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O Impedimento que Fux esqueceu de reconhecer

Marcelo Auler

Luiz Fux, extenso currículo que não justifica uma longa demora na análise de um caso relativamente simples. Foto ASCOM/STF

Luiz Fux, extenso currículo que não justifica uma longa demora na análise de um caso relativamente simples. Foto ASCOM/STF

Há quatro anos, sete meses e 19 dias ou, com exatidão, 1.692 dias, o ministro Luiz Fux, 63 anos, cuja carreira de magistrado foi esculpida no Rio de Janeiro, como advogado (1976/1678), membro do Ministério Público Estadual (1979/1982) e juiz do Tribunal de Justiça,  onde ingressou por concurso, em 1982, chegou a desembargador em 1997, galgando em seguida a promoção para ministro do Superior Tribunal de Justiça em 2001 e, finalmente, dez anos depois, chegando ao Supremo Tribunal Federal, está como a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.393 para analisar. Seu pedido de vista foi feito em 17 de maio de 2012.

A demora, pelo currículo que apresenta, que ainda inclui uma extensa carreira de professor de Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) onde doutorou-se em Direito Processual Civil (2009), certamente não é por dificuldade em analisar o caso. Afinal, até os que discordam de seus pontos de vista e de suas decisões, reconhecem o seu extenso saber jurídico.

Ele pode, quem sabe, alegar excesso de trabalho, acúmulo de processos no gabinete, prioridades em outros casos mais midiáticos, que geram pressão popular. Isto, apesar de o Regimento Interno do STF estipular como regra o prazo de duas sessões para que um pedido de vista seja exercido. Regra, registre-se, que jamais é cumprida, mas também não é cobrada, pois os ministro têm certa autonomia e a praxe inibe os colegas, mesmo os que estão na presidência da Corte, de exerce-la à risca. Fosse com um advogado ou mesmo um membro do Ministério Publico e logo a demora seria classificada de procrastinação processual.

A nomeação de Mariana Fux como desembargadora do Tribunalde Justiça provoca impedimento do seu pai, Luiz Fux em continuar votando na ADI 4393, mas ele não se manifestou  desde abril e o processo está parado.

A nomeação de Mariana Fux como desembargadora do Tribunal de Justiça provoca impedimento do seu pai, Luiz Fux em continuar votando na ADI 4393, mas ele não se manifestou desde março e o processo está parado.

Há, porém, um grave deslize de Fux, justo ele que coordenou a redação do novo Código de Processo Civil, transformado na Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Desde o último dia 8 de março, obrigatoriamente deveria se dar por impedido de atuar neste caso. A ADI 4.393, proposta em março de 2010 pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, questiona a constitucionalidade da  Lei nº 5.535, de 10 de setembro de 2009, do Estado do Rio de Janeiro, proposta à Assembleia Legislativa do Rio pelo Tribunal de Justiça do Estado, quando ele era presidido pelo desembargador Luiz Zveiter. A lei estipula uma série de benefícios aos magistrados do Rio – auxílio creche, auxílio educação,  que, teoricamente, só poderiam ser criados por legislação federal. Benefícios aos quais agora a filha de Fux também passa a ter direito.

Pedido do Procurador-geral para que a Lei seja considerada inconstitucional.

Pedido do Procurador-geral para que a Lei seja considerada inconstitucional.

A nomeação de Mariana Fux, aos 35 anos, gerou bastante polêmica por ela não ter comprovado dez anos do exercício da advocacia. A OAB foi contra, mas mesmo assim ela foi a mais votada no Tr9ibunal de Justiça, encabeçando a lista encaminhada ao governador Luiz Fernando Pezão que não demorou a nomeá-la.

Fux também é relator da Ação Cível Originária 2865, impetrada em 26 de abril passado pelo Governo do Rio de Janeiro contra a União Federal e a Agência Nacional de Petróleo (ANP) na qual se discute o aumento da base do cálculo dos royalties do Petróleo, o que beneficiará os cofres estaduais. Neste processo o ministro busca um acordo, depois de a presidente Dilma Rousseff ter vetado tal aumento.

Enquanto perdura o pedido de vistas na ADI 4.393-RJ, os benefícios continuam sendo pagos aos magistrados fluminenses Se alguns deles forem considerados inconstitucionais, como o voto do ministro Aires de Brito indicou, terão que ser suspensos. Mas, dificilmente o dinheiro pago voltará aos cofres estaduais, apesar de toda a crise que tem gerado o não pagamento a aposentados.

Cabe lembrar uma recente reportagem de O Globo, em que os repórteres Elenilce Bottari, Rafael Galdo e Selma Schmidt, em novembro passado, alertaram para os gastos do Tribunal de Justiça do Rio:Apesar da crise, estado vai gastar R$ 2,1 bi em benefícios (Dinheiro será usado em auxílios para moradia, combustível, educação e transporte de servidores públicos). Sem falar no auxílio-moradia, que é discutível mas ainda não foi tornado ilegal, há outros benefícios que estão sendo questionados. Na reportagem, são citados alguns deles:

A Advocacia Geral da União a principio foi contra a ação de inconstitucionalidade, mas no mérito reconheceu diversos benefícios como inconstitucionais.

A Advocacia Geral da União a principio foi contra a ação de inconstitucionalidade, mas no mérito reconheceu diversos benefícios como inconstitucionais.

“(…) os magistrados receberam ainda R$ 15,5 milhões para alimentação; R$ 2,5 milhões de auxílio pré-escolar (para aqueles que têm dependentes até 7 anos), R$ 4,49 milhões de auxílio-educação e R$ 7,47 milhões de indenização com transporte (magistrados de primeiro grau).Para o ano que vem, o tribunal prevê um gasto total de R$ 50 milhões com moradia para os magistrados. Para todos os funcionários, o TJ ainda destinará R$ 22 milhões à alimentação, R$ 3,5 milhões ao auxílio pré-escolar, R$ 10,5 milhões ao transporte e R$ 7,3 milhões à educação.Os valores provocam críticas entre servidores do Executivo”

Oficialmente, no site do STF não aparece o voto dado pelo ministro Aires de Brito, em 2012, quando ele ocupava a presidência da corte e era o relator do processo. Há apenas um resumo da posição dele:

“Decisão: Após o voto do Presidente, Ministro Ayres Britto (Relator), afastando as preliminares e julgando parcialmente procedente a ação direta, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Luiz Fux”.

Desde então o processo parou. Mas os benefícios continuam sendo pagos. Embora se desconheça o voto de Aires de Brito, uma referência pode ser o posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU). O parecer, assinado pelo então Advogado-geral da União, Luiz Inácio Lucena Adams, e os advogados Altair Roberto de Lima  e Christina Foltran S. Muziol, preliminarmente defenderam o não conhecimento da ADI. Mas isto foi afastado pelo ministro relator.

Ao analisarem o mérito do texto da lei estadual, encontraram diversos artigos cuja inconstitucionalidade deve ser declarada. Entre outros motivos porque “a Lei Orgânica da Magistratura Nacional Lei Complementar 35/79), no art. 65 parágrafo 2º é enfática ao vedar ‘a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não prevista na presente lei, bem como em bases e limites superiores ao nela fixado’”.

No parecer eles alegam a inconstitucionalidade de benefícios como “auxílio saúde, auxílio pré-escola e auxílio alimentação, diversas gratificações, diferenças de entrância e valores pagos em atraso, além do pagamento de licença-prêmio”. Pela reportagem de O Globo, em apenas três destes benefícios – auxilío saúde, auxílio pré-escola e auxílio alimentação, nos dez primeiros meses de 2016 o Tribunal de Justiça gastou R$ 22,49 milhões. Enquanto isso, aposentados e servidores passaram o final de ano com os salários atrasados.

dos-motivos-de-impedimentoNo novo Código de Processo Civil, de cuja elaboração Fux participou ativamente pela bagagem que tem na área, está previsto o impedimento dos juízes em processos nos quais:

 

IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive.

 

 

11 Comentários

  1. CLAUDIO CESAR DOS ANJOS OLIVEIRA disse:

    De fato, nosso judiciário está indo acelerado para o poço. Um declínio vertiginoso. Um professor dizia que não chama o Poder Judiciário de Justiça, porque somente as vezes eles acertam. Então, chamar de Justiça é muito para eles. Ainda conforme o dileto professor, só decidem o mérito, mas esqueceram, há tempos, o que é fazer justiça. Quantos erros judiciais assombram o país?? Quantos magistrados sem compromisso com a verdade, mas com muito compromisso com uma das partes?? Vejo que a OAB deveria ser mais contundente em alguns casos. Não deveria se melindrar diante da corte.

  2. Roberto de campos disse:

    O poder judiciário é o mais sujo e corrupto do Brasil,sendo o STF a maior podridão que existe.

  3. João de Paiva disse:

    Isso é que se chama de verdadeiro trabalho de reportagem. O tom opinativo, sempre presente no verdadeiro jornalismo (que não se confunde com publicação de releases ou notas de assessoria de imprensa) não descamba para a militância político-partidária ou simpatias/antipatias que se tenha pelos que são objeto da reportagem. As fanfarronices, histrionismos e incoerências de Luiz Fux são mostrados de forma respeitosa, sem adjetivar, desrespeitar ou ofender este que foi nomeado ministro do STF pela Presidenta Dilma Rousseff, num dos mais graves erros cometidos por ela na escolha dos que deveriam ocupar uma cadeira no tribunal constitucional.

    Tão logo nomeado para o STF, Luiz Fux cometeu aquela patacoada do “mato no peito”. Antes disso ele fez lobby descarado junto a políticos e líderes influentes, como foi o caso de José Dirceu. Aliás, não só Fux, mas também JB, mendigaram apoio de José Dirceu, para serem nomeados ministros do STF. Tão logo foram nomeados, cravaram a faca nas costas de José Dirceu e José Genoíno, ambos condenados SEM PROVAS, naquele farsesco e midiático julgamento da AP-470. Como mostrado nesta e noutras reportagens de Marcelo Auler, Luiz Fux fez lobby e pressões políticas em favor de seu aliado, Luiz Zveiter, que presidiu o TJ-RJ e depois, no ano passado, lançou candidatura ao mesmo cargo, mesmo sendo tal recondução inconstitucional. O “arranjadinho”, para que Luiz Zveiter fosse reconduzido à presidência do TJ-RJ, teve as 20 digitais de Luiz Fux. Vale dizer que tendo sido corregedor da Justiça do RJ, Luiz Zveiter estava legalmente impedido de concorrer a um segundo mandato, para presidir o TJ-RJ. Luiz Fux ‘mexeu nos pauzinhos’, pressionou e manobrou em favor de Luiz Zveiter, que há cerca de dois meses foi reeleito pelos pares, para um segundo mandato à frente do TJ-RJ. Foi preciso o STF colocasse em pauta o tema e o plenário decidisse pela inconstitucionalidade da recondução de Zveiter, para que a manobra de Fux não se efetivasse.

    O lobby e as manobras de Luiz Fux em favor da nomeação da filha, Mariana, para desembargadora do TJ-RJ, mesmo sem ela preencher os requisitos mínimos para investidura no cargo, mostra que ele não tem escrúpulos. Se é para beneficiar familiares ou aliados, Fux é capaz de torcer e retorcer a lei, pressionar juízes, fazer promessas, criar facilidades ou impor dificuldades. Luiz Fux não é boquirroto como Gilmar Mendes nem veste a camisa de um partido político, como o mato-grossense, mas é tão político quanto GM. Assim como GM, Luiz Fux se faz de desentendido e finge não perceber que eticamente deveria se declarar impedido de decidir questões em que ele, um parente ou aliado próximo é parte interessada. Os casos dos privilégios de casta para magistrados do TJ-RJ, da interferência para nomeação da filha Mariana como desembargadora, as manobras em favor de Luiz Zveiter – que exigiriam de Fux o reconhecimento do impedimento – são similares aos estrelados por GM em favor de Daniel Dantas, Pedro Parente, Pedro Malan, José Serra e Aécio Cunha.

  4. Maria Meneses disse:

    São notícias como essa que nos deixam cada dia mais estarrecidos e enojados com a “nossa” justicinha mambembe e por que não dizer à margem da lei, que atropela a dignidade e nos fere diretamente em nossa vontade e desejo de um país melhor.Sentimo- nos desprotegidos e pior, ameaçados por uma instituição que se achano Olimpo e age fora da lei.Como dizem os religiosos: oremosos.Eu digo denunciemos e divulguemos

  5. Clovis Deitos disse:

    É que tenho dito há anos, os membros do stf do Brasil envergonham o país. Justamente eles que deveriam zelar pela Lei e pela constitucionalidade. Pensam eles que todos os brasileiros são trouxas e cometem todo tipo de abuso.

  6. NUNO PORTO DE SANTOS disse:

    Esse(s) Sveiter(s) são como um tal de beto mansur, de Santos, sp. Não tem trambique em que ele não esteja metido…

  7. paul moura disse:

    Magnífico.
    Venho dizendo que esse período tão ébrio da vida nacional está servindo para que os ébrios se enrolem e deixem cair as máscaras. Não que essas máscaras não fossem conhecidas por um parte mais intelectualizada da sociedade. Disse intelectualizada, não elitizada. Daí que se vai permeando os chorumes desse lixo todo e torçamos para que ele chegue as mais baixas camadas da população.
    A intoxicação nem sempre mata e nesse caso, louvemos, que se elemento catalisador da consciência.

  8. […] Auler revela em seu blog que Fux, há exatos 1.692 dias, desde 17 de maio de 2012 a Ação Direta de Inconstitucionalidade […]

  9. Armando Coelho disse:

    Sr. Jornalista. O Direito no Brasil entrou na era das trevas. A liminar pra impedir Lula de ser ministro foi dada antes da peticao entrar no sistema da JF.
    Sérgio Moro vem dando sentença em ate dois minutos.
    Portanto, só posso concluir que 2017 é o limiar do calendário sergiomoriano. Desse modo, a lógica jurídica ou a falta desta são transcendentais.
    Como um fenômeno quântico mal estudado, não obedece a lógica temporal.

    • Luiz Carlos P. Oliveira disse:

      Armando Coelho: a comparação com a física quântica é ótima. Podemos dizer que o Moro ora se comporta como onda, ora se comporta como partícula, dependendo do “observador”. Nem preciso dizer quem é o “observador” da preferência dele.

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