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Compartilho: “O discurso da raiva”

Compartilho, por concordar inteiramente, o artigo escrito por Carlos Brickmann para o Observatório de Imprensa.

O Discurso da Raiva

Carlos Brickmann

Observatório de ImprensaAs palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade, ensinava Victor Hugo. Ulysses Guimarães, comentando um dos maiores oradores do Brasil, Carlos Lacerda, seu colega de Congresso (sim, houve época em que havia na Câmara gente como Ulysses, Lacerda, Tancredo, Vieira de Mello, Almino Affonso e Affonso Arinos entre outros grandes parlamentares), dizia que o efeito de uma frase certeira era idêntico ao de um nocaute físico: a vítima empalidecia, tremia, muitas vezes tinha de sentar-se. As palavras são leves, fáceis de pronunciar, de escrever, de manipular; mas suas consequências são imprevisíveis e frequentemente devastadoras.

O discurso da raiva, alegremente encampado por alguns jornalistas, muitos dos quais se orgulham de “ter lado”, ou de “lutar pelas causas justas”, ou de “contribuir para a moralização dos costumes públicos”, já resvala em terreno perigoso. Dois idiotas radicais conseguiram aproximar-se da comitiva da presidente Dilma Rousseff em Stanford, na Califórnia, com o objetivo de insultá-la e divulgar sua façanha em vídeo. Uma de suas frases: a presidente merecia morrer. Foi o mesmo que se escreveu na rua onde mora Jô Soares, depois que entrevistou Dilma. Algo semelhante berrava a turba reunida pelo assessor parlamentar de uma deputada federal para insultar publicamente o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal.

Vaiar um político, bater panelas para protestar, tocar buzinas, isso faz parte do jogo. Ameaçá-lo por ter ideias diferentes não faz parte do comportamento de pessoas decentes. Pode-se dizer, como este colunista o fez, que a entrevista de Jô Soares com Dilma foi ruim; daí a menosprezar seu talento, sua história de bom trabalho, de querer que ele morra, é inaceitável (e, a propósito, além de inaceitável é de uma imbecil prepotência: todos morrerão um dia, inclusive os vociferantes. Imaginar que se pode antecipar o evento pela simples manifestação de vontade é cretinice).

E como a imprensa se comporta ao noticiar esses rastros de ódio?

Vamos a exemplos:

1 – Manifestantes hostilizam Dilma nos EUA com cartazes e mandiocas, diz um título. No texto, informa-se que havia quatro manifestantes. Quatro.

2 – Estudantes gravam vídeos insultando Dilma nos EUA, diz o título. O texto é claro: havia dois estudantes. Dois.

3 – Só contra o PT? Não: há tempos, Paulo Maluf comandou comício num grande cinema, com público quase totalmente favorável. Foi aplaudidíssimo. Um senhor o vaiou. Título: “Maluf vaiado no comício”. Diante da queixa, o jornal reiterou a informação: “A vaia ocorreu, foi real”. É verdade – o que comprova que, com uma verdade, é possível falsear a cobertura.

4 – Apesar da crise política, Lula reúne amigos para jogatina, diz o título. E de que se tratava essa tal jogatina? Como ocorre de vez em quando, Lula reuniu em sua casa velhos amigos, como o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, para uma rodada de buraco, a leite de pato, ou com apostas irrisórias, mais um pretexto para bater papo, tomar cerveja e divertir-se com alguns tira-gostos. A conotação da palavra “jogatina” é negativa. Mas o fato que foi descrito é comum, faz parte da vida de boa parte da população, nada tem de negativo. E que é que queriam? Que, com a crise política, Lula tivesse crises permanente de choro? Fizesse greve de fome?

Que os partidários apaixonados de um lado ou de outro falem bobagem, tudo bem – desde que se mantenham nos limites da lei. Mas os meios de comunicação não podem cair nessa armadilha. Primeiro, porque com isso fogem à sua missão de retratar os fatos o mais fielmente possível. Segundo, porque mais cedo ou mais tarde, mesmo que catástrofes para as quais contribuiu a má cobertura aconteçam no caminho, os fatos reais acabam aparecendo. Pode demorar, mas tanto a imprensa partidarizada quanto os profissionais que se partidarizaram acabam perdendo público e importância.

Loucura geral

Até que a razão volte a prevalecer, na política e na imprensa, é bom tomar cuidado. Há cretinos fundamentais que dizem que os parlamentares que votam contra a redução da maioridade penal são cúmplices dos bandidos e por isso merecem morrer. Pode-se discordar deles, mas querer que morram? Outros, diante de uma declaração da atriz Marieta Severo, que elogiou a inclusão social no Brasil, concluem que ela recebe do PT para defendê-lo. Besteira sesquipedal: este colunista não tem a menor ideia do pensamento político de Marieta Severo, mas sabe que é uma pessoa séria e uma profissional de alto nível. É perfeitamente possível discordar de suas opiniões, claro; mas apresentando outras opiniões opostas e os argumentos que as sustentem. Como é possível discordar da presidente Dilma Rousseff (e a maioria do eleitorado, hoje, parece fazê-lo) sem cair na grosseria de adesivos pornográficos e desrespeitosos não apenas a ela, mas às mulheres em geral.

Aliás, essa história dos repugnantes adesivos é incrivelmente burra: no momento em que a presidente atinge seus índices mais baixos de popularidade, é preciso ser ignorante total em política para atacá-la nesses termos, que só podem provocar solidariedade. Não se chuta quem está por baixo. E uma rápida pesquisa no portal Mercado Livre mostra que a grosseria tem alcance próprio limitadíssimo: quatro adesivos vendidos até o final desta última semana. Ou seja, aquilo que não teria qualquer importância se tornou conhecido pela ampla divulgação que a imprensa lhe deu. Os veículos de comunicação devem lembrar-se de sua responsabilidade.

Como diz o sempre bem-humorado Ricardo Kotscho, “menas, menas”.

2 Comentários

  1. João de Paiva disse:

    Caro Marcelo Auler,

    Esse articulista aí não convence. Se ele chegou a escrever este artigo, é porque a coisa azedou mesmo. Observe que ele tergiversa e tenta “equilibrar” a situação, apontando que JB foi hostilizado (deduz-se que por petistas, né? – embora ele não o diga explicitamente) assim como Paulo Maluf, numa manchete de jornal desfavorável àquele que ficou célebre pela pérola “estupra, mas não mata”. Mesmo admitindo a irracionalidade dos trogloditas e criminosos que ofendem a presidente Dilma em viagem ao exterior, os que hostilizam Jô soares pela entrevista com a presidente ou aqueles que pedem a morte (de Dilma e de Jô, num e noutro episódio), o articulista tenta relativizar esses fatos graves e tenta fazer uma defesa da mídia comercial no penúltimo parágrafo. Observe que ele desvia do tema principal, para criticar a entrevista feita por Jô Soares com a presidente Dilma, assim como para criticar a opinião política de Marieta Severo (que ele finge desconhecer). Por fim ele tem a cara-de-pau de usar o clichê “Não se chuta quem está por baixo”, referindo-se à presidente Dilma, que no momento (segundo suspeitíssimas “pesquisas”) apresenta baixos índices de popularidade. Esse articulista, assim como a revista “óia” brada e quer mostrar, há 10 anos, que o PT e Lula estão “mortos”. Tem quebrado a cara, mas continua a fazer a pregação apocalíptica. Esse articulista juntou-se a Mário Malin numa tentativa de intimidar Luciano Martins Costa, que também escrevia no Observatório da Imprensa, escrevendo artigo agressivo em relação ao colega. E dentre os três não é preciso queimar muita pestana para perceber que como crítico da mídia comercial Luciano Martins Costa está anos-luz à frente.

    • sergio navas disse:

      Concordo, esse Brickmann é um reacionário de alta plumagem, esquece que seus ídolos só encontram espaços aqui na colônia Brasil, graças ao aparelhamento das instituições desde as capitânias hereditárias, alguns desses ídolos sequer podem sair do País, sob o risco de serem presos.

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