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Porque a presidente do CNJ não deve entrar no jogo corporativo dos juízes

Eugênio José Guilherme de Aragão*

O anúncio da nomeação de Eugênio Aragão preocupa delegados da Polícia Federal os quais, no passado, representaram contra o hoje subprocurador.A discussão foi em torno de vazamento de documentos de operações policiais. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.

Eugênio Aragão: “Quando autoridades se comportam como moleques, como moleques serão tratadas”. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.

A liturgia do cargo público não é mero exercício de vaidade e de ego. Ela é um marco do republicanismo, que determina ser o exercício de função pública uma atividade impessoal. Quem está investido nela não deve a enxergar como um galardão adquirido em razão de qualidades pessoais, mas precisamente porque foi chamado a servir ao público. A liturgia lhe serve de proteção, para qualificar a função e não a si.

Juízes, por exemplo, lidam diariamente com conflitos. Ao decidirem sobre uma causa, tornam um dos litigantes vencedor e outro perdedor. Aquilo que pode significar, para o magistrado, apenas um número em sua estatística de produção mensal, na alma do perdedor pode ser uma catástrofe pessoal. O que o leva a não ir às vias de fato com aquele que vê como seu malfeitor? É a aura da liturgia que inspira o respeito necessário a criar uma barreira de blindagem relativa.

Quando, porém, autoridades se comportam como moleques, como moleques serão tratadas. Se adotarem discurso e comportamento de botequim, não poderão se queixar quando começarem a voar garrafas e sopapos.

Temos assistido quase diariamente comportamentos fora do script litúrgico por parte de magistrados, a começar por alguns do andar de cima. Têm sido muito cúpidos em dar entrevistas, falar fora dos autos, opinar sobre tudo e todos. Têm adotado posturas controvertidas e, por vezes, até mesmo político-partidárias em discursos públicos, seja nos tribunais ou fora deles.

A desfaçatez de mudar ostensivamente de opinião, conforme o momento político e o alvo das ações jurisdicionais, chega a causar náusea àqueles que assistem a esse circo quase cotidiano. Esse tipo de atitude cai bem em conversa de bar, onde a inconsequência regada a álcool tudo permite, tudo perdoa, mas não no exercício de função pública.

Dos magistrados se espera autocontenção e não exibicionismo. Infelizmente há, entre nós, magistrado que se fez notório e não é um bom exemplo de autocontenção.

A despeito de gozar de exclusividade para cuidar só de um universo de processos supostamente conexos, decretada por seu tribunal, aparentemente em virtude de sobrecarga que esse universo representa, esse juiz tem viajado Brasil e mundo afora para dar palestras, receber prêmio de bom-mocismo e participar de talk-shows.

Tem tido tempo de sobra para difundir seu moralismo obsessivo sobre os fins da persecução penal de “corruptos”, a ponto de virar super-herói de uma parte desorientada da sociedade, cuja bronca turva sua visão sobre o crítico momento político vivido pelo País. Para fugir das garrafadas e dos sopapos, anda com séquito de seguranças e deles vive cercado no trabalho e em casa. Torna-se, assim, personagem controvertido, agente de disseminação de incertezas, ao invés de se limitar a oferecer segurança jurídica a seus jurisdicionados.

Isso não é vida de juiz. Mas, ainda que não faça sentido, no sadio senso comum, essa imagem distorcida que se oferece de um magistrado, tem sido exemplo para muitos outros de sua corporação, que também querem compartilhar desse espaço de afago público a egos jurisdicionais.

Para tanto, assinam até abaixo-assinado de defesa do colega premiado de bom-mocismo, quando se torna alvo de críticas mais ou menos acerbas. Alguns foram às manifestações “contra a corrupção” convocadas para derrubar governo, manifestam-se cheio de emoção em perfis de Facebook e, depois, deram provimento liminar para impedir posse de ministro de estado.

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Renan Calheiros: “tenho ódio e nojo a métodos fascistas” – Foto: reprodução

Num ambiente desses, a reação de veemente indignação pública do Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, contra o “jabaculê” determinado nas dependências daquela Casa Legislativa por juiz de primeiro grau de Brasília, não deve causar surpresa.

Expressou nada mais que seu protesto institucional contra aquilo que entendeu ser um abuso de magistrado incompetente para tanto, pois o alvo da diligência da polícia judiciária eram agentes da polícia legislativa que tinham procedido a varreduras eletromagnéticas em locais de trabalho e residência de Senadores que seriam alvos de investigação criminal.

Essas varreduras tinham sido determinadas pela administração do Senado a pedido dos próprios Senadores alvejados. Se as varreduras foram pedidas por estes e se entenda que elas constituem embaraço a justiça, em tese são os Senadores objeto da escuta ambiental que deveriam ser questionados sobre a iniciativa. Isso, evidentemente, atrairia a competência do foro por prerrogativa de função que é o Supremo Tribunal Federal.

Tanto mais é surpreendente, isto sim, que a Presidente do Conselho Nacional de Justiça vá à imprensa, não para admoestar magistrados que ultrapassam a linha do bom senso em suas atitudes e decisões, mas para se dirigir com dedo em riste ao Presidente do Senado Federal, com discurso não menos surpreendente de se ver como destinatária de cada crítica que se faça em tom mais ou menos contundente a magistrados que procedem de forma, no mínimo, controvertida.

Carmem Lúcia: " quando um juiz é destratado, eu também sou". Foto: CNJ

Carmem Lúcia: ” quando um juiz é destratado, eu também sou”. Foto: CNJ

O Conselho Nacional de Justiça é órgão de controle externo da magistratura e tem, também, uma atuação correcional em relação a estes. Não deve a dirigente do órgão se confundir com aqueles que deve disciplinar, pois assim fazendo, reforça os desvios de conduta e se porta feito porta-voz de uma corporação e não de uma instituição.

Não é mais novidade para ninguém que certos padrões de comportamento de elevado risco para o governo das instituições no País têm fundo corporativo. É mostrando os dentes que as mais poderosas categorias do serviço público se alavancam para negociar vantagens.

Não é à toa que suas associações de classe são recebidas nos gabinetes parlamentares e em órgãos de gestão financeira do executivo com tapete vermelho, água gelada e café, enquanto aos servidores comuns e mortais só resta a via da greve e das manifestações públicas.

Não é à toa que essas categorias musculosas estão no topo da cadeia alimentar do Estado brasileiro, recebendo ganhos desproporcionalmente superiores a outros servidores que exercem suas funções com igual ou maior denodo e risco pessoal que Suas Excelências. Trata-se de grave distorção no sistema de remuneração do setor público brasileiro, que em nada contribui para sua eficiência.

Ao invés de querer colocar limites aos reclamos do Presidente do Senado Federal, a Senhora Presidente do CNJ faria melhor em dar sua contribuição para a contenção de atitudes de risco dos magistrados e buscar diálogo entre poderes para impor ordem ao sistema remuneratório do serviço público federal.

O melhor caminho para isso seria a desvinculação de todos os ganhos de servidores daqueles de atores que estão em posição de puxar o trem e gastos com aumentos a seu favor: Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Deputados e Senadores.

Norma constitucional deveria vedar essa vinculação e dispor que o teto do serviço público (excluídos o dos atores políticos mencionados) fosse estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e o ganho de cada categoria devesse guardar proporção, com base nos vetores de risco e complexidade, com as demais, de sorte que não se admita que um general de exército ganhe brutos em torno de 14.000 reais mensais, um professor titular de universidade receba cerca de 12.000 reais, quando um jovem membro do ministério público seja remunerado com quase 30.000 reais no mesmo período.

Para articular essa revolução de ganhos, que seja capaz de neutralizar condutas de risco de categorias por prestígio, é fundamental o consenso entre os poderes da República, para constituir o SINAGEPE – Sistema Nacional de Gestão de Pessoal, integrando os três poderes e, aos poucos, as administrações estaduais e municipais através de matriz única de ganhos, quiçá regionalizando-a e submetendo-a a um fundo solidário de compensação de debilidades financeiras dos entes que compõem a Federação.

Só assim se coloca cada agente do Estado em seu quadrado. Zela-se pelo controle universal de gastos de pessoal e se moraliza a atuação dos diversos atores nos três poderes de modo a se estabelecer, no Brasil, pela primeira vez, um “Berufsbeamtentum”, um funcionalismo profissional como existe em outras economias mais fortes deste planeta.

* Eugênio José Guilherme de Aragão: Ex-Ministro da Justiça e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

11 Comentários

  1. Keppel disse:

    Eugênio Aragão!
    Mais brilhantes reflexões sobre as temáticas envolvendo política, justiça, papéis e funções sociais de servidores públicos, informação, coerência, golpes… Impossível!
    Por que o Aragão não foi Ministro da Justiça desde sempre? Esta pergunta não quer calar!
    Precisamos que vários espaços e cargos nesta República das bananas sejam ocupados por pessoas assim…
    Candidata, Aragão! Eu voto!

  2. João de Paiva disse:

    Parabéns ao jornalista Marcelo Auler por dar voz a Eugênio Aragão, o que muito honra os leitores deste blog. Aragão é correto, técnico, mas não faz uso de juridiquês e latinório inútil, muito menos faz bajulações ou se deixa contaminar pelo espírito de corpo. É digno de nota o espírito público e a visão de estadista que apresenta Eugênio Aragão. Num tempo em que as cúpulas dos poderes e instituições estão marcadas pelo golpismo, pelo entreguismo, pelo ódio, pelo fascismo, pela corrupção, pelo autoritarismo, pelo moralismo mendaz, Eugênio Aragão se mostra corajoso, perspicaz, indo contra a corrente, desconstruindo, demolindo o perverso corporativismo e analfabetismo político que caracterizam o MP, a PF e o Judiciário.

  3. Juraci Gomçalves disse:

    IMPARCIAL! É assim que a justiça precisa e deve ser. O Conselho tem que impor aos togados parciais castigos que lhes façam repensar suas açoes parciais. O CNJ não tem agido com a imparcialidade que lhe é esperada. Dr. Aragão, precisas agir já antes que tenhamos uma guerra civil….

  4. C.Poivre disse:

    Brilhante, como sempre, a manifestação do ínclito Procurador Eugênio Aragão. Se houvesse meia-dúzia de autoridades públicas de seu quilate o Brasil não teria chegado ao fundo do poço que chegou com o Golpe de Estado-2016. E a presidenta do stf, coitadinha, acha que preside um sindicato de sua categoria…

  5. Excelente,Ministro!A sociedade tem que acordar para o momento difícil que estamos passando e cobrar das autoridades uma postura de autoridade!Isenta,justa,equilibrada.O espírito de corpo não pode se sobrepor aos interesses da nação! Ministra Carmem Lucia,acredito na sua sapiência e honestidade e Lhe conclamo a rever sua posição para o bem do Brasil e de seu povo!

  6. Roberto De Campos disse:

    O poder judiciário é o mais corrupto e podre entre todos os poderes,desde venda de sentença,adoções de crianças pagas, habeas corpus comprados,salários exorbitantes e pouca ou nenhuma produtividade,visto o tempo que levam para julgar qualquer causa,mas,o caso do hacker do celular de Marcela Temer foi um processo relâmpago em seis meses o sujeito foi julgado e condenado,enquanto os processos se arrastam há décadas.

  7. Pereira disse:

    Em mais um duro momento Nacional, o Professor Eugênio Aragão demonstra CONSCIÊNCIA, inteligência e sabedoria!

    Vida longa Professor Aragão!

  8. Rui disse:

    O Brasil hoje não tem mais instituições, apenas facções que disputam os poderes com o crime organizado, infelizmente, o judiciário tem se mostrado a pior dessas facções.

  9. […] blog de Marcelo Auler, indispensável para quem ainda tenha um mínimo de equilíbrio mental e não trate investigação […]

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