Utilizando menos de 80 palavras da sua lavra, o juiz convocado Adel Américo Dias de Oliveira, em substituição ao desembargador Sebastião Ogê Muniz, levou à 4ª Sessão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (cuja jurisdição é o sul do país) a proposta de arquivamento da representação criminal contra o juiz Sérgio Moro, por ele ter autorizado a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento, em 4 de março.
Na representação, os advogados Rejane Maria Davi Becker e Werner Cantalício João Becker e os presidentes de quatro sindicatos de trabalhadores de Porto Alegre, pediam a investigação do possível crime de abuso de autoridade por parte de Moro.
Dias de Oliveira não emitiu nenhuma opinião ou juízo sobre o caso, apenas incorporou e endossou o parecer feito pela procuradora Regional da República Ana Luísa Chiodelli von Mengden. Provavelmente este procedimento, que é respaldado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), portanto legal, permitiu o rápido julgamento do caso, arquivando-se o pedido sem que a decisão do juiz Moro seja investigado ou mesmo discutida. Não é pouco comum desembargadores utilizarem pareceres das parte em seus votos. O incomum é transformar uma das manifestações no voto, sem a ele nada acrescentar.
A proposta de arquivamento feita pela procuradora Ana Luísa e endossada pelo juiz convocado Dias de Oliveira, foi acatada por unanimidade no último dia 14 de abril. Da decisão participaram os desembargadores Victor Luiz dos Santos Laus, Claudia Cristina Cristofani, João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen. Pela Ata do julgamento nota-se que não houve voto contrário, mas não fica claro se ocorreram debates em torno da questão.
Werner Becker, advogado gaúcho que outrora defendeu presos políticos, informou ao blog não pretende recorrer da decisão, uma vez que entende que parte dos seus objetivos foi atingida:
“Não vou recorrer porque, ao que parece, o Sérgio Moro já se acalmou, não é? Ao menos ele se acalmou. Pelo menos ele se acalmou“, justificou repetidas vezes.
Sem que haja o recurso, o caso deixa de subir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, com isso, ainda não acontecerá a discussão em torno da prática adotada por Moro de condução coercitiva sem que tenha ocorrido não acatamento de uma intimação. Tal prática, que foi bastante criticada por juristas, inclusive pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, vem sendo adotada corriqueiramente nas 27 fases da Operação Lava Jato. Aproximadamente 120 pessoas já foram conduzidas coercitivamente para prestar depoimento.
O pedido de investigação contra Moro foi protocolado junto ao procurador Fábio Bento Alves, Chefe do Ministério Público Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, em 9 de março. Junto com os advogados Rejane Maria e Werner Becker, endossaram a petição os presidentes de quatro sindicatos de trabalhadores de Porto Alegre: Lírio Segalla Martin da Rosa (metalúrgicos); Gilnei Porto Azambuja (Telefônicos); Everton Gimenez (Bancários).
Werner Becker, segundo o portal de notícias Sul21, “é um nome histórico da resistência contra a ditadura, defendendo presos políticos nos tribunais militares e militando pela redemocratização do Brasil”. Mas não só por isso. Em 2003, defendeu Siegfried Ellwanger acusado de, através de livros, fazer apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica, conforme Habeas Corpus (HC 82424 / RS) que o advogado impetrou junto ao STF, cuja ordem foi negada.
Intimação extemporânea – O requerimento dos advogados e sindicalistas (veja íntegra abaixo), foi apresentado à Procuradoria Regional da República da 4ª região(PRR4) por ser contra autoridade (o juiz Moro) com direito a foro especial (2ª instância, o TRF-4). Já no dia 22 de março, a procuradora regional Ana Luísa Chiodelli von Mengden encaminhava ao Tribunal o seu parecer com o pedido de arquivamento do caso.
Nele, os advogados alegaram que Código de Processo Penal contempla a condução coercitiva, por decisão judicial, apenas em duas ocasiões: quando a testemunha, intimada regularmente, não comparece e no caso do acusado, quando ele deixa de atender a uma intimação.
Lembraram, porém, que a intimação judicial só acontece na fase processual. Por isto, bateram na tecla de que “a condução coercitiva, por decisão judicial, somente é cabível com a instauração do processo penal, após o recebimento da denúncia”. Em consequência, classificaram a intimação de Lula assinada por Moro como:
“extemporânea intervenção judicial em investigação que estava sendo realizada pela Polícia Federa. Assinale-se, também, que o despacho judicial prolatado pelo juiz Sérgio Moro (…) exime-se de amparar-se em qualquer dispositivo legal”.
Para os advogados , “o tempo em que (Lula) foi mantido preso pela ação policial, não desconfigurou o caráter de sua prisão temporária, sem qualquer dos requisitos formais ou materiais da Lei. 7.960/89, o que significa que o juiz cometeu os ilícitos previstos nos artigos 3º e 4º da Lei 4.898/95, além do que está tipificado no artigo 350 do Código Penal.
O artigo 350 do CP parágrafo único inciso 4º estipula como crime “efetuar, com abuso de poder, qualquer diligência”. Já a lei 4.898/95 diz nos dois artigos citados na petição:
.‘Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;’
‘Art. 4º. Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;’
Necessidade pirotécnica – Os advogados afirmaram ainda que o acórdão do Supremo, citado por Moro, refere-se “à condução coercitiva pela autoridade policial, sem intervenção judicial, em situação absolutamente diversa da situação em que foi consumada a condução coercitiva do ex-Presidente da República”.
Em outra estocada no juiz, os advogados alegaram que não se justificava ouvir o ex-presidente Lula no mesmo dia da busca e apreensão, a não ser “a necessidade pirotécnica de dar cunho de sensacionalismo (…) A ampla cobertura da mídia garantiu a pirotecnia pretendia pelo arbítrio”. (veja foto)
Contestaram a advertência de Moro em seu mandado para que a polícia evitasse a exposição do ex-presidente, na medida em que houve a divulgação com estardalhaço pela mídia eletrônica de que a “Polícia Federal está levando Lula a uma delegacia para prestar depoimento!”.
“Não se pode desconhecer o frisson de seus inimigos, ao verem o ex-Presidente exposto visualmente pela mídia eletrônica com a notícia de que agentes da Polícia Federal o estavam conduzindo, não se sabendo à qual delegacia. Frisson que levou seus inimigos ao ‘aplaudaço'”, disseram os advogados na inicial.
Também contestaram a tese de Moro de que a condução coercitiva evitaria tumultos como o ocorrido no Fórum Criminal de Barra Funda, em São Paulo, na data marcada para um depoimento de Lula, que acabou não ocorrendo.
“O que evitou a possibilidade de tumulto foi a atitude do ex-Presidente, que, embora indignado, aceitou o eufemístico “convite”. A sua recusa em atender o “convite” redundaria, conforme ficou expresso no mandado, em ato de força contra a sua pessoa, com as inevitáveis consequências sociais e políticas, claramente previsíveis”.
No seu parecer, a procuradora regional Ana Luísa alinhou-se com a corrente de juristas que entendem ter sido revogado o artigo 350 do Código Penal pela lei 4.898/65. Já os crimes previstos nesta lei mais recente, no entendimento dela
“Ambos os tipos penais consumam-se unicamente mediante a forma dolosa, exigindo, para sua configuração, que o autor pratique o ato com o propósito deliberado de abusar do poder, de exceder ou desviar a autoridade concedida”.
“Frente à existência de ordem judicial para que a autoridade policial cumpra a condução coercitiva do investigado, afasta-se a possibilidade de incidência do art. 4º porque não se trata de ordem de prisão temporária, nem de prisão preventiva. Frisa-se: não há ordem de segregação cautelar, não é disso que se trata, razão pela qual descabe pretender enquadrar a conduta ao referido artigo quarto“.
“A determinação de condução coercitiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Juiz Federal Sérgio Moro não constitui abuso de autoridade. O Juiz Federal representado é a autoridade competente para oficiar no procedimento investigatório questionado e ordenar medidas cautelares requeridas pelo Ministério Público Federal; não excedeu nem abusou do poder por meio da ordem proferida porque a decisão encontra suporte no poder geral de cautela conferido aos magistrados; a ordem encontra-se devidamente fundamentada em elementos concretos, os quais justificaram a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida, que não é inédita no curso da Operação Lavajato, já tendo sido deferida em desfavor de investigados e testemunhas em 117 oportunidades, até o momento, o que afasta qualquer indicativo de excesso motivado pela figura representativa do investigado“.
“A condução coercitiva autônoma – que não depende de prévia intimação da pessoa conduzida – pode ser decretada pelo juiz criminal competente, quando não cabível a prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP), ou quando desnecessária ou excessiva a prisão temporária, sempre que for indispensável reter por algumas horas o suspeito, a vítima ou uma testemunha, para obter elementos probatórios fundamentais para a elucidação da autoria e/ou da materialidade do fato tido como ilícito”, diz Aras.
Outra tese endossada pela procuradora e que foi contestada pelos advogados foi da necessidade de Lula ser ouvido concomitantemente à busca e apreensão realizada na sua casa. Ela adotou a justificativa de Moro de que isto foi feito para evitar pertubação à ordem pública, mas não explicou o motivo que impediu que o depoimento do ex-presidente, por exemplo, fosse tomado na sua própria residência como já ocorreu com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, conforme noticiamos em: Moro fez com Lula o que a ditadura não fez com JK.
No parecer lembrou que foi garantido à Lula o direito de ficar calado e disse também que foram observadas todas as formalidades legais necessárias para a determinação da medida. Para corroborar isto, transcreveu o relatório do delegado que esteve na casa de Lula. Por fim, referiu-se aos 117 casos de pessoas levadas coercitivamente (até aquela data) para depoimentos. Só não advertiu que estes fatos ainda não passaram pelo debate em tribunais. Ou seja, com exceção do TRF-4 que conheceu do caso, mas, aparentemente, não o discutiu.
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[…] Em uma tramitação rápida – 34 dias no total – a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (com jurisdição no sul do país) arquivou, por unanimidade, o pedido de investigação contra o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, pelos crimes de abuso de autoridade,por conta da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor no dia 4 de março. (leia: TRF-4 arquiva pedido de investigação contra Sérgio Moro. Blindagem?) […]
[…] Em uma tramitação rápida – 34 dias no total – a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (com jurisdição no sul do país) arquivou, por unanimidade, o pedido de investigação contra o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, pelos crimes de abuso de autoridade,por conta da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor no dia 4 de março. (leia: TRF-4 arquiva pedido de investigação contra Sérgio Moro. Blindagem?) […]
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