave, porém, é que a conversa vazada para jornalistas não foi relatada na decisão do juiz da 100ª Zola Eleitoral de Campos dos Goytacazes, Glaucenir de Oliveira em que ele decretou a prisão de Garotinho. Ele não as transcreveu, apenas a citou. Nem mesmo informou o teor das conversas vazadas aos jornalistas para a relatora ou ao TSE, como destacou a ministra Luciana, em um tom bastante crítico:

Ministra Luciana Lóssio criticou o vazamento e o fato de o juiz não ter narrado as conversas ao TSE.

Ministra Luciana Lóssio criticou o vazamento e o fato de o juiz não ter narrado as conversas ao TSE.

“Sustenta a decisão ainda, em adição, que o decreto de prisão preventiva se funda em conversas, nas quais supostamente participa o ora paciente, obtidas mediante interceptação telefônica autorizada judicialmente de cujo conteúdo se constataria o protagonismo e o comando do réu, na cadeia de associação criminosa“. Ela prossegue:

Entretanto, nada consta da decisão a cerca das referidas interceptações além da própria afirmação do juízo. Não há uma palavra sequer, uma vírgula, uma menção às afirmações ou diálogos travados nas interceptações telefônicas. Todavia neste ponto eu destaco a preocupante, e digo até mesmo, o criminoso vazamento de diálogos destas interceptações. Primeiro, em virtude de trechos na mídia que sequer foram apresentados pelo magistrado em sua decisão. Não chegaram ao conhecimento desta relatora, ou desta colenda corte. E segundo pela exposição de uma conversa entre advogado e cliente o que constitui até mesmo crime de revelação de segredo profissional citado no Art. 154 do Código Penal e também atenta contra a inviolabilidade da correspondência, relativa ao exercício da advocacia, tal como preceitua o Estatuto dos advogados, a Lei 8.906.”.

A ministra ainda lembrou que o próprio Gilmar Mendes, este ano, considerou “vazamentos de diálogos confidenciais utilizados como provas no bojo de ações criminais” como “abuso de autoridade“, declarando que isso precisa “ser examinado com toda a cautela“. Ela acrescentou o que muitos vêm afirmando há muito tempo, inclusive com relação à Operação Lava Jato:

“Ora, não se combate um crime cometendo outro crime”.

Gilmar mendes criticou pretensos advogados: "É preciso respeitar as instituições"

Gilmar mendes criticou pretensos advogados: “É preciso respeitar as instituições”

Respeito às instituições – As críticas do ministro Gilmar Mendes foram aos pretensos advogados de Garotinho, como Jonas Lopes de Carvalho Neto, filho do conselheiro do Tribunal de Constas do estado, Jonas Lopes de Carvalho Filho – ambos do grupo político do ex-governador, que nem mesmo tem procuração no processo. Foi entre eles a conversa sobre a visita à ministra Luciana. Mas, curiosamente, o ministro falou apenas superficialmente sobre o vazamento, focou toda a sua crítica ao conteúdo da conversa, sem dúvida inapropriado.

Temos de uns tempo para cá vivido uma situação bastante delicada. Que se torna obviamente delicada para o Judiciário, mas que se revela também delicada para as instituições como um todo. De quando em vez, isto ocorreu agora em relação ao TSE (…) aparecem conversas de advogados, de pretensos advogados, nós temos esse fenômeno, que é lamentável. que eu acho que a OAB precisa tomar… dar atenção, de advogados sem procuração nos autos, às vezes, que militam, mas que na verdade não atuam propriamente como advogados, mas são verdadeiramente lobistas e que muitas vezes não contribuem para a boa construção da advocacia e certamente contribuem para denegrir a imagem do Judiciário.

Chaga a ser curioso que o ministro, que recentemente participou de um bate-boca no Supremo, transmitido ao vivo e a cores, que muitos consideraram falta de decoro, defenda agora o respeito às instituições, ao judiciário. Ao mesmo tempo, embora presidente do TSE, nada determinou para que apurassem a responsabilidade do vazamento de tais informações, o que contribuiu – e muito – para atingir a imagem não apenas do Judiciário, mas da ministra Luciana, alvo de quem vazou os áudios.

Agora, tudo se fala, e aqui é lamentável, pessoas que têm responsabilidade, e que tiveram responsabilidade, deram a linha do contato, do lobby, da argumentação deficiente, deixando sempre uma sombra de dúvida  das instituições (…) podem ser coisas até  relativamente sem relevância, mas a conotação estimula a imaginação (…) Outra coisa a lamentar é que a toda hora aparece, e é indevido, envolve-se nome de juízes. Eu já me solidarizei  publicamente e pessoalmente com a ministra Luciana Lóssio que foi mencionada neste episódio de forma equivocada. É preciso que os advogados que fazem jus a esse nome, não se confundam e procurem não se confundir com lobistas (…) vem essa maldita expressão contato.Nós sabemos todos, nós não temos intermediários para marcar audiência, todos os senhores  que são advogados sabem disso. É preciso tratar as instituições com seriedade. É  preciso que as pessoas primeiros se deem ao respeito. Se quiser exercer a advocacia, que o façam com decência, senão vão fazer qualquer outra coisa (…) Em suma, toda uma conversa cifrada, para uma coisa que é absolutamente transparente, que é, protocolar um Habeas Corpus, despachar, com audiência que nós fazemos  e marcamos na agenda. Práticas todas públicas. É preciso que nós tenhamos um pouco mais de cuidado e de respeito pelas instituições“.

O Presidente do TSE insistiu nas críticas aos advogados; “Isso, infelizmente, é gestado no âmbito da advocacia. São vendedores de ilusões, ao dizerem que estão a articular, a pensar, a engendrar formas. É lamentável que isso esteja acontecendo. Eu vou falar com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive para que acompanhe esse caso. Que a OAB faça sindicâncias para verificar todos os desdobramentos desses fatos. Porque é preciso tratar as instituições com o respeito que elas merecem”.

Veja, em vídeo, o julgamento do Habeas Corpus:

 

No julgamento do HC (veja íntegra no vídeo acima, a partir dos 15’48”) impetrado pelo advogado Fernando Fernandes – que a TV Globo citou erroneamente no Fantástico (aqui a partir dos 43’55”) como sendo um dos interlocutores do ex-governador nos áudios vazados, sendo obrigada depois a desculpar-se no Jornal Nacional da segunda-feira (21/11) – veja aqui – a ministra Luciana desmontou toda a decisão do juiz mandando prender Garotinho.

Não entrou no mérito do crime do qual ele é responsabilizado, classificando-o como “um suposto esquema de compra de votos mediante o benefício de um programa social chamado Cheque Cidadão do município de Campos dos Goytacazes – e novamente falando da necessidade do respeito à dignidade humana, motivo no qual se respaldou ao conceder, sexta-feira (18/11) uma liminar autorizando Garotinho a  deixar o presídio de Bangu e se internar em hospital, publico ou particular.

Ela considerou “importante esclarecer o porquê eu determinei que ele fosse a um hospital particular e não voltasse a um hospital público. Porque, se ele tem condições de arcar com as despesas de um hospital particular, que bom  então, porque abre uma vaga a mais em um hospital público para quem precisa, para quem realmente necessita“.

Ela já começou a criticar o juiz de Campos por conta da determinação da imediata remoção de Garotinho do hospital Souza Aguiar para a penitenciária.:

A meu ver, o magistrado extrapolou suas funções ao se pronunciar a cerca de matéria de conhecimento técnico que foge à atuação jurisdicional. Daí a flagrante ilegalidade que autorizou o conhecimento de ofício por esta relatora. Na minha decisão cito, inclusive, que nunca é demais lembrar que o princípio da dignidade humana, esculpido no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, é um marco civilizatório no qual o estado Democrático de Direito se assenta. E é sempre com vista a esse primado que o Direito deve ser aplicado aos casos concretos“.

Prova inservível – Ao analisar a decisão em si da prisão de Garotinho, baseada em duas hipóteses – conveniência da instrução criminal e garantia da ordem pública – “circunstâncias que ao meu ver não estão devidamente delineadas no caso em apreço“.

Para ela, o juiz não apresentou fundamentos suficientes com relação à necessidade da prisão pela conveniência da instrução criminal, Ao citar os motivos da investigação apresentados pelo juiz  – “praticarem (Garotinho e alguns vereadores) milhares de vezes, quinze mil vezes, o crime de corrupção eleitoral tipificado no artigo 299” – a ministra foi irônica: “Eu confesso que tive um pouco de dificuldade para entender praticarem milhares de vezes, quinze mil vezes o crime de corrupção eleitoral“.

A decisão do juiz Glaucenir de Oliveira, que usou a pris~qao de Garotinho até como forma de censurá-lo, foi bastante criticada pela pela ministra Luciana Lóssio (Foto reprodução da internet)

A decisão do juiz Glaucenir de Oliveira, que usou a prisão de Garotinho até como forma de censurá-lo, foi bastante criticada pela pela ministra Luciana Lóssio (Foto reprodução da internet)

No voto, ela classificou de “deveras inconsistente” a prova testemunhal, que o juiz destacou como “especial”. Lembrou que as duas testemunhas supostamente coagidas pelo réu, possuem a peculiaridade de também serem investigadas no inquérito, algumas, inclusive, submetidas a prisões, a demonstrar, portanto, o interesse no deslinde da causa”. Algumas nem citam Garotinho, outras, modificaram as versões dos fatos por diversas vezes. “Portanto, tal prova testemunhal, no meu entender, parece inservível para sustentar o decreto cautelar extremo” (a prisão)

Prisão como forma de censura – Quanto à destruição de provas – cartões e listas de beneficiários do Cheque Cidadão foram queimados – lembrou que a servidora que assumiu ter destruído estes documentos, em nenhum momento alegou ter recebido alguma ordem para fazê-lo, assumindo que fez por conta própria. Já os arquivos de informáticas destruídos, o foram após as buscas realizadas na secretaria municipal, quando já tinham sido apreendidos documentos e computadores.

Ao analisar a justificativa da garantia da ordem pública, a ministra citou a alegação do juiz da necessidade da prisão “tendo em vista a gravidade dos supostos crimes apurados, a repercussão no seio da sociedade local, bem como para se evitar o uso inadequado dos meios de comunicação de propriedade do investigado e prevenir a repetição dos delitos”.

Ela primeiro lembrou que o caso é de crime eleitoral, em uma eleição já finalizada, logo não se justifica a prisão para evitar a eventual repetição do delito, uma vez que a eleição já ocorreu. Para ela, afirmar que Garotinho, “efetivamente, não está envolvido, mas comanda com mão de ferro um verdadeiro esquema de corrupção eleitoral, chegando a alcançar o absurdo numero de 18 mil benefícios, além dos aproximados 11 mil que existiam, constitui matéria de mérito, a ser apreciada na referida Ação Eleitoral, não se podendo antecipar, por meio de decreto prisional cautelar, a pena de uma futura e suposta condenação“.

Ela, por fim, rebateu a tese da necessidade de manter a ordem pública através da prisão exposta pelo juiz como necessária “para evitar que o réu continue  utilizando dos meios de comunicação que domina este município para  causar estado de temor e insegurança jurídica perante os munícipes e gerando também a descredibilidade da população nos ditames da lei e no trabalho da justiça Eleitoral” (sic).

Neste ponto ela bateu firme contra a tentativa de censura por parte do juiz de Campos:

Como sabido, não se pode cogitar, no estado Democrático de Direito, o cerceamento ao livre exercício da profissão e a livre manifestação do pensamento, garantias estas fundamentais assentadas na Constituição da República. Todavia, considerando que não há, na ordem constitucional vigente, direitos absolutos, por óbvio, o paciente (Garotinho) poderá a vir ser responsabilizado, nas vias próprias, pelos excessos que eventualmente cometer, não sendo evidentemente sua segregação prematura a forma  mais adequada de se coibir tais práticas“.

O ministro Herman Benjamin foi o único voto contrário. Não queria conhecer o HC

O ministro Herman Benjamin foi o único voto contrário. Não queria conhecer o HC

Como medidas cautelares , alternativas à prisão, ela propôs o impedimento de Garotinho em ter qualquer tipo de contato com testemunhas arroladas até o final da instrução processual, fixação de fiança no valor de cem salários mínimos (R$ 88 mil), obrigação de comparecer a todos os atos do processo sempre que intimado, não poderá alterar o endereço e não deverá se ausentar de sua residência por mais de três dias sem prévia comunicação ao juízo. O descumprimento, sem justificativa, de qualquer dessas medidas resultará no restabelecimento da ordem de prisão.Coube ao ministro Luiz Fux propor o impedimento do ex-governador voltar a Campos de Goytacazes, antes do fim da instrução do processo, salvo com autorização judicial (para participar das audiências).

O único voto contrário foi do corregedor do TSE, ministro Herman Benjamin para quem não caberia o TSE conhecer do Habeas Corpus, antes do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio o analisar. Criticou o fato de a ministra Luciana desqualificar as testemunhas, sem que o Tribunal tivesse conhecimento detalhado do caso,. Isto, segundo defendeu, deveria ser feito pelo TRE. Destacou ainda considerar consistentes os indícios de coação de testemunhas relatados pelo juiz eleitoral de Campos.

4 Comentários

  1. Janete Reis disse:

    Muito bom o seu artigo

  2. C.Poivre disse:

    Fora de pauta, mas imperdível:

    Trump reúne mídia tradicional dos EUA e os chama de MENTIROSOS, FALSOS E DESONESTOS, na cara:

    https://actualidad.rt.com/actualidad/224368-trump-cnn-odio-cadena-mentirosos

  3. […] Fonte: TSE libera Garotinho, critica advogados e se omite com relação a vazamentos | Marcelo Auler […]

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