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Marcelo Auler, de Curitiba

In casu, não se evidencia que o intento da publicação tenha sido o de ofender a honra de terceiros, mediante veiculação de  notícias sabidamente falsas.” (ministro Luiz Fux)

“Eu acho que a vida pública vem com esse ônus de suportamos a crítica, às vezes justa, às vezes injusta, às vezes construtiva e às vezes destrutiva”. (ministro Luiz Roberto Barroso)

Entre os artigos censurados a pedido dsa delegada Erika, uma Carta Aberta ao então ministro Eugênio Aragão.

Na decisão que determinou a suspensão da censura imposta liminarmente a este Blog, em março de 2016, pelo 8º Juizado Especial Cível de Curitiba, os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal  (STF) não se limitaram a reafirmar de forma clara e cristalina o entendimento da Corte de que a Constituição Cidadã de 1988 não admite limitação ao trabalho da imprensa.

Também advertiram a autora do pedido, a delegada Érica Mialik Marena, na época à frente da Operação Lava Jato e na equipe do ex-juiz Sérgio Moro no ministério da Justiça, para a necessidade de os agentes públicos terem “maior nível de tolerância à exposição e escrutínio pela mídia”. “Suportarem as críticas”, na explicação do ministro Luiz Roberto Barroso. No seu voto, proferido em 5 de junho e só divulgado em 12 de novembro, o ministro Luiz Fux destacou a respeito de Érika:

“(…) as circunstâncias concretas deveriam sujeitar a Delegada a um maior nível de tolerância à exposição e escrutínio pela mídia e opinião pública, e não menor. É dizer, seu cargo público é motivo para que haja ainda maior ônus argumentativo apto a justificar qualquer restrição à liberdade de informação e expressão no que toca à sua pessoa e o exercício de suas atividades públicas.”

Juiz desrespeitou o STF – Apesar da posição clara – e antiga – do Supremo Tribunal impedindo qualquer espécie de censura, o Blog continua impedido de apresentar aos seus leitores as duas reportagens – “Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos” (16 de março de 2016) e “Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão” (22 de março de 2016). Tudo por conta da decisão do juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, do 8º Juizado Especial Cível. Ao ser informado da decisão da Suprema Corte ele se negou a suspender o impedimento imposto às publicações.

Mesmo com a decisão do Supremo, o juiz Guimarães manteve a censura agora determinada por sentença.

Tal como noticiamos em Justiça do PR contraria STF e ainda manda indenizar delegada, em 14 de junho Guimarães registrou que a decisão do STF se referia à “tutela antecipada” e não atingia a decisão àquela altura determinada por sentença. Sentença que foi prolatada pela juíza leiga Bruna Alexandra Radoll Neumann e por ele homologada, na qual o editor do Blog foi condenado a indenizar em R$ 10 mil a delegada Érica e a manter longe do acesso público as duas reportagens.

Como o inteiro teor do Acórdão do julgamento, por problemas burocráticos, só foi publicado em 12 de novembro – cinco meses após a decisão -, nesta quinta-feira (22/11) o advogado curitibano Rogério Bueno da Silva, que defende o Blog Pro Bono, entregou a decisão à juíza Maria Fernanda Scheidemantel Nogara Ferreira da Costa. Ela foi sorteada relatora do recurso contra a sentença (0012169-78.2016.8.16.0182) interposto junto à 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, no judiciário do Paraná.

Ao despachar pessoalmente com a relatora do recurso, Bueno da Silva insistiu na necessidade de se cumprir o decidido na mais alta corte do país. Para tal ela precisa cassar a decisão do juiz togado Guimarães que manteve a proibição da veiculação das reportagens. Afinal, a decisão do juiz não só atropelou a Constituição Cidadã como transformou em letra morta da decisão da mais alta corte do país.

No julgamento em junho ((veja íntegra do acórdão abaixo), os ministros da Primeira Turma, de forma enfática, reafirmaram, entre outros princípios, que se e quando necessária, “a medida própria para a reparação do eventual abuso da liberdade de expressão é o direito de resposta e não a supressão liminar de texto jornalístico, antes mesmo de qualquer apreciação mais detida quanto ao seu conteúdo e potencial lesivo”. (grifo nosso).

Inteiro teor Agravo Regimental na Reclamação nº. 28.747. 

Apoio da FENAJ  e do Instituto Vladimir Herzog – Na petição apresentada, Bueno da Silva reforça: “fundamental a pontuação acima grifada. Afinal, torna-se aparentemente incompreensível a imposição de uma censura após inúmeras decisões do plenário do Supremo Tribunal Federal – dentre as quais destaca-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, julgada em 30.04.2009 e a não menos famosa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, aprovada por UNANIMIDADE, em 10 de junho de 2015. Ambas se tornaram verdadeiros marcos históricos da posição daquela Corte a favor da democracia e da Liberdade de Expressão”. (grifo do original).

Ele continua: “Logo é incompreensível que qualquer juízo, em decisão precipitada e de forma unilateral, sem o indispensável respeito ao contraditório preconizado no devido processo legal, dentro do Estado de Direito, tome decisões drásticas que se contraponham ao determinado pela Suprema Corte.

Foi o que fez o 8º Juizado Especial Cível de Curitiba/PR, sem a preocupação de ouvir a parte contrária, ao determinar, em medida liminar, a CENSURA, comunicada ao responsável pelo Blog Marcelo Auler, repórter, o ora recorrente/peticionário, no mesmo ato em que o informava da Ação de Indenização por Danos Morais e o intimava para a audiência de conciliação” (grifo do original).

Ao recorrer da sentença considerada injusta, o Blog depositou o R$ 10 mil a que foi condenado a indenizar a delegada, na expectativa de reaver o valor com a sua absolvição.

A sentença da juíza leiga Bruna, depois homologada pelo juiz Guimarães, apesar de todas as provas juntadas aos autos, considerou parcialmente procedente a pretensão da delegada de Polícia Federal Érika para:

  • converter a tutela provisória concedida em definitiva (Evento 9.1), determinando que Marcelo José Cruz Auler retire de seu blog (internet) as matérias nas quais menciona o nome da reclamante de maneira vexatória, sobretudo, as matérias “Novo Ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos” e “Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão”, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pena de multa diária de R$ 400,00 (quatrocentos reais), limitada a 20 (vinte) dias;
  • condenar Marcelo José Cruz Auler ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido monetariamente pela média do INPC/IGP-DI a partir da presente decisão e com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do evento danoso”.

Mesmo sem que a Justiça o exija, o Blog tratou de fazer o depósito do valor que lhe foi imposto como indenização à delegada, ainda que o tenha feito consciente de não existir motivos para tal indenização. Consciência maior ainda após a leitura atenta do Acórdão da Primeira Turma do STF, juntado aos autos nesta quinta-feira.

Registramos e agradecemos aqui de público a amigos, leitores e seguidores do Blog que contribuíram com parte do valor recolhido judicialmente, não apenas por entenderem a sentença como injusta, como para incentivar o nosso trabalho e nossa luta em prol da Liberdade de Imprensa e do Estado Democrático de Direito. Uma luta que nos faz respeitar decisões judiciais, ainda que discordando dela, ao contrário do que aconteceu com o juiz Guimarães que passou por cima do que determinou o STF.

Da mesma forma agradecemos de público o apoio que recebemos da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) que, por decisão de sua diretoria presidida por Maria José Braga, através do advogado Claudismar Zupiroli, atuaram no Supremo como amicus curiae nesta Reclamação. O mesmo apoio nos foi dado pelo Instituto Vladimir Herzog, por meio de seu secretário-geral, Rogério Sottili, e dos advogados Claudio de Souza Neto, Beatriz Veríssimo de Sena e Ana Beatriz Vanzoff Robalinho Cavalcanti que também participaram desta Reclamação na condição de amicus curiae, por entenderem ser fundamental a defesa da Liberdade de Imprensa.

Supremo não vê crime – Por estarem julgando uma Reclamação contra o descumprimento de decisões do plenário do Supremo, não cabia aos ministros da Primeira Turma do STF analisarem o mérito em si do processo, no qual o editor do Blog foi condenado. Ainda assim, alguns deles manifestaram suas opiniões da inexistência de qualquer dolo ou crime por parte do jornalista.

Na Primeira Turma do STF o ministro Alexandre Moraes defendeu a censura; Marco Aurélio Mello recusou a Reclamação por questões processuais. O Agravo foi provido por três votos a dois. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

Como já ocorreu em diversos outros julgados daquela Suprema Corte, os ministros deixaram claro que as críticas de jornalistas, em especial a agentes públicos, fazem parte do Estado Democrático de Direito e não podem ser vistas como caluniosas ou injuriosas. Logo na abertura do acórdão consta, por exemplo;

A liberdade de informação e de imprensa são apanágios do Estado Democrático de Direito.

O interesse público premente no conteúdo de reportagens e peças jornalísticas reclama tolerância quanto a matérias de cunho supostamente lesivo à honra dos agentes públicos.

Eles destacaram ainda que o papel do Judiciário, ao contrário de censurar, é o de assegurar a divulgação “até mesmo de ideias inconvenientes”, como consta do voto do ministro Fux:

Cumpre ao Judiciário, consectariamente, exercer a sua função contramajoritária, assegurando a divulgação até mesmo de ideias inconvenientes perante a visão da maioria da sociedade. Cônscio da especial relevância da liberdade de expressão, o STF posicionou-se de forma intensa em favor da sua proteção contra a censura, quando do julgamento da paradigmática ADPF 130”.

Com base nisso, Bueno da Silva destaca na petição protocolada nesta quinta-feira: “Verifica-se, portanto, que independentemente de ser determinada cautelarmente ou por sentença, a decisão da CENSURA é ilegal, pois inconstitucional. Fere o decidido por corte superior. Nesse sentido, nada mais a ser feito do que SUSPENDE-LA DE IMEDIATO, em respeito não apenas ao decidido por ministros do STF, mas, em especial, à CONSTITUIÇÃO e ao ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO”. (grifo do original)

Em seguida frisa a necessidade de a sentença condenatória ser revista levando em conta até a posições dos ministros Fux e Barroso. Eles, sem entrarem no mérito da questão, deixaram claro que não há que se falar em crimes, ofensas, injúrias ou calúnias. O relator do voto vencedor, ministro Luiz Fux, destacou:

“No caso dos autos, ademais, não se evidencia de plano (ainda que possa ser posteriormente comprovado no curso do processo) que o intento do reclamante tenha sido o de ofender, com a veiculação de notícias sabidamente falsas, a honra da Delegada.”

Delegada Erika contestou as matérias que reportaram o que um colega disse dela em depoimento oficial. Não contestou o colega. (Foto: reprodução da TV)

Provas não foram analisadas – A partir deste comentário o advogado lembrou à juíza relatora do processo na Turma Recursal:

“Aqui é importante ressaltar que se o relator do voto vencedor, ministro Luiz Fux, não evidenciou de plano o intento de ofender a delegada reclamante, também na análise circunstanciada, detalhada, esmiuçada dos autos não se evidenciará tal empenho ou desejo. Isto porquanto a matéria CENSURADA apenas RE POR TA fatos reais, ocorridos, devidamente comprovados nos autos deste processo”. (grifos do original).

Lembrou ainda, como já havia dito no seu Recurso Inominado, que a juíza leiga, ao dar a sentença não se deteve às provas amealhadas aos autos:

“Ofertada Contestação, pelo Recorrente, na qual foram carreadas provas contundentes, que embasaram as reportagens, as quais, ao que parece, sequer foram objeto de análise quando da prolação da sentença, na medida em que além de comprovar, corroboram in totun a tese de defesa do Recorrente’.

Afinal, na contestação apresentou-se as provas e confirmações do que foi (repita-se) apenas RE POR TA DO na matéria jornalística. Senão vejamos:

A reportagem fala, de início, de declarações feitas ao próprio Blog pelo então ministro da Justiça, o então subprocurador geral da República Eugênio José Guilherme Aração, tal e qual, em juízo, ele confirmou ter feito.

E ele, Eugênio Aragão, como testemunha, não apenas confirmou no depoimento prestado em juízo o que o Blog informou dele ter ouvido, mas comprovou por meio da apresentação da íntegra da Sindicância administrativa a que respondeu nos anos de 2005, a saber, a Sindicância 1.00.002.000128/2005-11. Sindicância esta que ele respondeu e na qual foi devidamente ABSOLVIDO;

Nela, porém, se constata, como foi noticiado pelo Blog, o vazamento de informações contidas em relatório que para todos os efeitos era “Confidencial-Urgente”, como citado pelo então Corregedor-Geral do Ministério Público, o subprocurador-geral da República Etiel Santiago de Brito Pereira, em documento que consta às Fls. 26 da referida Sindicância.

Assinado por delegados e peritos da Polícia Federal – entre os quais estava a Delegada Reclamante – o teor do Ofício, embora CONFIDENCIAL, acabou vazado para o jornal Folha de S.Paulo, como prova a notícia publicada pelo próprio jornal na sua edição do sábado, 05 de novembro de 2005 e anexada à sindicância às fls. 18″. (grifos do original).

Outro ponto destacado na Petição apresentada pelo advogado (leia íntegra abaixo) foi com relação aos trechos em que as reportagens falavam de acusações feitas – em depoimento oficial do delegado de Polícia Federal Paulo Renato de Souza Herrera, no bojo do IPL 737/2015 -, da prática adotada pela delegada autora do processo com relação a vazamento de informações sigilosas. Após transcrever trechos do depoimento de Herrera, o advogado insistiu em sua petição:

“Foi exatamente com base nesse depoimento, ao qual o autor das reportagens censuradas teve acesso por terceiras pessoas e à revelia do delegado que prestou o depoimento, que o jornalista que está sendo, indevidamente, condenado nesta ação movida pela Delegada, se respaldou para fazer as afirmações que constam das duas reportagens CENSURADAS, evitando porém, identificar o autor do depoimento, que à época estava afastado por problemas médicos. Desta forma, o texto contestado pela delegada, que levou à CENSURA do Blog, dizia nas respectivas matérias publicadas:

“Érika é citada como uma das estrategistas dos vazamentos na Operação Lava Jato em um depoimento ouvido pela delegada Tânia Fogaça, da Corregedoria Geral do DPF em Brasília, no Inquérito Policial 737/2015. Na ocasião, lhe foi relatada a prática do vazamento de informações para a imprensa, como forma de blindar a Operação Lava Jato. A tática de vazamento visa atrair atenção da mídia e da opinião pública, e a partir daí evitar que se abafe a investigação.

Ao se tornar público detalhes da investigação, cria-se constrangimento ao governo e evita-se assim pressões políticas e/ou administrativas. Nesse depoimento explicaram que a delegada Érika foi uma das que importou esta estratégia do trabalho na Operação Satiagraha. Mas a tática do vazamento, como lembra o subprocurador Aragão, também foi usada na Operação do Banestado em que ela teve papel importante, tanto que assinou com o chefe a representação contra o então procurador da República. Também consta do depoimento o relacionamento próximo dela como o repórter Mario Sérgio de Carvalho, da Folha de S.Paulo. Uma relação profissional iniciada na Operação Satiagraha, em São Paulo. Com frequência, ele foi visto e chegou a ser filmado saindo da sala da delegada, no início da Lava Jato, segundo relataram à delegada Tânia”. (Em: “Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos”, publicada em 16/03/2016)

E ainda:

“sem falar nos vazamentos seletivos que ocorreram, alguns deles praticados pela delegada Érika Mialik Marena, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, que recebia a reportagem da Folha em sua sala, como chegaram a filmar. (Em: Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão, publicada em 22/03/2016)

Como se nota, ainda que utilizando suas palavras, o jornalista nas reportagens que a delegada contesta e o Juízo, precipitada e indevidamente, CENSUROU, apenas RE POR TOU fatos que lhes chegaram ao conhecimento e que estão devidamente documentados, em Sindicâncias e Inquéritos policiais, cujas provas foram juntadas aos autos”. (todos os grifos do original).

Reportagens tinham interesse público – No voto, Fux, após dizer – como destacamos na abertura desta reportagem – que “não se evidencia que o intento da publicação tenha sido o de ofender a honra de terceiros, mediante veiculação de notícias sabidamente falsas”, acrescentou:

Para Fux,reportagens censuradas tinham “interesse público”. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

“Impende, todavia, uma maior tolerância quanto a matérias de cunho potencialmente lesivo à honra dos agentes públicos, especialmente quando existente – como é o caso – interesse público no conteúdo das reportagens e peças jornalísticas excluídas do blog por determinação judicial.

Na espécie, existem pelo menos dois motivos distintos pelo qual os fatos alegadamente noticiados são de interesse público.

Primeiramente, há interesse da sociedade em controlar o proceder de autoridades policiais, mormente quando presente a possibilidade de cometimento de abusos de suas funções. Todo o atuar dos agentes públicos deve prezar pela moralidade e transparência, e deve prestação de contas à sociedade.

Em segundo lugar, há interesse da sociedade em zelar pela higidez de empreitadas anticorrupção como a Lava Jato, cuidando para que não haja excessos ou enviesamentos no decorrer dessas investigações e para que ilegalidades não venham a macular ou obstaculizar seu progresso.

O tom de reprovação com que o reclamante refere-se à Delegada não deve ser motivo suficiente para impedir que se teçam as referidas críticas.

Nessa esteira, são pertinentes as observações do Min. Barroso, na Rcl. 28.299 MC, DJe 29/09/2017, em que deixou claro que “o fato de a matéria em questão ter sido redigida com o uso de tom crítico não torna aconselhável, por si só, a proibição de sua divulgação. Como os elogios, em geral, não geram insatisfações, são exatamente as manifestações jornalísticas que empregam tom ácido as que demandam, com maior intensidade, a tutela jurisdicional. Com isso, não se está a menosprezar a honra e a imagem de eventuais ofendidos, mas a afirmar que esses bens jurídicos devem ser tutelados, se for o caso, com o uso de outros instrumentos de controle que não importem restrições imediatas à livre circulação de ideias, como a responsabilização civil ou penal e o direito de resposta”. (*)

Não menos importante, como a defesa do Blog defendeu junto à juíza relatora do recurso, a conclusão do ministro relator do voto vencedor no tocante ao comportamento da Delegada reclamante:

“Parece-me assente, por conseguinte, que as circunstâncias concretas deveriam sujeitar a Delegada a um maior nível de tolerância à exposição e escrutínio pela mídia e opinião pública, e não menor. É dizer, seu cargo público é motivo para que haja ainda maior ônus argumentativo apto a justificar qualquer restrição à liberdade de informação e expressão no que toca à sua pessoa e o exercício de suas atividades públicas.

O advogado Bueno da Silva foi adiante na Petição protocolada na quinta-feira:

“Por fim, vale lembrar que o que ele (ministro Fux) defende como certo, ainda que admita que nem sempre ocorre – a verificação prévia, por parte dos jornalistas, das informações a serem publicadas, como demonstrado acima com os depoimentos e documentos que foram carreados aos autos, foi plenamente atendido. Nada do que foi RE POR TA DO não estava devidamente calçado em provas verificadas anteriormente. Eis o que conclui no voto o ministro FUX sem ter conhecimento do mérito da ação em si:

Decerto, a verificação da veracidade das informações é desejável, tanto quanto possível, anteriormente à sua propagação, justamente para evitar que haja danos a terceiros, como na hipótese da imputação leviana de condutas ilícitas ou imorais a outrem. Contudo, na sociedade contemporânea, em que a imediaticidade das relações é a marca – o que contamina inclusive, e infelizmente, a mídia – nem sempre é possível que a investigação completa de um fato preceda sua publicização. Por vezes, é no curso de reportagens que se chega à verdade, inclusive mediante agregação de informações vindas de fontes novas, obtidas graças à publicação da matéria.

Assim sendo, concluo que a decisão reclamada violou o entendimento firmado pelo Plenário desta Casa na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, porquanto, diante de matéria de interesse público que versa sobre autoridade pública, e sem prévia apuração da diligência ou dolo do jornalista, privilegiou indevidamente a restrição à liberdade de expressão.

Ex positis, pedindo vênia ao Relator, voto pelo provimento deste agravo e pela procedência da reclamação, para cassar a decisão reclamada.”

Crítica é perfeitamente legítima – Ao encerrar sua manifestação na Petição, a defesa do Blog destacou ainda a posição do ministro Barroso no voto proferido no julgamento de 5 de junho.

“Mesmo que não se deseje alongar esta Petição, torna-se fundamental registrar a opinião do ministro Luiz Roberto Barroso ao proferir o seu voto no julgamento do Agravo Regimental na Reclamação 28.747:

Ministro Barroso em seu voto: “a crítica a vazamentos (…) é perfeitamente legítima”. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

Esta questão aqui traz ao debate uma que já anteriormente veio a esta Turma, que diz respeito à retirada de matéria divulgada on line num blog jornalístico. No tempo em que a imprensa, como o nome sugere, era apenas impressa, ninguém discutiria que impedir a divulgação configuraria censura prévia.

Agora, a retirada de uma notícia on line é um tema novo, mas eu, pessoalmente, considero que ela seja prima da censura prévia e acho que a retirada exige uma caracterização inequívoca de comportamento doloso de ofensa a alguém.

Eu li a matéria. Ela é uma matéria parcial, claramente parcial, que basicamente critica vazamentos feitos, supostamente, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Eu acho que a crítica a vazamentos e o imaginário social de que haja vazamentos, num caso ou em outro, é perfeitamente legítima. Em uma matéria que diga que fulano de tal é rematado pedófilo, sem nenhuma prova, sem nenhum elemento, por pura malícia ofensiva, eu poderia, certamente, considerar.

Agora, dizer que, na Operação Lava Jato, ocorreram inúmeros casos de vazamento e a delegada era fulana e o procurador era beltrano, eu, pessoalmente, não acho que essa seja uma caracterização de calúnia, eu penso que é uma especulação legítima.

Contra essa especulação, a delegada, o procurador e qualquer outra pessoa têm direito de pedir a retificação, têm direito de resposta e têm direito a indenização, mas, quando um jornalista diz que acha que o Ministério Público está vazando, essa não é uma informação que possa ser suprimida do público, embora ache que ela possa ter direito de resposta para a delegada dizer “eu jamais vazei”, ou dizer o que ela acha que deva dizer. Portanto, eu acho que há uma fronteira entre o que seja uma crítica plausível do que seja uma ofensa.

Desde que eu virei Ministro do Supremo, Ministro Marco Aurélio, eu leio – e Vossa Excelência também, todos nós já passamos por isso – notícias absolutamente inverazes envolvendo cada um de nós. Eu acho que a vida pública vem com esse ônus de suportamos a crítica, às vezes justa, às vezes injusta, às vezes construtiva e às vezes destrutiva. Eu acho muito difícil alguém operar no espaço público com exacerbação de sensibilidade, salvo se extrapolar um limite – como nesse caso que eu usei da pedofilia”.

Na Petição protocolada na 1ª Turma do Tribunal Recursal do Judiciário do Paraná, o advogado Bueno da Silva encerra solicitando à relatora, sem esquecer do sagrado direito ao contraditório, que não foi lembrado quando da concessão da liminar censurando o Blog, em março de 2016:

“Assim sendo, por tudo o que se vê exposto no inteiro teor do Acórdão do Agravo Regimental na Reclamação 28.747 que ora se apresenta, é que entende-se necessário que para fazer valer a decisão do Supremo Tribunal Federal, como deve ocorrer em um Estado Democrático de Direito, torna-se imprescindível que esta Turma Recursal, se digne a:

  1. Intimar a parte contrária, para em querendo se manifestar sobre o acórdão juntado em conjunto com o presente petitório;
  2. Suspenda definitivamente a decisão que CENSUROU o Blog, ferindo com isto a Constituição e as decisões já exaradas pela Suprema Corte;
  3. Dê provimento ao Recurso aqui impetrado de forma a reformular a sentença de primeira instância com o entendimento de que as notícias reclamadas em momento algum foram ofensivas ou injuriosas à Delegada reclamante, em especial por terem apenas RE POR TA DO fatos verídicos, confirmados por provas e depoimentos carreados aos autos.

Petição à relatora do 1a. Turma do Tribunal Recursal

(*) Trata-se da Reclamação 28.299 apresentada pela Duble Editorial Ltda., que edita o site Consultor Jurídico.

AGRADECIMENTOS: Além dos agradecimentos já feitos na matéria, queremos aqui registrar o apoio fundamental que temos recebido de diversos advogados que abraçam nossa causa, gratuitamente, a começar por Rogério Bueno da Silva, de Curitiba. A ele juntam-se ainda, Luís Guilherme Vieira, Aline Amaral de Oliveira, Lucas Rocha e Ana Carolina Soares, que atuaram inicialmente em uma ação criminal no Rio. Hoje, nesta ação somos defendidos pelo professor Nilo Batista e os advogados Carlos Bruce Batista e Matheus Tessari Cardoso. No Rio Grande do Sul contamos com a inestimável colaboração de Antônio Carlos Porto Jr.. Em Belo Horizonte, onde uma nova ação foi ajuizada, estamos recebendo o apoio do escritório DECLATRA – Defesa da Classe Trabalhadora, nas pessoas dos advogados Cristiane Pereira, Humberto Marcial Fonseca e Juliana Magalhaes Loyola. Finalmente, em Brasília o Blog tem sido apoiado pelos advogados Claudio de Souza Neto, Beatriz Veríssimo de Sena, Ana Beatriz Vanzoff Robalinho Cavalcanti e Claudismar Zupiroli. Acrescento ainda Wilson Ramos Filho que tem contribuído muito na articulação destas defesas. A todos nosso agradecimento publico.

 

 

 

AOS LEITORES: Os processos que nos movem seriam legítimos se não apelassem para a censura que, como o Supremo decretou, é inconstitucional. Mas eles têm ainda um objetivo de sufocar o Blog, na medida em que nos obrigam a consumir tempo na preparação da nossa defesa e nos impelem gastos com viagens e deslocamentos, como agora aconteceu com nossa ida à Brasília em busca da publicação do acórdão, e a Curitiba, onde participamos da audiência com a juíza relatora do Recurso impetrado. Atualmente respondemos a cinco ações em quatro estados diferentes. Como é do conhecimento de todos, dependemos da ajuda dos leitores e seguidores. Essa ajuda é fundamental na divulgação de nossas publicações para que atinjam um maior número de leitores. Da mesma forma, sobrevivemos com colaborações financeiras – em qualquer valor e/ou periodicidade – que nos permite cobrir estas despesas de deslocamentos e custas judiciais. Gostando, repassem esta reportagem. Podendo, colabore com o Blog através da conta bancária exposta no quadro ao lado. Mais uma vez agradecemos as importantes contribuições que nos são dadas e àqueles que vierem a contribuir.

3 Comentários

  1. […] que nos foi imposta em 2016 pelo 8º Juizado Especial Cível de Curitiba. Tal como narramos em STF, ao rever censura ao Blog, criticou a DPF Érika. Pelo entendimento dos ministros do STF, não há hipótese de se determinar retirada de […]

  2. S.Bernardelli disse:

    Sabe quem age assim? OS MAFIOSOS, somente a máfia pode MATAR, CONDENAR, PRENDER, CENSURAR, DESRESPEITAR CORTES SUPREMAS, DEITAR E ROLAR, DAR CUSPIDELAS ANARQUIZAR e etc.; etc.; etc. é exatamente como os ministros do STF são tratados, por juízes de primeira instância. Mas a culpa É DO STF QUE DÃO COLHER DE CHÁ PARA SEREM TRATADOS COMO JUÍZES QUALQUER. MORO DEIXOU SEU LEGADO… Eles são tratados como espertos, mas são safados e os ministros da corte são tratados como submissos e covardes.

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