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A saga do empréstimo de um preso a Israel

Por Marcelo Auler – Rio de Janeiro

 

A globalização não atinge só a economia dos países. A influência mundial em cada cultura e na vida política e social de um povo é hoje constante, graças  à facilidade das comunicações que permite se copiar hábitos, experiências e todo tipo de inovações, sejam elas positivas ou negativas.

Isto se deu, muito mais rapidamente, no mundo do crime. Marginais de todas as espécimes e de todos os rincões, rapidamente começaram a se copiar, a se unir e a se globalizar, através da formação de grandes quadrilhas que atuaram em diferentes países.

No Brasil, uma das primeiras iniciativas de intercâmbio ocorreu na velha e conhecida contravenção, cujos famosos bicheiros logo se associaram a outros grupos mafiosos e importaram práticas de exploração, como máquinas eletrônicas caça-niqueis. A prática se repete ainda com o tráfico de drogas, de pessoas, a corrupção de políticos e governos e a lavagem de dinheiro em paraísos fiscais.

Neste sentido, é muito positivo quando as autoridades responsáveis pelo combate de tais mazelas começam também a jogar coordenadamente. associando-se e trocando informações e experiências. Por isso, vale saudar a iniciativa do governo (via Ministérios da Justiça e Itamaraty) do Ministério Público Federal e do Judiciário, quando se associam a instituições semelhantes de outros cantos do mundo, para juntos combaterem a criminalidade que se globalizou. Na reportagem abaixo temos um exemplo claro disso, em um fato inédito no país, com o !empréstimo” de um preso para desbaratar grupos mafiosos do outro lado do mundo. Não deixa de ser um sinal de esperança a história narrada abaixo:

 

A SAGA DO EMPRÉSTIMO DE UM PRESO A ISRAEL

 

Publicado em: www.jota.info (http://jota.info/a-saga-do-emprestimo-de-um-preso-a-israel)

 

Quando o helicóptero da Polícia Civil do Rio de Janeiro, na terça-feira (12/05) levantou voo do Complexo Penitenciário de Gericinó – onde estão as prisões popularmente conhecidas como Bangu I, II, III, entre outras – iniciava-se o retorno do israelense Yoram El Al, condenado a cinco anos e sete meses de reclusão pelos crimes de contrabando e lavagem de dinheiro, à sua terra natal. Ele embarcou em voo comercial, com passagem de volta marcada: deve retornar, caso as autoridades de Israel respeitem o acordo, na primeira quinzena de junho para continuar cumprindo sua pena no Brasil.

 

Trata-se da primeira vez que há uma “transferência temporária” de preso, como destacou em nota a Procuradoria Regional da República, da 2ª Região (Rio e Espírito Santo). A remoção “visa uma colaboração para aprofundar investigações sobre uma organização criminosa atuante na Ásia e na Europa. A iniciativa é um resultado bem-sucedido de um acordo de cooperação internacional inédito entre os dois países”, diz a nota, sem especificar o nome do preso.

 

O interesse de Israel no condenado brasileiro – preso em 2011 no bojo da Operação Black Ops, na qual foi desbaratada uma quadrilha que contrabandeava componentes eletrônicos para máquinas de videopôquer – é testemunhar contra o mafioso Itzak Albergi acusado de diversos crimes, inclusive tráfico de ecstasy.

 

Em 2011, como divulgado no site da CartaCapital , o empréstimo do preso havia sido pedido pelo promotor Mark Childs, da Califórnia (EUA), onde o mesmo mafioso, chefe da “Albergi Family”, é processado.

Na época, como tramitava no Tribunal Regional Federal da 2ª Região um recurso interposto pela defesa de Yoram para derrubar a condenação a 13 anos e seis meses de reclusão pelos crimes contra a economia popular, contrabando e lavagem de dinheiro, o desembargador Abel Gomes, relator do caso, entendeu que a presença dele poderia ser necessária, principalmente por ele ter feito uma delação premiada. No julgamento do recurso foi mantida a condenação por dois crimes e a pena foi reduzida.

No Rio, Yoram ainda aparece na investigação da Polícia Civil no caso da morte do filho do bicheiro Rogério Andrade, Diogo, de 17 anos, em abril de 2010, num atentado a bomba que visava o contraventor. Na versão da polícia, Yoran intermediou a contratação do israelense Tal Amir, que preparou a bomba que explodiu no carro dirigido pelo rapaz, embora menor de idade, no qual o pai ia como carona. A troca de lugar com o filho salvou o bicheiro.

A transferência temporária de presos está prevista na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (“Convenção de Palermo”) e na Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas. Ela também pode se basear em instrumentos bilaterais firmados pelo Brasil, citou a nota da PRR-2.

EUA também o queriam

Yoran está no Brasil desde 2006, quando fugiu do Uruguai, por conta de um pedido de extradição feito pelos EUA àquele país, motivo pelo qual estava preso. Fugiu da cadeia pela porta da frente, com a ajuda do irmão, Nissin El Al, e de mais dois homens que se passaram por policiais e conseguiram, com um documento forjado por um “oficial do cárcere”, retirá-lo como se estivessem transferindo-o de penitenciária.

No Rio, no mesmo ano em que chegou, foi preso sob a acusação de tráfico de esctasy com base em um mandado de prisão da Justiça Estadual do Paraná requisitado pelo então coordenador de fronteiras da Polícia Federal, o delegado Fernando Francischini, que recentemente se exonerou do cargo de Secretário de Justiça do Estado e retomou sua cadeira de deputado federal do PSDB-PR.

Ex-advogados de Yoram alegavam, em 2011, que a acusação de tráfico apenas simulou uma situação para que o prendessem, atendendo aos interesses dos EUA.

Fertilização in vitro

Mas, uma nova ordem de prisão foi expedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – dois dias depois da prisão no Rio – por conta do pedido de extradição dos EUA ao Brasil. O israelense foi apontado pelas polícias americana, israelense e brasileira como terrorista, traficante, mafioso, mas nunca respondeu a processos por tais crimes.

É verdade que seu passado é nebuloso, prova maior está nas cicatrizes na perna direita, resultado de um atentando a bomba em Israel provocado por grupos criminosos rivais.

Há ainda seu suposto envolvimento com a Abergil Family. Em nome dela, Yoran e dois comparsas – Hai Waknine e Sasson Bararshy – teriam ameaçado os comerciantes Eliyahu Hadad e Victor Keuylian, em Los Angeles, ao cobrar dívidas ligadas a um carregamento de esctasy – cerca de 400 mil comprimidos – apreendido pelo Drug Enforcement Administration (DEA), a força policial americana de combate ao tráfico. Para amedrontá-los, Yoran mostrou as cicatrizes, insinuando que o mesmo aconteceria aos devedores.

Em 2007, ainda recolhido à Polinter à espera da decisão sobre a extradição, Yoram encaminhou ao STF um pedido inusitado: autorização para que recolhessem “seu líquido seminal, para viabilizar a fertilização in vitro de sua esposa”, Hila Salem Elal. A autorização foi dada pelo ministro Joaquim Barbosa e ele se tornou pai de gêmos.

Foram os dois filhos que garantiram ao casal a permanência no Brasil. Durante a gravidez, a Polícia Federal chegou a intimar Hila a deixar o país por estar com o visto vencido. O TRF-2 acabou lhe concedendo liminar que garantia sua permanência até o primeiro aniversário dos filhos que ainda iam nascer. Depois, com os filhos brasileiros, ambos não podiam mais ser deportados.

Em junho de 2007, o Supremo, acompanhando o voto do relator do caso, Joaquim Barbosa, recusou o pedido de extradição americano, por falta de acordo de reciprocidade entre os dois países. Houve a determinação de soltarem Yoram, mas ele viu sua prisão se estender uma vez que oUruguai fez pedido idêntico ao dos EUA.

Contudo, como o Uruguai não descreveu nenhum crime em que o preso pudesse ser responsabilizado, ficando evidenciado que o requisitava para dar continuidade ao processo de extradição que ali corria, também a pedido dos norte-americanos, o STF se recusou a atendê-lo.

“A lei 6815/80 não prevê a possibilidade de extradição para fins de extradição para outro país”, destacou o relator do caso.

Em liberdade, o israelense envolveu-se com os contraventores do Rio de Janeiro, voltando à prisão na Operação Black Ops, em 2011. Acabou aceitando o acordo de delação premiada e narrou a forma como bicheiros do Rio, envolvidos com a exploração das chamadas máquinas caça-níqueis, contrabandeavam componentes eletrônicos de Israel. A preferência era decorrente deles permitirem uma maior manipulação nos resultados dos jogos.

Recusa da Polícia Federal

Mesmo tendo sido requisitada a sua extradição pelos EUA, em 2011, quando os americanos – após a negativa do Supremo – apelaram para a sua “transferência temporária”, curiosamente Yoram aceitou ir depor na justiça da Califórnia. Achava que assim resolveria seus problemas naquele país. Agora, diante do pedido de Israel – que mandou antes uma comitiva ao Rio para cuidar das negociações e falar com o preso – no final de abril, demonstrou dúvida sobre aceitar a viagem. Acabou convencido a depor na sua terra natal.

Lá, ele deverá ser acompanhado por um representante do Itamaraty em todos os atos que participar. As autoridades brasileiras – a transferência envolveu a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) do MPF, sob a gestão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e departamentos dos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores – estabeleceram regras, através de notas, a serem respeitadas pelas autoridades de Israel.

Na hora da transferência do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho a procuradora Regional da República Cristina Romanó, que junto com seu colega Artur Gueiros e o advogado Carlos Henrique Nascimento Barbosa, representante do Ministério da Justiça, acompanhou o preso até o aeroporto internacional Tom Jobim, foi surpreendida pela recusa da Superintendência Regional da Polícia Federal em fazer a escolta do mesmo.

Os policiais federais alegaram dificuldades operacionais para garantir a segurança dele, em uma transferência terrestre, no percurso dos menos de 40 quilômetros que distanciam o presídio do aeroporto.

Nem o envolvimento do Ministério da Justiça na operação foi capaz de reverter a recusa da Polícia Federal no Rio. Foi preciso apelar às autoridades do Estado e o transporte de Yoran deu-se, então, por meio de um helicóptero da Polícia Civil.

Agora, aguarda-se seu retorno.

 

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