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Delação não cumprida que Moro e Deltan mantiveram
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Marcelo Auler

PANACEIAImportante instrumento jurídico criado para auxiliar as investigações, notadamente de organizações criminosas, a delação premiada, a partir da experiência da Operação Lava Jato, se tornou uma verdadeira “panaceia” no estrito sentido descrito pelo famoso dicionário Houaiss.

O que, como ministros do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já definiram, deveria ser um “indício”, para o devido aprofundamento da investigação, passou a ser visto como prova; a palavra de um delator, que a princípio merece ser colocada em dúvida, ganha ares de verdade, inclusive para jornalistas que, a princípio, em nome da boa apuração, deveriam suspeitar de tudo o que ouvem; um ato que deveria ser de iniciativa própria do acusado e/ou réu, se tornou algo a ser obtido sob pressão.

Desta forma, a Delação se transformou, como define Houaiss, em “coisa que se acredite possa remediar vários ou todos os males; o que se emprega para remediar dificuldades; braço-da-preguiça”.

Se a investigação não consegue chegar às provas concretas contra “A”, “B”, ou “C”, não há porque desistir, nem tampouco inocentar o suspeito. Corre-se atrás de alguém preferencialmente submetido a uma prisão temporária e/ou preventiva, que de temporária/preventiva não tem nada.

Ela faz parte de um jogo em que retém o, às vezes, ainda suspeito, não por atender as exigências dos códigos legais, em benefício da investigação ou na defesa da sociedade. Mas pela necessidade de se conseguir de forma mais rápida – o tal “braço-da-preguiça” – algo que permita confirmar uma tese anteriormente levantada. A partir de então, pouco importa se o que o delator disse faz ou não sentido. Seja o que for, a delação passa a ter fundo de verdade.

Emilio e Marcelo OdebrechtAo que tudo indica, este é o caso da mais recente delação que tem todos os indícios de ter sido retirada a fórceps de alguém preso e acuado, que acaba dizendo aquilo que os investigadores – entenda-se, procuradores da República, policiais federais e o próprio juiz Sérgio Moro – têm interesse em ouvir.

A ser verdade o que disse Antônio Palocci ao juiz Moro, este só deveria, de imediato, tomar uma urgente providência: solicitar ao Supremo Tribunal Federal que anule a delação feita pelos Odebrechts e os diretores do grupo empresarial de mesmo nome.

Afinal, o ex-ministro da fazenda de Lula revelou reuniões das quais teriam participado Emilio e/ou Marcelo Odebrecht, que não constam do que os dois – bem como os demais diretores da empresa – delataram “espontaneamente” à PGR. Nenhum deles falou em “pacto de sangue” entre Emílio e Lula.

Algo que, como destacou em sua coluna deste sábado (09/08), na Folha de S. Paulo, André Singer – Notícias da semana traçam cenário melancólico – trata-se de uma expressão “dita sob medida para caber nos títulos principais da imprensa do dia seguinte”.

Como, ao que tudo indica, hoje é mais interessante aos operadores da Lava Jato – e a seus eternos defensores na chamada grande mídia – considerarem verdadeiras e definitivas as acusações do “italiano” por atingirem o alvo de todos eles – Lula -, a conclusão óbvia é que os Odebrechts esconderam informações e devem perder os direitos conquistados com a delação. Ou Moro não pretende questionar a veracidade da delação que beneficiou pai e filho?

Ultimamente, ao questionarem as delações premiadas que a Lava Jato tem usado – seja em Curitiba, seja em Brasília – se recorre ao caso de Delcídio do Amaral. Serve como exemplo de algo dito sem a menor relação com a realidade. Mas isso de pouco importou à época. Antes pelo contrário, serviu aos objetivos políticos dos operadores da Lava Jato.

Preso em novembro de 2015, Delcídio prestou delação premiada no início de 2016. Ela só foi homologada e oficialmente liberada ao conhecimento público em 15 de fevereiro de 2016. Como disse CartaCapital na época – Na íntegra, a delação premiada de Delcídio do Amaral – “a delação de Delcídio vazou para a imprensa antes de sua homologação, o que provocou a indignação do ministro Teori Zavascki. Após a publicação de reportagens com parte do conteúdo do documento, Zavascki enviou um ofício à PGR solicitando a abertura de uma investigação a respeito do vazamento“.

Um ano e meio depois de vazarem as delações de Delcídio queimando reputações, a própria PGR desconsiderou o que fora dito.

Um ano e meio depois de vazarem as delações de Delcídio queimando reputações, a própria PGR desconsiderou o que fora dito.

Claro que não houve qualquer investigação, como de resto jamais se investigou, logo, também não se puniu, vazamentos ocorridos na Lava Jato. Afinal, na maioria, partiram dos seus próprios operadores – policiais federais, procuradores e até juízes, como foi o caso do grampo ilegal da conversa entre Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.

O vazamento, como já se cansou de falar, faz parte do esquema de afetar reputações para depois se tentar confirmar as denúncias feitas.

No caso de Delcídio, um ano e maio depois, a própria Procuradoria Geral da República colocava em dúvida suas acusações, como noticiou o site do Valor Econômico, em agosto de 2017.

Mais ainda, no último dia 11 de julho, o procurador da República Ivan Cláudio Marx pediu à Justiça Federal em Brasília, o arquivamento de procedimento investigatório criminal que apurava a acusação de Delcídio contra Lula. O ex-senador acusou o ex-presidente de tentar obstruir a Operação Lava Jato.

O pior é que tudo isso – a divulgação de delações antes delas serem confirmadas atingindo reputações – contou (e conta, ainda) com o beneplácito dos tribunais superiores. Seus membros, talvez como aconteceu com Rodrigo Janot conforme ele próprio confessou, ter agido mais por medo, omitiram-se e deixaram de fazer cumprir a letra da lei. Ou pior, da Carta Magna.

Tais fatos, porém, não são recentes. Vêm do início da Operação Lava Jato. Foram denunciados à época, não na imprensa, que jamais teve interesse em revelar os reais bastidores da Operação na chamada República de Curitiba. Mas em juízo, sem que qualquer providência fosse tomada. Afinal, qual magistrado, fosse de que tribunal fosse, ousaria se voltar contra a opinião pública ou, principalmente, contra a “opinião publicada”?

Como noticiamos no Blog em Quem com ferro fere… Força Tarefa da Lava Jato pode tornar-se alvo de delação premiada (30 de abril de 2016), a doleira Nelma Kodama, através de um bilhete escrito em maio de 2015,   denunciou ao desembargador Pedro Gebran Neto que ao se recusar a colaborar com uma delegada federal, foi imediatamente transferida para o presídio onde teve a cabeça raspada e perdeu 13 quilos.

Bilhete de NELMA Kodama ao desembargador Gelbran denunciando pressão ao ser presa

Bilhete de Nelma Kodama ao desembargador Gelbran denunciando pressão ao ser presa para se tornar delatora.

No bilhete, que não foi levado em conta pelo desembargador ao analisar o processo, ela não só revelou a pressão para se tornar “colaboradora”, mas mostrou que desde o início da Operação Lava Jato – foi a primeira a ser presa quando embarcava para Milão, na Itália, dois dias antes de deflagrarem a primeira fase – delegados e procuradores queriam pegar os políticos, mesmo sem nada comunicarem ao Supremo.

“Quando cheguei à Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, fui ouvida pelo delegado Márcio Anselmo, os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martelo, os quais me perguntaram: A senhora tem algum político, ou negócio com trafigo de Drogas? Algum fato novo? Porque se a Sra. só tiver operaçõezinhas com chinezinhos não é do nosso interesse”.(sic)

Nelma jamais fez uma delação premiada formalmente. Mas, ao contribuir com delegados da Força Tarefa de Curitiba prestando depoimentos que os ajudaram a sustentar a falsa tese da existência de um grupo “dissidente” dentro da Superintendência Regional da Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR), obteve regalias no cumprimento da pena. Trocou o presídio pela custódia da Polícia federal, com direito a levar junto sua companheira.

Hoje, mesmo se sabendo que jamais existiu o “dossiê” com informações sigilosas da Operação que os “dissidentes” estariam negociando, cuja existência Nelma corroborou em seus depoimentos para satisfazer aos delegados, ela cumpre pena em prisão domiciliar.

Surgem agora dúvidas e questionamentos com relação à delação de Joesley Batista, da JBS. Dela surge a certeza que Janot agiu açodadamente na expectativa de pegar o presidente Michel Temer. Pode ter lhe beneficiado, mesmo se sabendo que de inocente o atual presidente não tem nada.

Ao encaminhar um pedido de prisão do seu ex-assessor, Marcelo Miller, Janot sinalizou que o vê com culpa no caso. Foto Alex Lanza/MPMG

Ao encaminhar um pedido de prisão do seu ex-assessor, Marcelo Miller, Janot sinalizou que o vê com culpa no caso. Foto Alex Lanza/MPMG

Dentro do devido processo legal, a gravação que Joesley fez na sua visita noturna ao Palácio Jaburu, tem que ser considerada uma prova induzida. Provavelmente, haja visto o pedido de prisão encaminhado sexta-feira por Janot, com a ajuda do já então misto de assessor da acusação e advogado de defesa do réu, o ex-procurador da República Marcello Miller.

Ao pedir a sua prisão – açodadamente? -, Janot já demonstra que tem o ex-assessor como culpado no caso.

Independentemente da anulação ou não da delação premiada dos donos e diretores da JBS, e mesmo se sabendo que a sua revisão não invalida provas de uma maneira em geral, a gravação da conversa com Temer tem tudo para ser considerada ilegal. Com isso, contaminaria, por exemplo, a operação que flagrou o ex-deputado e homem de confiança do presidente, Rodrigo Rocha Loures, por ser fruto da chamada “árvore contaminada”.

O Supremo pode até não invalidar tais provas. Afinal, seus ministros, justa e compreensivelmente, consideraram que a honra da mais alta corte do país foi colocada sob suspeita. Torna-se compreensível, portanto, quando um ministro, como o fez Luiz Fux, desabafa dizendo que os delatores da JBS “atentaram contra a dignidade da Justiça e revelaram a arrogância dos criminosos do colarinho branco”.

O que não é compreensível, por ser entendido como uma predisposição em um julgamento que deverá fazer respeitando o princípio do contraditório e da ampla defesa, é a sugestão de que os delatores “passassem do exílio nova-iorquino para o exílio da Papuda”.

A qualquer cidadão este desabafo seria considerado normal. Não a quem como magistrado terá que decidir sobre o aparente imparcialidade.

Mas, a imparcialidade ao que parece anda em falta desde que a Operação Lava Jato caiu nas graças da grande mídia e do antipetismo de uma maneira em geral. A começar pela própria Procuradoria Geral da República que, no papel de fiscal da lei e tendo a função de exercer o controle externo da Polícia, não exerceu nenhum dos dois papéis.

Com isto, imiscuiu-se de tal forma com as investigações que abriu mão de suas funções constitucionais, pelas quais muitos dos seus brigaram durante anos. Vale agora esperar a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumir, na expectativa de que a delação premiada volte a ser um instrumento jurídico importante nas investigações criminais mais relevantes. Não mais mera panaceia, que tenta remediar males , muitos deles criados por quem deveria resolvê-los.

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Aos leitores e colaboradores: Dentro do que tem se proposto esse Blog, de buscar informações novas sobre a Operação Lava Jato, estaremos retornando ao Paraná na próxima semana. Como é conhecido, esta pagina se sustenta com a ajuda de seus leitores e admiradores que, por acreditarem no nosso trabalho, apoiam financeiramente com qualquer valor para cobrirmos despesas como a de mais uma viagem àquele estado As contribuições podem ser feitas, em qualquer valor, com depósitos na conta que consta ao lado.Veja no Blog como ajudar. Desde já agradecemos.

11 Comentários

  1. C.Poivre disse:

    Em Nota Oficial a presidência do PT acusa a quadrilha da Farsa a Jato de operar uma indústria criminosa de delações:

    https://www.esmaelmorais.com.br/2017/09/moro-opera-industria-criminosa-de-delacoes-em-curitiba-denuncia-gleisi-hoffmann/

  2. C.Poivre disse:

    Recadinho de um brasileiro saturado de discursos e frases de efeito de líderes nacionais: Que deixarem de dar entrevistas, sentarem-se ao redor de uma mesa, negociar uma agenda mínima e organizar a resistência popular contra a ditadura midiático-judicial? Chega de discursos sem qualquer consequência prática. Todos os partidos, sindicatos, movimentos sociais e quantos mais quiserem redemocratizar o país deveriam estar se reunindo diariamente para organizar um movimento unificado de todos os brasileiros que não aceitam o “governo” de uma minoria com uma quadrilha de ladrões de cofres públicos regida pela Globo no Planalto representando os interesses da plutocracia. Chega de inércia das lideranças! O povo brasileiro está ansioso para ser convocado às ruas!

  3. Certeza disse:

    Pau de arara moderno = delações da Lava Jato.

  4. Duvida disse:

    Janot manda prender Marcelo Müller . Quem manda prender Janot ?

  5. C.Poivre disse:

    Ninguém tem mais qualquer dúvida, a Farsa a Jato é uma organização criminosa a serviço da plutocracia corrupta e de interesses antinacionais. Espero que um dia o país volte viver sob o Estado Democrático de Direito e os membros desta quadrilha sejam levados às barras de tribunais que se dêem o respeito, não estes que estão aí no atual sistema judicial (mp+judiciário).

    • João de Paiva disse:

      Disse (quase) tudo.

      Caro C. Poivre,

      A PF, essa mesma em que delegados fazem campanha para um candidato, ofendem e cometem rimes contra uma Presidenta e contra um Ex-Presidente da República, que grampeia ilegalmente presos e outros agentes e delegados da própria PF, que age como ORCRIM e forja apreensões, para “esquentar” provas entregues por uma ex-contadora, etc., também integra o sistema judicial.

      É dessa indignação contundente propositiva que precisamos. Mais do que discursos , precisamos partir para a ação política. E as lideranças (estão ouvindo guilherme Boulos, parlamentares, líderes políticos da Esquerda, acadêmicos, intelectuais e sindicalistas? precisam sair da inércia e da zona de confôrto em que se encontram instaladas. Sem mobilização sequer a realização das eleições no ano que vem está garantida.

  6. […] Hoje, em seu blog, Marcelo Auler descreve a história, com fatos, mostrando que desde o início a Lava Jato foi colocando a lei para escanteio, até que que a delação premiada que… […]

  7. ari disse:

    Lá pelo início dos anos 90, a polícia matou um cidadão. O delegado disse então à imprensa: “Nós ainda vamos provar que ele era bandido”
    Parece que as coisas não mudaram tanto assim, apenas são outros os personagens

  8. Cristiano disse:

    Novamente um texto muito bem fundamentado e apoiado em provas documentais.

    Marcelo Auler deveria ser a referência de jornalismo de verdade para a grande mídia.

    Este tipo de conteúdo valioso precisa ser mais e mais divulgado para que as pessoas percebam o engodo a que foram levadas pelos golpistas de 2016.

    Parabéns Marcelo!!

  9. […] Hoje, em seu blog, Marcelo Auler descreve a história, com fatos, mostrando que desde o início a Lava Jato foi colocando a lei para escanteio, até que que a delação premiada que… […]

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