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Compartilho: “Não “habemus” mais Papa?”

Marcelo Auler

Trago para esta página um artigo de Tarso Genro postado ontem, segunda-feira (13/07) no site SUL21. Muito  interessante sua abordagem de como a mídia tradicional pouco deu espaço para as importantes palavras do papa Francisco.

Aliás, quem comentou, o fez de forma pejorativa, de certa forma defendendo sua substituição, ou seja, torcendo ou por sua morte ou pela sua improvável renúncia.

Papa Francisco Discursa aos  Movimentos Populares na Bolívia (Foto: reprodução Youtube_090715)

Papa Francisco Discursa aos Movimentos Populares na Bolívia (Foto: reprodução Youtube_090715)

Aqui, nesse espaço, além de republicar o artigo do ex-ministro e ex-governador gaúcho Tarso Genro, destaco uma outra importante postagem. Quem ainda não leu todo o discurso do papa no encontro com os movimentos populares na Bolívia, pode fazê-lo no site “Socialista Morena” – “Melhores trechos do discurso anticapitalista do papa Francisco na Bolívia” –  onde a jornalista Cynara Moreira Menezes destaca os principais trechos no entendimento dela.

A integra do discurso pode ser encontrado no site acidigital

Compartilho aqui três trechos destacados por Cynara Menezes:

“Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos…. E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia são Francisco.”

“Existe um sistema com outros objetivos. Um sistema que, apesar de acelerar irresponsavelmente os ritmos da produção, apesar de implementar métodos na indústria e na agricultura que sacrificam a Mãe Terra na ara da ‘produtividade’, continua a negar a milhares de milhões de irmãos os mais elementares direitos econômicos, sociais e culturais. Este sistema atenta contra o projeto de Jesus.”

“Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adota o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico. Como dizem os bispos da África, muitas vezes pretende-se converter os países pobres em ‘peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante’.”

Não “habemus” mais Papa?

Tarso Genro

Tarso Genro - Foto pt.org.br

Tarso Genro – Foto pt.org.br

Vamos imaginar uma situação diferente da que aconteceu na semana passada, na qual o Papa asseverou que o capitalismo é uma “ditadura sutil”, que a concentração monopolista dos meios de comunicação impõe “pautas alienantes” e gera um “colonialismo ideológico”, e supor o que ocorreria se o Papa defendesse a redução das funções públicas do Estado, o direito a monopolizar a formação da opinião, o mercado desregulado e o império cultural dos países ricos sobre os países pobres. Convém notar, em primeiro lugar, que as importantes manifestações do Papa tiveram escassos reflexos nas pautas nobres da grande mídia, com exceção da Folha de São Paulo, e só foram expandidas, como informação, pelas “redes” alternativas de comunicação.

Creio que se o Papa tivesse defendido as posições já conhecidas do liberalismo de direita, teríamos o início de uma nova grande campanha contra o setor público, contra os pressupostos de um Estado Social de Direito e, certamente, um novo ciclo de propaganda dos “ajustes”,  que tem massacrado as camadas sociais mais pobres de todos os continentes.

Se o Papa tivesse adotado as posições já conhecidas da direita liberal, teríamos  um novo ciclo de lavagem cerebral, de natureza ideológica, baseada num velho princípio que informou as saídas de crises,  sob governos comprometidos com os mais ricos: na hora de bonança e crescimento concentremos renda, na hora de perdas e recessão distribuímos os prejuízos para baixo.

Parece que todos aqueles colunistas, jornalistas, “especialistas” de plantão da grande mídia, que saudaram a emergência de um Papa que se locomovia de ônibus, que conhecia a vida dos pobres de Buenos Aires, que falava com palavras simples aos seus fiéis, não esperavam que  ele fosse o homem que aparentava ser: um homem profundamente religioso, que não escondia as suas convicções de que o ser humano real, este que  sofre os tormentos do capitalismo “sem alma”, merece a atenção e o carinho de uma Igreja que promete a salvação na eternidade.

Nas memórias do grande diretor John Huston está transcrita uma carta do magnífico escritor B.Traven, autor do precioso, entre outros, “Tesouro de Sierra Madre”,  que se tornou  película dirigida por Huston  e cujo personagem principal foi encenado por Humphrey Bogart. O escritor, que duvidava da seriedade de intenções dos que queriam transformar seu livro em filme diz, na carta citada por Huston: “Em Hollyhood todo mundo pensa unicamente em dinheiro e em novos contratos, ninguém pensa em fazer algo extraordinariamente grande.”

Fazer “algo extraordinariamente grande”, mesmo se os tortuosos caminhos da História venham, depois  -independentemente da vontade daqueles seres humanos especiais-  desviar o curso da sua intencionalidade ética. O Papa deve ter pensado algo parecido, quando deu as declarações que afrontaram aqueles que, além de deter um poder extraordinário pela sua riqueza material, controlam a formação das opiniões a seu respeito. E o fazem porque subjugam o “direito humano à comunicação”, como diz aqui o nosso professor Pedrinho Guareschi, colocando as emoções a serviço da acumulação sem trabalho e profanando  os corpos na chama irracional do consumismo.

A Europa das Luzes teve capacidade de combinar, por um certo tempo, a emergência da cultura democrática com o escravismo; depois, fez conviver a democracia política com o colonialismo e seus massacres; hoje, depois do curto reinado social-democrata -na mesma Europa-  a Alemanha, nação devedora do Século passado que jamais pagou suas dívidas de guerra, dá um passo trágico:  faz da Grécia, estuprada pelo nazismo, a Câmara de tortura do capital financeiro. Nós, seres não especiais, dizermos isso que o Papa disse, é o trivial. O não-trivial é o Papa dizer isso, que ele disse, e a grande mídia praticamente censurar suas mensagens.

Parece que, de repente, o essencial do que é o Papa, um ser humano solidário com os pobres e que  desafia o capitalismo a ser verdadeiramente democrático, que não teme ser taxado de “esquerda” -parece que este Papa essencial-  deixou de existir para a grande mídia, que o tratará, agora, como já fez um apressado colunista da mesma Folha, como um populista-peronista.

O Papa, que não teve seu coração nem sua mente forjados pela direita midiática escapou do controle ideológico do neoliberalismo, e disse: sois seres humanos, não sois mercadorias. Não aceitem isso que aí está, façam algo extraordinariamente grande!

Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

1 Comentário

  1. Benjamin Eurico Malucelli disse:

    Meu mais profundo respeito ao papa Francisco que, com seu discurso pela inclusão social, democratização da mídia, e outras questões, deixa a direita de cabelos em pé. Meu respeito ao papa não é como chefe da igreja católica – esta ficando muito a dever -, mas, sim, ao grande estadista que está mostrando a que veio.

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