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Marcelo Auler

“À medida que um Juiz reconhece que uma aula sobre o fascismo traduz campanha eleitoral, somos obrigados a concluir que um dos candidatos está sendo atingido, ou seja, é um fascista. E se conclui também que este Juiz tomou partido, ou seja, protege o fascista e se afastou de um princípio básico do Estado de Direito: o princípio da neutralidade formal do Estado.”  (Tarso Genro, ex-ministro e ex-governador, em declaração ao Blog).

Faculdade de Direito da UFF: resposta criativa ao arbítrio judicial

A fachada da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, na noite de quinta-feira (25/10), apresentou uma resposta inteligente e criativa ao arbítrio da decisão da juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, da 199ª Zona Eleitoral (Niterói) do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

Para que o diretor da instituição, professor Wilson Madeira, não corresse o risco de ser preso e responder criminalmente, como ameaçou a magistrada – inicialmente, na terça-feira (23/10), verbalmente e na quinta-feira, em ordem por escrito -, os alunos acataram a decisão de retirar a faixa, tecnicamente apartidária, que protestava contra o fascismo. Substituíram-na, como mostra a foto ao lado (no quadro menor está a faixa censurada) pelo luto da Faculdade em luta e o aviso da censura que lhes foi imposta.

A decisão da juíza fere a autonomia do debate universitário. Mas também impressiona por, como ressaltou o ex-ministro da Educação e da Justiça, Tarso Genro, a magistrada, na medida em que reconhece que o debate sobre fascismo se torna campanha eleitoral, permite se concluir que “um dos candidatos está sendo atingido, ou seja, é um fascista”. Mais ainda, segundo Genro – ele próprio um censurado pelo TRE-RS na mesma quinta-feira, na aula que daria na UFRGS -, o entendimento lógico é que a juíza “tomou partido, ou seja, protege o fascista e se afastou de um princípio básico do Estado de Direito: o princípio da neutralidade formal do Estado”.

Sem ordem por escrito, fiscais do TRE não conseguiram retirar a faixa da FND.

O grave é que a juíza de Niterói não esteve sozinha, o que levanta questionamentos sobre uma ação orquestrada. No mesmo dia, com argumentos parecidos – evitar campanha política dentro de prédios públicos – mais de vinte instituições de ensino foram vistoriadas por fiscais do TRE. Em alguns casos, reforçados pela presença de policiais. Buscavam impedir debates, recolher manifestos de repúdio ao fascismo – ainda que os documentos não citassem candidatos – e propaganda ilegal.

Ao todo, segundo as denúncias, foram, ao menos, 22 instituições de ensino “visitadas” em todo o país: Cepe-RJ, , IFB, UCP (Petrópolis), UEPA (Iguarapé-Açu), UEPB, UERJ, UFAM, UFCG (Campina Grande), UFERSA, UFF (Niterói), UFFS, UFG, UFGD (Dourados), UFMG, UFRGS , UFRJ, UFSJ, UFU (Uberlândia), UNEB (Serrinha), UNESP (Bauru), Unilab (Palmares), Unilab-Fortaleza.

Na Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a “visita” dos fiscais do TRE foi para determinar a retirada de uma bandeira pendurada na fachada do prédio, onde se lia “CACO – DITADURA NUNCA MAIS – 102 ANOS DE RESISTÊNCIA“. Ou seja, sem qualquer relação direta com a eleição.

A ação do TRE não se respaldou em mandado judicial escrito. Alegaram ordem verbal. Por isso, não foram atendidos. Os “agentes” prometeram retornar nesta sexta-feira com um documento judicial. Para evitar que eles consigam retirar a faixa, o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO) impetrou um Mandado de Segurança preventivo (MS 0607981-67.2018.6.19.0000) contra as ações do TRE nas universidades públicas. Tentam, assim, obstar a Justiça Eleitoral de realizar qualquer diligência com o fim de retirar a bandeira que não tem qualquer conotação político partidária e, portanto, não fere a legislação eleitoral. Poderão beneficiar as demais instituições.

Em Curitiba, a fachada da Faculdade Federal do Paraná (UFPR). na Praça Santos Andrade, mais conhecida como Praça da Democracia, amanheceu com uma faixa contra o fascismo. A faixa, antes do final da manhã já tinha sido retirada. A democracia, ali, também fracassou.

Fachada da UFPR, em Curitiba, amanheceu com uma faixa anti fascista.

No Facebook, o reitor Ricardo Marcelo Fonseca alertou: “a nossa liberdade de expressão (que espero que sobreviva a estas eleições) está sofrendo restrições inauditas e as universidades estão sendo censuradas. É um processo que segue o modo como as restrições de direitos e a erosão das democracias modernas têm geralmente ocorrido: por meio do “normal funcionamento das instituições” e, neste caso em particular, por determinações da Justiça Eleitoral.

Tiro pela culatra – Com se vê, as ações dos juízes eleitorais estão mobilizando ainda mais a comunidade acadêmica, mas não apenas ela. Defensores do Estado Democrático de Direito protestam contra o arbítrio. Indiretamente, acabam reforçando a campanha contra Bolsonaro, agora chancelado como fascista pelo próprio Judiciário.

Tais ações, certamente, repercutirão mundialmente, como ocorreu em fevereiro de 1989, no carnaval carioca.

Provavelmente a juíza Maria Aparecida era criança em 1989. Certamente a maioria dos alunos da Faculdade de Direito da UFF sequer tinha nascido quando do famoso desfile de escolas de samba, em fevereiro daquele ano.

Nele, o carnavalesco Joãozinho Trinta, ao levar à passarela do samba a escola Beija Flor de Nilópolis com o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia!”, teve uma imagem do Cristo Redentor proibida de desfilar por imposição do então cardeal Eugênio Salles.

Como parece acontecer agora com a faixa da UFF que só ganhou notoriedade ao ser proibida – a censura à Beija Flor, em 1989, acabou dando mais visibilidade ao desfile pela saída genial – e espirituosa – do carnavalesco.

No carnaval de 1989, a proibição foi driblada pela esperteza de Joãozinho Trinta (Foto: reprodução da Internet)

Ele acatou a proibição, mas não se intimidou e denunciou a censura com a imagem do Cristo passando pela avenida coberta com um plástico preto ao qual sobrepôs uma faixa: “Pai, mesmo proibido, olhai por todos nós”.

A Faculdade de Direito repetiu o gesto de coragem sem que a Justiça nada possa fazer. Afinal, a ordem da juíza Maria Aparecida, acabou atendida.

Ao recorrerem à denúncia da censura imposta pela Justiça Eleitoral, alunos e professores da Faculdade de Direito da UFF, ainda que inconscientemente, trouxeram a lembrança de Joãozinho Trinta para a disputa eleitoral.

Como aconteceu no passado com a Beija Flor – a foto da imagem coberta com a faixa denunciando a censura correu mundo -, provavelmente o mesmo se repetirá agora, servindo para denunciar o autoritarismo e, segundo alguns, a decisão inconstitucional da juíza.

O tiro poderá sair pela culatra uma vez que, como disse Genro, a decisão faz com que a própria Justiça reconheça em Bolsonaro um candidato fascista. Agora, o título lhe foi chancelado judicialmente.

Quem vestiu a carapuça – A decisão da juíza, como de seus colegas em outras cidades, foi classificada como inconstitucional pela administração central da Universidade Estadual da Paraíba (UEBP) que, em nota oficial, destacou:

a Administração Central da UEPB vem a público ressaltar que a troca de ideias na Universidade, em relação a quaisquer que sejam as teses, os temas ou mesmo candidaturas, não é de controle, em hipótese alguma, de tribunal algum. Isso faz parte da autonomia da Universidade, consagrada na Constituição de 1988. O artigo 207 da Constituição prevê nitidamente esta questão, quando diz que as universidades gozam de autonomia didático-pedagógica. Ou seja, o que se discute em determinada aula, em determinado espaço de debate, é de responsabilidade exclusiva do professor ou da professora responsável por aquele componente curricular, evento ou debate. Sendo assim, ninguém pode cercear essa liberdade“.

Na nota que publicou esta manhã. o reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, alerta para o fato de a Justiça Eleitoral, teoricamente, estar sendo mais realista que o rei, uma vez que ambos candidatos, nos discursos eleitorais, dizem defender a democracia e se posicionar contra o arbítrio. Em seguida, questiona: quem vestiu a carapuça?

Quero questionar aqueles que restringem liberdades sem pudor e com facilidade desconcertante, se defender a democracia, ser contra a violência, expressar-se contra a ditadura e contra o fascismo é fazer “publicidade” a favor de algum candidato. Até onde sei, a retórica dos dois candidatos atualmente em disputa tenta se afastar nesta reta final da campanha de uma identificação com a ditadura, a violência ou o fascismo. Se essas manifestações são confiáveis ou não, cabe à sociedade ponderar, na arena política; não ao juiz eleitoral.

A pergunta então é: quem vestiu a carapuça? Porque as autoridades do Estado (que mandam apreender, retirar, prender) vão além do discurso oficial dos próprios candidatos e se apressam em reprimir e calar vozes até dentro das universidades?”

O protesto de Genro pelo Twitter: “o fascismo cresce”

O próprio Genro, na quinta-feira, através do seu twitter, já denunciava este arbítrio ao lembrar que deu aulas em universidades de diversos países, inclusive no Brasil, em pleno regime ditatorial, sem jamais ter sido censurado em sala de aula. Sua conclusão óbvia: “o fascismo cresce”.

Em consequência, tais decisões judiciais, reforçaram a mobilização popular contra o fascismo e o autoritarismo que já se fazia presente nesta inusitada campanha eleitoral.

Tais decisões judiciais provocaram, nesta sexta-feira (26/10), reações diferentes em diversos pontos do país. No Rio, por exemplo, as universidades públicas suspenderam suas atividades para que seus alunos e professores protestem.

No final da manhã, na porta da tradicional Faculdade Nacional de Direito (FND) da UFRJ, no Campo de Santana, alunos e professores promoveram aula pública debatendo o fascismo. Provavelmente, para evitar novos conflitos, mas também para atrair o público, a realizaram na rua. Evitou-se ocupar o prédio público.

À tarde, o protesto será na porta do Tribunal Regional Eleitoral, na Avenida Presidente Wilson, no Castelo, centro da cidade. Está marcado para iniciar às 15H00. Uma hora antes da concentração, na Candelária, dos manifestantes que programaram uma caminhada, contra o fascismo e pela virada da candidatura de Fernando Haddad. Este sim um ato de campanha política.

Certamente os dois grupos acabarão se encontrando na Cinelândia, onde o protesto deverá terminar. Muitos estudantes, que não pretendiam ir à caminhada até por estarem em aulas, acabaram liberados e marcarão presença. Ou seja, o autoritarismo da Justiça Eleitoral, que pretendia em nome da isenção poupar a candidatura de Bolsonaro, poderá sim acabar reforçando o movimento antifascismo e pela democracia. Com isso, reforçará também a manifestação a favor da “virada” do candidato petista.

 

 

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