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Lerdeza e omissões contra o auxílio-moradia

Marcelo Auler

19/06/2015 – PORTO ALEGRE, RS, BRASIL – Servidores do Poder Judiciário do RS decidem por unanimidade a Greve da categoria a partir da próxima quinta-feira. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em que pese a Advocacia Geral da União (AGU) no Rio de Janeiro ter requerido a remessa ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) da decisão que concedeu ao juiz Marcelo Bretas e à sua mulher, a também juíza Simone de Fátima Diniz Bretas, o direito de receberem duplo auxílio-moradia, a medida pode acabar sendo infrutífera.

No mesmo TRF-2, desde 18 de maio de 2016, encontra-se parada, em alguma prateleira da Secretaria da 8ª Turma Especializada, a Apelação nº 0013687-84.2014.4.02.5101. Nela, a AGU tenta reverter o benefício concedido ao juiz Alexandre da Silva Arruda, também casado com juíza que já percebia o auxílio-moradia.

O processo que o beneficiou – 0013687-84.2014.4.02.5101, da 27ª Vara Federal – foi ajuizado em 22 de outubro de 2014. A Apelação no TRF-2 foi distribuída ao desembargador federal Guilherme Diefenthaeler que até hoje não se manifestou nos autos. Houve apenas um parecer da Procuradoria Geral da República, cujo teor não aparece nas peças do processo. Enquanto a Apelação dorme na prateleira, o auxílio-moradia continua sendo pago. Legalmente, reprise-se. Mas a Apelação perdeu seu objeto na medida em que houve sentença nos autos.

A Apelação não foi a primeira iniciativa infrutífera da AGU junto ao TRF-2 contra a concessão de duplo auxílio-moradia a casais de servidores públicos, na sua maioria, magistrados federais. Em dezembro de 2014 ela impetrou um Embargo de Declarações contra a decisão do juiz substituto no exercício da titularidade da 3ª Vara Federal, Eduardo Sousa Dantas. Ele, um mês antes, concedeu antecipação de tutela no processo 0168058-06.2014.4.02.5101, cujos autores são os desembargadores federais Luiz Paulo da Silva Araújo Filho e Claudia Maria Pereira Bastos Neiva, além dos juízes Theóphilo Antônio Miguel Filho, Paulo André Rodrigues de Lima Espírito Santo e José Arthur Diniz Borges.

Ao Embargar a decisão judicial que concedeu liminarmente o duplo auxílio-moradia a AGU “esqueceu” de juntar a decisão.

Recurso mal feito – O Embargo de Declaração não chegou a ser apreciado. A desembargadora relatora, Vera Lúcia Lima, da mesma 8ª Turma, negou-lhe seguimento por conta de uma falha primária do autor do recurso. O procurador da AGU encarregado do caso.

Segundo Vera Lúcia, ele “não cuidou de instruir o presente recurso com cópia da decisão agravada, tão pouco com a cópia da certidão de intimação do decisum proferido pelo Magistrado de primeiro grau, não se desincumbindo do encargo de provar quando tomou ciência da mencionada decisão, para efeitos de aferição a respeito da tempestividade do presente agravo”. Esquecimento? Erro casual ou proposital?

Pelo levantamento superficial que o Blog fez – que está longe de ser completo – a antecipação de tutela garantindo o pagamento do auxíli0-moradia ao juiz Arruda, concedida pelo juiz auxiliar da 28ª Vara Federal, Rodrigo Gaspar de Mello, em 31 de outubro de 2014, pode ter sido a primeira decisão no fórum federal do Rio de Janeiro que beneficiou casais de juízes e/ou servidores públicos com duplo auxílio-moradia.

Os pedidos surgiram depois que o ministro Luiz Fux, em setembro de 2014, liberou geral o auxílio-moradia aos juízes federais – os estaduais entraram na rabeira da autorização. Os casados com servidores que também recebem auxílio-moradia – que entre juízes e procuradores são tratados, ironicamente, como os que “juntaram contracheques/holerites” – , esbarraram na decisão do Conselho Nacional de Justiça  (CNJ). Ela tentou impedir o duplo auxílio-moradia – Resolução Nº 199 de 07/10/2014. Mas, os recursos ao Judiciário, pouco a pouco, derrubaram o impedimento.

Na pesquisa superficial feita através do site da Justiça Federal do Rio de Janeiro o Blog encontrou três processos – 0013687-84.2014.4.02.5101, na 27ª Vara; 0166655-02.2014.4.02.5101, na 18 ª Vara; 0168058-06.2014.4.02.5101, na 3ª Vara -, com pedidos semelhantes, além do impetrado por Bretas (0168069-35.2014.4.02.5101, na 24ª Vara).

Em todos o “duplo auxílio-moradia” foi concedido, beneficiando um total de 15 magistrados: os desembargadores federal do TRF-2 Abel Fernandes Gomes, Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva, Luiz Paulo da Silva Araújo Filho e Paulo César Morais Espírito Santo; e os juízes Alexandre da Silva Arruda, Alfredo Jara Moura, Anelisa Pozzer Libonati de Abreu, Erik Navarro Wolkart, Flavio Oliveira Lucas, Jane Reis Gonçalves Pereira, José Arthur Diniz Borges, Marcelo da Costa Bretas, Maria Luiza Jansen Sá Freire Solter, Paulo André Rodrigues de Lima Espírito Santo e Theóphilo Antônio Miguel Filho.

Nota oficial do desembargador Abel Gomes

De uma maneira em geral eles entendem que o auxílio-moradia é um benefício que cabe individualmente ao magistrado, não podendo ser considerado por família, mas sim a cada um dos cônjuges. Alegam também que o CNJ não teria poderes para regulamentá-lo como tentou fazer. Por fim, justificam, não sem razão, que como cidadãos recorreram ao Judiciário em busca de um direito garantido em lei, tal como explicou em uma nota oficial o desembargador Gomes (veja ao lado).

Silêncio da AGU – Possivelmente haverá outros magistrados que o Blog não identificou. Por isso, alertamos que tal levantamento não é conclusivo. Há casos ainda em que magistrados casados, que à época do processo trabalhavam em uma mesma cidade, hoje estão lotados em cidades diferentes e distantes.

Na tarde de quinta-feira (01/02) o Blog tentou uma conversa com o chefe da Advocacia Geral da União no Rio, Carlos Eduardo Ocidente Guedes, em busca de dados mais efetivos. Esbarrou, pela primeira vez em muitos anos lidando com a Justiça Federal, na falta de vontade da AGU. No Rio, alegaram que Guedes, embora chefe da Procuradoria Regional da União, não pode se manifestar. Deveríamos encaminhar o pedido à assessoria de imprensa.

As perguntas encaminhadas à assessoria de imprensa da AGU em Brasília, assim como um pedido para entrevistar Guedes, não mereceram resposta até o final da tarde de sexta-feira (02/02). As questões levadas à assessoria e que ficaram no vácuo, foram:

  • Já existe um levantamento do número de processos em todo o pais e, em especial no Rio de Janeiro, em que foram concedidas decisões liminares – ou mesmo sentenças – beneficiando magistrados que pelos critérios da Portaria do CNJ estariam impedidos de receber auxílio-moradia, mas acabaram percebendo por decisão da Justiça Federal?
  • Como noticiamos quarta-feira (31/01) – A “interpretação amiga” a favor de Bretas -, no caso do juiz Marcelo Bretas não foi respeitada a dupla jurisdição exigida pelo Código de Processo Civil (CPC). Mas há outros casos no Rio em que ela também não foi cumprida. A AGU sabe em quantos casos a dupla jurisdição não foi respeitada?
  • No processo em que o juiz Marcelo Bretas foi beneficiado funcionou, em nome da AGU, um procurador da União em primeira instância. Caberia ao próprio recorrer ao TRF-2 ou isto seria função da Procuradoria Regional da União (PRU)? De quem foi a omissão? Isso será apurado?
  • O benefício do duplo auxilio a casais de servidores – sejam eles magistrados, procuradores, promotores, etc – foi garantido também por decisão do ministro Arnaldo Esteves Lima, no STJ (Recurso Especial nº 926.011/DF). A AGU recorreu de tal decisão?

Invocando a proteção à família – O Recurso Especial nº 926.011/DF foi impetrado junto ao STJ muito antes da discussão que se trava hoje em torno do auxílio-moradia. Partiu da então Procuradora Regional da República, Ana Borges Coelho Santos, em 2007. Dez anos após ela ser transferida para Brasília, em 1997, junto com o marido, Carlos Frederico Santos. Ambos, hoje, são subprocuradores geral da República.

Diante da recusa da instituição em lhe dar o auxílio-moradia com a justificativa de que ele já era pago ao marido, Ana Borges recorreu à Justiça. Ganhou em primeira instância, perdeu no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e foi bater à porta do STJ, onde o direito ao benefício lhe foi garantido nos termos da sentença proferida em primeira instância.

 “20% do somatório do vencimento básico e representação percebidos, pelo prazo de 2 anos”.

Ou seja, um auxílio-moradia limitado a um prazo, teoricamente, de adaptação à nova cidade/residência.

Ao concedê-lo, o ministro Esteves Lima, além do argumento de que se trata de um benefício individual, invocou também a proteção à família previstas, como disse, na Constituição e no Código Civil:

É importante gizar que se trata de direito pessoal, destinado a cada membro do MPU, desde que implementados seus pressupostos, como ocorreu, sendo desinfluente ou neutro, para a espécie, o fato de serem casados e conviverem sob o mesmo “teto”. Aliás, fiel às normas que protegem a Família, tanto as constitucionais quanto às inscritas em nosso Código Civil, tal aspecto, em sua teleologia, até fortalece o direito em debate, ao assegurar ao casal recursos específicos que lhe proporcionem, bem como a sua prole, moradia compatível com as posições funcionais de ambos os cônjuges”.

Este argumento acabou replicado, sete anos depois (31/10/2014), pelo juiz auxiliar Gaspar de Mello ao conceder a antecipação de tutela ao juiz Alexandre Arruda – processo no qual atuou devido a declaração de suspeição da titular da 27ª Vara, Carla Teresa Bonfadini de Sá, “em virtude de encontrar-me na mesma situação fática que o autor da demanda, porquanto casada com Juiz Federal”.

Gaspar de Mello usou-a, novamente, em 21/11/2014 ao antecipar a tutela nos autos 166655-02.2014.4.02.5101, da 18ª Vara Federal. Neste, ele também atuou devido ao impedimento do titular desta mesma Vara, juiz Flávio Oliveira Lucas, um dos autores da ação.

Omissões da AGU – A decisão final deste processo coube ao juiz substituto Alex Lamy de Gouvêa. Ao dar a sentença favorável ao pagamento do duplo auxílio-moradia aos magistrados consignou que seu despacho “não está sujeita ao reexame necessário”, respaldando-se no artigo 496 parágrafo 3º Inciso I do Novo Código de Processo Civil. Ou seja, entendeu que por se tratar de valor inferior aos mil salários mínimos, não haveria necessidade do duplo grau de jurisdição. Restrição prevista no próprio CPC  que determina o reexame das decisões que onerem o Tesouro Nacional.

Embora oficialmente a AGU preferiu não se manifestar ao Blog, entre os advogados da União há os que entendem que houve sim omissão dos colegas que atuaram nesses casos. Explicam que em ações que o Tesouro Nacional é condenado há dois tipos de recursos, o “necessário”, previsto pelo CPC, e o “voluntário”.

O “necessário’ – salvo nos casos em que o Código admitiu a não obrigatoriedade – é um recurso que deve ser automático, independente de provocação e de qualquer tipo de petição. Mas, no  processo em questão, o juiz entendeu desnecessário, respaldado no próprio Código.

Somente agora a AGU recorreu da decisão que concedeu duplo auxílio-moradia ao juiz Bretas e seus colegas. Mas ocaso ainda não foi ao TRF-2

Há, porém, o chamado “recurso voluntário”, que é provocado pela parte. No caso, o advogado da União que atua no processo que age em defesa do Tesouro Nacional ou, como disse a fonte ouvida pelo Blog, em nome da “moralidade pública”. Diante da posição do magistrado que entendeu desnecessário o recurso, caberia ao procurador da União que atuou no processo promovê-lo. O que não ocorreu.

Já no processo 0168058-06.2014.4.02.5101, da 3ª Vara Federal, bem como na ação em que o juiz Marcelo Bretas é parte, na 24ª Vara Federal, os magistrados nada falaram a respeito do “recurso necessário”. Mas abriram prazo para a Procuradoria da União – entenda-se, AGU – se manifestar após a decisão. Em nenhum dos dois houve manifestação. No processo de Bretas, inclusive, como mostramos na matéria já citada – A “interpretação amiga” a favor de Bretas  – consta que o processo subiu para recurso, sem que isto tenha ocorrido.

Somente agora, no final de janeiro, diante da divulgação pela Coluna Painel da Folha de S. Paulo do duplo benefício concedido ao juiz de um dos braços da Lava Jato, foi que a AGU peticionou nos autos para promover sua remessa ao TRF-2 para reexame. O caso, porém, continua na primeira instância. O juiz substituto Maurício da Costa Souza abriu prazo para que as partes – isso é, os magistrados autores da ação – se manifestem. Serão eles contrários a este reexame?

Há, porém, os demais casos em que o mesmo benefício foi concedido a outros magistrados. Inclusive a decisão do juiz substituto no exercício da titularidade da 3ª Vara Federal, Eduardo Sousa Dantas. Neste caso, o recurso da AGU que não foi aceito por estar incompleto, referiu-se à antecipação da tutela. Contra a sentença, a AGU quedou-se muda, como também ocorreu nos demais casos pesquisados pelo Blog. E permaneceu muda ao ser questionada na quinta-feira, sem explicar se irá recorrer das decisões passadas.

Pelo que consta do Código de Processo Civil, os “recursos necessários” provocariam a suspensão do benefício, até a apreciação dele em segundo grau. No caso do juiz Alexandre Arruda não há registro de qualquer decisão nesse sentido no processo de primeiro grau. A apelação, como noticiado acima, continua a espera de uma manifestação do desembargador Diefenthaeler. Já na folha de pagamento de dezembro de 2017, o juiz recebeu como “Vantagens Eventuais” R$ 14.831. Como a folha não especifica tais vantagens, é impossível dizer se o auxílio-moradia, que passou a constar do seu contracheque de novembro de 2014, permanece sendo pago. Aparentemente, sim.

A propósito desse assunto, vale a leitura no Balaio do Kotscho do artigo Carmen Lúcia faz defesa da guilda da República da Toga durante protesto

 

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4 Comentários

  1. Geraldo Coelho Guedes disse:

    Grande Marcelo Auler.

    Acompanho seu blog e resolvi contribuir mensalmente. Acabo de fazer uma transferência entre contas corrente no B. Brasil, Ag 0730-7, nº. 0050, às 07:59:44, na Cidade de Brumado – Bahia, no valor de R$50,00. Cinquenta reais. É pouco, mas é de coração. Por favor avise-me por Email confirmando o recebimento. Até a vitória. Sempre. Grande abraço.

  2. C.Poivre disse:

    Os ataques da mídia dominante aos ex-queridinhos Bretas e Moro, fazem parte da estratégia da cúpula golpista estadunidense. Estão dando um recado aos seus sócios na ditadura midiático-judicial: se derem alguma chance de Lula concorrer todos os podres dos “ministros” dos tribunais ditos “superiores” serão expostos também.

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