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Juiz apóia Samarco, que jogou lama, a não doar mais água

Marcelo Auler

A água mineral  é distribuída desde novembro por conta de um Termos de Ajustamento de Conduta assinado pela Mineradora com os Ministérios Públicos: Federal, do Trabalho e Estadual Foto: Facebook Colatina em Dia

A água mineral é distribuída desde novembro por conta de um Termos de Ajustamento de Conduta assinado pela Mineradora com os Ministérios Públicos: Federal, do Trabalho e Estadual Foto: Facebook Colatina em Dia

Para evitar que a Samarco Mineração – responsável pelo maior desastre ambiental que se tem notícia – venha a perder dinheiro doando dois litros de água mineral diariamente a cada um dos 122 mil moradores de Colatina (ES), o juiz federal substituto da 2ª Vara Cível da cidade, Guilherme Alves dos Santos, não quis obrigá-la a manter a distribuição iniciada em novembro.

Como os moradores não confiam na água oferecida a partir da captação no Rio Doce – atingido pelo rejeitos de mineração que escapuliram com o rompimento da barragem em Mariana (MG) -,  terão que arcar com o gasto do próprio bolso. “E quem não puder comprar, vai beber água do Rio Doce?”, questionou Efigênia Martins, uma senhora de idade, ouvida pelo ES-TV, da TV Gazeta, no último dia 24.

A decisão do juiz, que colide com outras deliberações judiciais, é de terça-feira (02/02), em uma Ação de Execução proposta pelo Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, Na Execução, os procuradores tentam manter a distribuição da água, como acertado, em novembro, em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que a mineradora, a prefeitura e os MPs assinaram.

"O prosseguimento da Execução, diante de tal moldura fática, poderia, ainda,causar à Embargante (Samarco), grave dano de difícil ou incerta reparação...."

Na decisão, o juiz considera que a água coletada no Rio Doce, menos de três meses após o acidente, é potável.

Para o juiz Santos, como o município já voltou a captar e fornecer à população a água do Rio Doce, a manutenção da distribuição da água mineral provocará prejuízo à empresa:

“O prosseguimento da execução, diante de tal moldura fática, poderia, ainda, causar à Embargante grave dano de difícil ou incerta reparação, posto que, se obrigada a despender recursos com o abastecimento de água mineral à população, mesmo diante da potabilidade atestada pelas centenas de laudos e vários órgãos técnicos, dificilmente recuperaria tais valores se a medida viesse a ser revertida muito ulteriormente (quem ressarciria a embargante/executada? Os munícipes? O Exequente?) . 

Ao rejeitar a Ação de Execução proposta com respaldo no que ficou acordado no TAC, o juiz descartou o pedido de impor multa diária de R$ 1 milhão, caso a Samarco mantenha a decisão, unilateral, de suspender a água mineral para a população. Ou seja, o juiz praticamente liberou a mineradoras deste compromisso.

Em novembro, quando os detritos de mineração vazados em Mariana chegaram a Colatina, a captação de água foi suspensa e houve o Termo de Ajustamento de Conduta. Foto: Governo ES

Em novembro, quando os detritos de mineração vazados em Mariana chegaram a Colatina, a captação de água foi suspensa e houve o Termo de Ajustamento de Conduta. Foto: Governo ES

Preocupação social – Na briga que se trava em torno da questão, decisões judiciais foram dadas e modificadas. Visão completamente diferente teve o seu colega Nivaldo Luiz Dias. Ele, em 17 de dezembro, reviu a autorização da titular da Vara, Monica Mônica Lúcia do Nascimento Frias.

Oito dias antes, ao rejeitar o pedido dos procuradores para suspender a captação e distribuição da água do rio para a população, Mônica autorizara a Samarco a suspender a distribuição da água mineral, uma semana depois. Fez isso, apesar de ninguém ter levantado estas questão na Ação Civil Pública impetrada pelos procuradores. No direito chama-se “extra petita”, ou seja, decisões judiciais concedendo coisa diversa da requerida. Sem falar que a distribuição da água mineral foi acordada, e não imposta judicialmente.

Ao analisar a questão nos embargos propostos pelos procuradores, o juiz Dias poderia respaldar-se apenas no aspecto formal processual, mas preferiu não se esquivar da questão social. Depois de defender a manutenção do diálogo entre as partes, “inclusive com o escopo de se definir estratégias que garantam não só o abastecimento, mas o retorno da confiança da população no consumo da água tratada, tendo em vista as inúmeras notícias contraditórias que são divulgadas”, ele colocou o dedo na ferida:

“Não se pode deixar de considerar que o cidadão comum, de entendimento mediano, encontra-se amedrontado diante das inúmeras notícias de malefícios que a água poderia causar à sua saúde e à de seus familiares”.

O eletricista Tiago, com filho recém nascido, não confia na água dop Rio Doce para dar banho no filho e menos ainda para beber.Reprodução TV Gazeta

O eletricista Tiago, com filho recém nascido, não confia na água dop Rio Doce para dar banho no filho e menos ainda para beber.Reprodução TV Gazeta

Razão não falta ao magistrado. Afinal, depois de bombardeada pelo noticiário com informações que o rompimento da barragem foi o maior acidente ambiental que se tem notícia, como levar a população acreditar que em algumas poucas semanas já poderia confiar na potabilidade da água do rio atingido?

Não era apenas dona Efigênia quem se assustava com a suspensão da distribuição da água mineral. No mesmo telejornal da TV Gazeta, o eletricista Tiago Yansen Dias explicou que tinha em casa um filho recém nascido e que a água mineral servia para quase tudo: “dar banho no meu neném, fazer comidas, lavar a mamadeira, para beber…”. Questionado sobre a suspensão unilateral da Samarco, foi claro:

“Tenho neném recém-nascido em casa e esta água  da torneira eu não confio para dar banho nele. Para beber, menos ainda”.

Contra a decisão do juiz Dias, a Samarco recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2 Região (TRF-2) que abrange os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mas o desembargador Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, mas não reverteu a decisão.

Brigas de laudo – Apesar disso, em 24 de janeiro, a mineradora suspendeu a distribuição da água mineral. Contra isso, os procuradores e promotores a ingressaram com a Ação de Execução, respaldada no TAC, que acabou rejeitada em primeira instância. Eles recorrerão desta decisão.

cazptação agua no rio doce Colatina - foto governo Espirito Santo

Procuradores e promotores entendem que Colatina não pode mais captar água do Rio Doce, atingido pelos rejeitos de mineração. Mas é de lá a água que chega na casa dos moradores assustados. Foto Governo ES

Há uma outra briga por trás de todas estas ações. Trata-se de saber se a água que vem sendo captado do Rio Doce e é tratada nas duas adutoras que a Samarco ajudou a construir em Colatina é ou não prejudicial à saúde. A discussão é feita com base em incontáveis laudos técnicos, todos sempre questionado pelas partes divergentes. Os representantes dos três Ministérios Público consideram a excepcionalidade do acidente ambiental para exigir que os testes na água a ser servida à população tenham novos parâmetros.

Com base em estudos técnicos dos órgãos de apoio à Procuradoria Geral de Justiça capixaba, os procuradores e promotores entendem que a água do Rio Doce não pode ser usada pela população. Defendem que a mineradora, a prefeitura e órgãos de meio ambiente estaduais e municipais desenvolvam projetos de formas alternativas de captação de água, até se ter certeza que a do rio não causará prejuízo aos cidadãos.

“Precisamos ter uma comprovação de que o uso prolongado desta água não trará reflexos negativos à população. Estamos diante de uma situação jamais vista, não podemos tratar como se fosse algo normal”, explica o procurador da República Jorge Munhoz.

Esta captação seria nos rios Pancas e Santa Maria. Mas, segundo informações da revista eletrônica capixaba Século Diário,

quase três meses após o rompimento da barragem, o prefeito Leonardo Deptulski informou que a prefeitura perfurou seis poços artesianos. Já as obras essenciais de captação alternativas foram iniciadas apenas no rio Santa Maria”.

O prejuízo é o que conta – Desde que a coleta de água do Rio Doce voltou a ser feita, a preocupação da Samarco é parar com a a distribuição de água mineral nas duas maiores cidades que tinham no rio a principal fonte de abastecimento: Governador Valadares (MG) e Colatina (ES), com respectivamente 278 mil e 122 mil moradores, segundo dados do IBGE. Por enquanto, no distrito de Regência (1.200 habitantes), no município de Linhares (ES), a distribuição continua.

Segundo a empresa, seu gasto era de R$ 500 mil/dia apenas com o fornecimento da água em Colatina onde, entre 18 de novembro e 25 de janeiro, teriam sido doados 19 milhões de litros.

A tese da mineradora é de que os demais compromissos assumidos, como ajudar o município a construir adutoras e a tratar a água foram cumpridos. Tanto que, poucos dias depois do acordo feito, em 23 de novembro, a cidade voltou a ser abastecida com água barbaramente atingido pelos dejetos de mineração. Foi quando começou a briga dos laudos. A mineradora e órgãos ambientais apresentaram estudos mostrando que a água estava no padrão exigido pela Portaria 2.914/2011, do Ministério da Saúde.

Já os procuradores entendem que em se tratando de um acidente ambiental de proporções jamais vista, não há garantia de que a água do Rio Doce pode ser usada. Consideram que as normas traçadas pela portaria do Ministério da Saúde servem para situações normais. No caso, a situação é de anormalidade. Afinal, reconhecidamente, foi o maior acidente ambiental que se tem notícia.

No meio deste embate ficam os moradores, perdidos na discussão. Eles recebem uma água sobre a qual vêm surgir dúvidas a todo instante. Dois dias após a Samarco suspender a água mineral, em 26 de janeiro, O Globo divulgou que um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica apontou que a qualidade da água da bacia do Rio Doce, afetada pelo rompimento de barragens em Mariana (MG), é péssima em 16 dos 18 pontos monitorados. Os outros dois trechos tiveram resultado regular. Em 650 km de rios, total analisado pela pesquisa, a água está imprópria para consumo”.

Esta é a água que os moradores da região recebem para consumo, inclusive dona Efigênia, o eletricista Tiago e seu filho recém-nascido. Mas, a Samarco não corre mais o risco de prejuízo.

11 Comentários

  1. Xhyko disse:

    Mas Juiz de Direito não tem que passar por psicologa antes de assumir a Função?

    • MariaC.R. disse:

      Depende do edital. Leia na NET.
      Não vem ao caso. Um juiz equilibrado pode ser um cruel por decisão voluntária.

      Muitos vendem sentenças. Quando vendem tem de esconder a grana. Por não serem ricos, mas classe media alta, não podem ostentar patrimônio e levam a grana para paraísos ou usam laranjas aqui ou fora.

      A maioria ou é honesta, ou não se expõe por decisão quanto aos riscos. Flagrados, o que é difícil, pois quando se envolvem com ilícitos há uma equipe de ilicitude a proteger: a coisa é feia.
      Os primeiros a pular do barco ilícito são os amigos. Leiam sobre João Carlos (?) e Lalau. E procurem na net. Muitos aposentados vitalicios por corrupcao. Visivelmente ha casos em que se ajeitaram as coisas. Por essas e muitas razões os ladrões ricos estão defendendo
      a não investigação da lista do HSBC e da Zelotes.

  2. Alberto disse:

    O “Judiciário” brasileiro, invariavelmente, é contra os interesses da população e do Estado brasileiros. Viveríamos muito melhor sem este Judiciário que só nos traz problemas. Pelo menos não teríamos que arcar com o custo bilionário para manter uma casta de privilegiados.

  3. […] blog do Marcelo Auler a decisão “Maria Antonieta” de um juiz, que desobriga a Samarco de fornecer água […]

  4. Laura Maria Goretti da Motta disse:

    Prezado Marcelo,
    creio que tem juízes que realmente não tomam sempre a melhor decisão. Sempre admiro também sua preocupação de esclarecer e defender a população. Mas neste caso não concordo totalmente com você. Esta lama não é toxica (temos análises de amostras feitas antes da ruptura em teses feitas no Laboratório). E os tratamentos de água em geral conseguem tornar adequadas até as aguas do Guandu… Naturalmente precisa ver se Colatina tem uma empresa razoável de ETA, mas passados tantos meses acho que sob o ponto de vista de engenharia é razoável pensar que a agua tratada já esteja adequada.
    Eu acho que tem muito “alarde” sobre contaminação que não se justifica tecnicamente.
    O desastre foi horrível, o rio e suas margens levarão tempo para se recuperarem totalmente, mas a “contaminação” é mais de argila e minério de ferro. Não são perigosos, convivemos todo dia com estes materiais que fazem parte do solo …
    Um abraço,
    Laura

    • C.Paoliello disse:

      A Comissão de Barragens de MG não liberou ainda a água para consumo humano.

    • Laura, o que vc lê? Onde confere informações, fontes?!!!

      Desculpe, acho que está pirada…

      AS CONSTRUTORAS MANDAM NO PAÍS…DESDE SEMPRE…
      COMETEM CRIMES AMBIENTAIS IMPUNEMENTE, CÚMPLICES DO GOVERNO. CÚMPLICES DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE…

      DENÚNCIA SOBRE E EMISSÃO DE RELATÓRIOS AMBIENTAIS FALSOS, OU INEXISTENTES
      ‘EIA” e ‘RIMA’ – OMISSÃO DO IBAMA, DO MMA, enfim, omissão do próprio governo!

      Alô IBAMA?!! A conversa é com você MESMO!
      Hellooo! Ministério do Meio Ambiente?!!: tudo acontece sob suas barbas, eaí? Vai falar o quê?
      Como pode omitir rios, florestas, natureza, gente, fauna e flora para fornecer relatórios falsos e mentirosos??!!
      Quantos relatórios ‘EIA Rima’, foram fraudados neste país?
      Alô, Alô Ministério do Meio Ambiente!!! Cadê sua verdadeira atribuição?!

      Confira abaixo todas as notícias relacionadas ao crime ambiental e social em Minas Gerais, publicadas aqui no Terra Sem Males.
      http://www.terrasemmales.com.br/naofoiacidente/
      Confira tudo aqui: http://apublica.org/2015/07/a-arte-de-ignorar-a-natureza/

    • Jonas disse:

      Concordo com você Laura. Este episódio da lama da Samarco é realmente peculiar. Não importa a quantidade de laudos e provas científicas mostrando que é plenamente possível tratar a água do Rio Doce para consumo, percebe-se que o que prevalece, inclusive no judiciário, são as decisões baseadas em sentimentos, emoções, revanchismo e “achismos”.
      Quando laudos, estudos e provas técnicas são desqualificadas através de argumentos apaixonados e sem o mínimo de cuidado técnico, realmente não há espaço para discussão.
      O desastre ambiental foi sem precedentes, sem dúvida. Responsabilidade das mineradores, sem dúvida. Mas percebo que existe um sentimento de “cultivar” a tragédia. Sentimento este sustentado por diversos grupos sociais, os quais precisam justamente de tragédias como estas para permanecerem vivos enquanto organização. Para estes grupos, cuja promoção política no cenário de esquerda brasileira é muito mais importante do que a defesa das pessoas atingidas, qualquer ação de reparação que resolva a situação entre as partes é vista de maneira negativa.

  5. João de Paiva disse:

    Duas questões surgem imediatamente:
    1ª) Quanto custa comprar sentenças favoráveis de juízes de primeira instância nas comarcas que abrangem as cidades afetadas pelo desastre ?
    2ª) Quanto custa distribuir água mineral aos moradores dos grandes municípios atingidos, como Governador Valadares e Colatina?

    É fácil deduzir que é muito mais barato para a Samarco e suas controladoras (Vale e BHP-Bilington) comprar o ‘apoio’ de alguns ‘magistrados’ do que distribuir água mineral a quase 500 mil pessoas.

    Aos senhores magistrados, que apoiaram a Samarco na suspensão do fornecimento de água à população das cidades atingidas pela lama da barragem, pergunto:
    a) Qual a água que os senhores utilizam em suas casas? A que vem do Rio Doce ou água mineral?
    b) Mesmo sabendo que os altos salários e mamatas que recebem do Estado (do cidadão trabalhador e pagador de impostos) são suficientes para que os senhores tomem até banho de banheira em água mineral, sugiro aso senhores que utilizem a mesma água do Rio Doce, que estão a recomendar, para a população pobre das cidades atingidas pela lama. Se a água é própria para o uso da população pobre e trabalhadora, por que os senhores não usam a mesma água em casa?

  6. Márcio Moura disse:

    O que acontece no Brasil é que esses funcionários públicos são todos de classe média / alta, estudam bancados pelos papais ate passar, não sabem o que é passar fome sede ou perder o pouco que tem de uma hora pra outra. Mais que água roupa comida e casa perderam a dignidade.

    Acho engraçado que quando é com qualquer outro funcionário público ja dizem que tem algo por trás (grana) agora com juízes e promotores é entendimento jurídico. Não to falando que existe isso nesse caso, é apenas uma constatação generica, que magistrados e membros do MP sao seres humanos quase arianos perfeitos, clones da ovelha Dolly.

    Em tempo- alguem enche um galão de 20 litros de água do Rio Doce, coloca em um carro e entrega no gabinete desse juiz. Vamos ver se ele toma um copo só.

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