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Marcelo Auler

Os imbecis e o Estatuto das Pessoas com DeficiênciaO texto da procuradora Regional da República e defensora de minorias, em especial das pessoas com deficiência, Eugênia Gonzaga, saiu publicado neste final de semana no JornalGGN, do Luís Nassif. Reproduzo-o aqui por ser um assunto da maior importância e por ela ser pessoa competente para abordá-lo. Vale conhecê-lo e repassá-lo.

O “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, aprovado em 2016, foi um significativo avanço. Quem acompanha, por motivos diversos, a situação de pessoas com deficiência sabe o quanto se caminhou a favor delas ao longo dos anos e como foi uma dura batalha. As conquistas alcançadas não podem ser perdidas ou renegadas. Tampouco podemos deixar que pré-conceitos de qualquer espécie continuem a vigorar. Principalmente, quando interesses escusos ou financeiros, nem sempre claros.

Como, por exemplo, a defesa do “já conhecido e aparentemente seguro sistema de interdição e incapacidade civil, dizendo, como sempre que se nega direitos às pessoas com deficiência, que é melhor para elas”, como Eugênica destaca e critica no artigo. Abaixo a íntegra do artigo e da nova lei.

 

Os imbecis e o Estatuto da Pessoa com Deficiência

Eugênia Gonzaga (*)

Lei em vigor a partir de janeiro de 2016, trouxe significativas modificações quanto ao regime jurídico das capacidades civis, ou seja, o direito que a maioria das pessoas adultas têm de celebrar contratos, casar, abrir conta em banco, comprar e vender imóveis, etc..

A nova norma causou um reboliço no mundo jurídico, pois reconheceu que as pessoas com deficiência. mesmo mental ou intelectual, têm direito a essa plena capacidade.

Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência

Isto vem sendo objeto de severas críticas, especialmente por parte dos civilistas e processualistas.

Tais juristas, principalmente os que se consideram autoridades no direito material e processual civil, mas entendem bulhufas de direitos de pessoas com deficiência, não querem saber se esse reconhecimento é uma luta de décadas – como já foi para as mulheres casadas, que até meados do Século XX eram consideradas relativamente incapazes civilmente; não querem saber dos novos instrumentos de apoio ao exercício da capacidade criados pelo mesmo Estatuto – já que reconhecimento da plena capacidade representa o reconhecimento de um direito moral de qualquer ser humano de ter suas escolhas respeitadas, e não simplesmente abandono de uma pessoa vulnerável à própria sorte.

Nada disso. Eles querem continuar defendendo o já conhecido e aparentemente seguro sistema de interdição e incapacidade civil, dizendo, como sempre que se nega direitos às pessoas com deficiência, que é melhor para elas. 

Tais juristas começaram a escrever sobre a novidade jurídica sem se importar em conhecer esse histórico e essa disciplina. Mas isso é o de menos. Alguns não se importam sequer em conhecer as terminologias mais aceitas atualmente e, assim, deixar de utilizar termos ultrapassados, pejorativos e ofensivos à dignidade da pessoa humana.

É o caso da doutrinadora Maria Helena Diniz, em seu artigo A NOVA TEORIA DAS INCAPACIDADES Revista Thesis Juris – RTJ, eISSN 2317-3580, São Paulo, V. 5, N.2, pp. 263-288, Mai.-Ago. 2016.

A festejada civilista aborda o tema ainda se valendo de expressões não apenas equivocadas, mas altamente ofensivas.

Ela afirma, por exemplo, que na expressão “deficiência mental ou anomalia psíquica” se incluem “havendo impossibilidade de transmissão de vontade, os alienados mentais, psicopatas, mentecaptos, maníacos, imbecis, dementes e loucos”.

A sequencia de termos absurdos é chocante, mas foi exatamente isso o que a professora escreveu. Ela ainda fala em “Estatuto do Deficiente”, “o portador”… revelando uma enorme negligência no estudo da disciplina relativa aos direitos das pessoas com deficiência e a suas conquistas paulatinas e lentas, que só começaram a se concretizar nas últimas décadas.

Sim. Apesar de tudo, essas conquistas estão se realizando: direito ao trabalho, à liberdade sexual e reprodutiva, à escola inclusiva e agora à capacidade civil. Venho considerando que esta última é a grande bandeira do Século XXI, pois ainda é muito incompreendida e a legislação contém, de fato, falhas.

Espero apenas que, até que a plena capacidade civil seja corretamente disciplinada pela legislação brasileira e finalmente implementada pelos órgãos judiciários, a comunidade jurídica comece a se informar e entender melhor as razões desse reconhecimento, que não é oriundo da legislação brasileira, mas da Organização das Nações Unidas – ONU. Mas antes disso, espero que nunca mais alguém seja chamado, em virtude de deficiência, de louco, imbecil, mentecapto…

* Eugênia Gonzaga é Procuradora Regional da República e militante das causas das minorias

1 Comentário

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