De costas para o povo
11 de agosto de 2017
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15 de agosto de 2017

Marcelo Auler

Lula e o diretor da Faculdade Nacional de Direito, Flávio Martins. Foto: Marcelo Auler

Lula e o diretor da Faculdade Nacional de Direito, Flávio Martins. Foto: Marcelo Auler

Foram necessários 14 anos no governo, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, vários processos e uma condenação a nove anos e meio – apesar de inexistir prova do crime – para, finalmente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconhecer que ele e sua sucessora erraram ao não regulamentarem os meios de comunicação. Pelo menos, rádios e TVs, como previsto na Constituição para todas as concessões.

Muitos continuarão dizendo que regulamentar os meios de comunicação é uma de censura. Esquecem que artigos da Constituição que falam do setor não foram regulamentados pelo Congresso. São os que, por exemplo, proíbem monopólios e oligopólios, estabelecem que a programação deva atender a critérios regionais e determinam regras para publicidade. Sem falar no que impede políticos de terem concessões governamentais, jamais respeitado.

Falam que o PT e a esquerda querem censurá-los, mas não admitem que, sem maior concorrência, a chamada grande imprensa, manipula a informação da forma que quiser. Isto, ainda hoje, mesmo com o advento das redes sociais. Basta olhar o comportamento dos jornais do sábado (12 de agosto), para se verificar que, na verdade, a “censura” é feita na hora de os editores definirem a prioridade do que será levado e a forma como será levada a notícia ao público. Publicam o lado que interessa e escondem o que não satisfaz.

Quando Lula fez a promessa, na sexta-feira à noite, centenas de pessoas o assistiam em dois salões da tradicional Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ali além de Lula, estavam Dilma Rousseff, o ex-chanceler Celso Amorim e dezenas de advogados, professores e mestres de Direito. Todos recepcionados pelo diretor da Faculdade, Flávio Martins, autor de um discurso altamente crítico ao governo. Foi o lançamento do livro Comentários a uma Sentença Anunciada: O Processo Lula. Um livro editado em menos de um mês – entre 12 de julho, quando foi divulga a sentença do juiz Sérgio Moro, e 11 de agosto – composto por nada menos do que 103 artigos, de 123 advogados, professores, mestres e doutores em Direito analisando, criticamente, a condenação imposta ao ex-presidente. Algo jamais visto.

Na mesma sexta-feira, em Curitiba, Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia e a Frente Brasil de Juristas pela Democracia promoveram o Júri Popular da Lava Jato. Um evento que mobilizou figuras do meio jurídico nacional, como o ex-presidente da OAB, Marcello Lavenère Machado, responsável pelo pedido de impeachment do presidente Fernando Collor. Lá estava também a diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre outros. O ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, subprocurador geral da República aposentado, funcionou como acusador enquanto Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, de Brasília, fez a defesa da Operação.

Um público de 400 pessoas disputou as vagas no salão do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Construção Civil – Sintracon. Um evento que, até sábado, atraiu 300 mil  visualizações do vídeo postado no Youtube e teve ainda repercussão internacional (aqui).

O ato na Faculdade Nacional de Direito na sexta-feira só foi notícia no jornal O Globo no domingo, no meio de outra reportagem. Sobre o livro, nenhum comentário.

O ato na Faculdade Nacional de Direito na sexta-feira só foi notícia no jornal O Globo no domingo, no meio de outra reportagem. Sobre o livro, nenhum comentário.

Na imprensa, porém, o tratamento foi outro. O Júri Popular foi noticiado apenas pela Folha de São Paulo: Em júri simulado da Lava Jato, defesa pede ‘delação premiada’ e acusação fala em violação de direitos. Já o evento na Faculdade de Direito surgiu nas páginas dos jornais de São Paulo como mero ato político no qual Lula criticou o juiz Moro e a sua condenação e prometeu concorrer à presidência, eleger-se e fazer a regulação dos meios de comunicação. Algo que está na Constituição de 1988, mas nunca foi levado à frente.

Nas Organizações Globo, que se consolidaram nos governos da ditadura civil-militar, criando um verdadeiro oligopólio com emissoras de TVs por todo o país, rádios e os impressos, nada foi falado até domingo.

Ao fazê-lo, na edição dominical, O Globo limitou-se a um pequeno registro da passagem de Lula na Faculdade Nacional de Direito – que fica a duas quadras da sede do jornal -, no meio de uma reportagem sobre a ida do ex-presidente Lula ao Congresso da CUT, na quadra do Império Serrano, em Madureira, subúrbio do Rio, na manhã/tarde de sábado.

É como se o livro com as críticas à sentença não existisse. Afinal, a parcialidade dos meios de comunicação brasileiros não permite que critiquem uma decisão judicial que os próprios órgãos de imprensa lutaram desesperadamente para que fosse adotada. A opinião de mais de uma centena de operadores do Direito é totalmente desprezada. Nem mesmo para criticar falam nela.

Os grandes órgãos de imprensa alegam que regulamentação é uma forma de censurar conteúdo. Não é isso, até porque, teoricamente, jornais, revistas e sites não serão alvo da mesma.

Quem os desmente não são apenas os “esquerdistas”. Em dezembro de 2014, a BBC do Brasil, em seu site, publicou reportagem de ‘Regulamentar mídia pode ser bom para liberdade de expressão’, diz enviado da ONU.

Nela, o advogado especializado em direitos humanos David Kaye, que veio ao Brasil., como representante da ONU para debater liberdade de expressão, foi na contramão de quem relaciona regulamentação e censura:

Uma regulamentação da mídia que garanta uma “multiplicidade de vozes” no espaço público pode ser positiva para o Brasil – como o é para qualquer democracia”.

Portanto, os alvos principais no Brasil são emissoras de TV e Rádio que funcionam como concessões e, como tais, devem/deveriam estar sujeitas à regulamentações e regras.

Uma delas é a previsão constitucional de que políticos – deputados e senadores – não podem possuir concessões do serviço público, logo não podem possuir estações de rádios e TVs.

“No Brasil, 271 políticos são sócios ou diretores de emissoras de televisão e rádio – os meios com maior abrangência entre a população”, afirmas o site Observatório do Direito à Comunicação, desde 21 de março passado. Lá ainda consta: “Apesar de estar em desacordo com a Constituição Federal, o número de políticos empresários da mídia só vem crescendo. São (ou foram) candidatos privilegiados, porque podem tirar vantagem dessa condição em campanha. O resultado fere a democracia.”

O que fez Lula se convencer de que é necessária a regulamentação foi, na verdade, a campanha da chamada mídia tradicional, inicialmente contra o governo Dilma e depois a favor da sua condenação, mesmo sem existirem provas, apenas convicções.

No discurso na FND, ele voltou a citar a quantidade de vezes em que foi alvo da sanha destes órgãos de comunicação na campanha que, segundo garante, com o apoio de quase todos os partidos de esquerda, visa, exclusivamente, tentar impedi-lo de participar dos próximos pleitos – em especial em 2018. Afinal, sem candidatura palatável a seus seguidores, a direita tem mais é que torcer para que a concorrência não apareça.

Para ele, o julgamento do juiz Moro foi movido pela pressão da imprensa. Como tem lembrado em diversas ocasiões, a última dia 24 de julho em entrevista à rádio Tiradentes, de Manaus (AN), o ex-presidente repetiu na sexta-feira: “O Moro estava comprometido com a Globo e com o Jornal Nacional, por isso, tinha de me condenar”.

Como noticiou Estelita Hass Carazzai, na Folha de domingo, o júri simulado acabou condenando a Lava Jato, em sentença lida por volta das 22h.”Mas o juiz substituiu a prisão por uma “pena restritiva de direitos: um processo terapêutico, para verificar onde errou e quais as razões que a levaram a agir dessa maneira”. Lemos ainda determinou que a operação vá, uma vez por mês, a um assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), “para que aprenda a conhecer o povo brasileiro”.

No livro, coordenado por Carol Proner, Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles, os artigos são críticos não apenas à sentença mas, em especial, ao atropelo do devido processo legal e ao arbítrio por parte de quem deveria guardar a Lei e a Carta Magna, como noticiamos em Caso Lula: defesa dos direitos fundamentais.

Quem estiver interessado no livro pode adquiri-lo pelo site: http://www.canal6livraria.com.br/pd-4ba827-comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-o-processo-lula.html?ct&p=1&s=1livraria.com.br/pd-4ba827-comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-o-processo-lula.html?ct&p=1&s=1

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